Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Lembrança do massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, contra trabalhadores do Movimento dos Sem-Terra no Estado do Pará.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Lembrança do massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, contra trabalhadores do Movimento dos Sem-Terra no Estado do Pará.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2003 - Página 8158
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, SITUAÇÃO, CONFLITO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, AGRESSÃO, MORTE, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, AUSENCIA, PUNIÇÃO, PRISÃO, RESPONSAVEL, VIOLENCIA, AGRESSÃO, SEM-TERRA, LUTA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar o seguinte: 17 de abril de 1996. Rodovia PA-150, Eldorado dos Carajás. Por volta das 15h30, o major Oliveira já está posicionado à altura do quilômetro 95, na curva do S, com o efetivo de 69 homens. Por volta das 16h30, chega a tropa do coronel Pantoja: 85 homens. Entre os dois grupos de soldados, no asfalto da estrada, centenas de homens, mulheres e crianças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

O massacre, segundo testemunhas, começou com a execução do deficiente mental Amâncio Rodrigues dos Santos, o primeiro sem-terra a tombar. Amâncio, que era surdo e mudo, ao ver a formação do coronel Pantoja à sua frente - e por ser incapaz de ouvir os tiros que os militares já disparavam para o alto -, investiu contra alguns policiais e foi derrubado a golpes de cassetetes e coronhadas. Caído, recebeu três tiros. O laudo necrópsico de Amâncio, realizado pelo Instituto Médico Legal Renato Chaves, de Marabá, revela três cortes de aproximadamente oito centímetros cada um na cabeça, resultantes de golpes que recebeu, e um projétil alojado no cérebro, causa da morte. Ao ver o companheiro morto pela tropa do coronel Pantoja, os sem-terra avançam sobre os militares com paus e pedras. Alguns policiais são atingidos e a tropa recua uma dezena de metros, para logo avançar novamente, dessa vez disparando rajadas de metralhadoras.

Do outro lado da pista, ao comando do major Oliveira, os policiais também atiram à vontade. Em pânico, encurralados, os sem-terra correm para os lados, procurando se refugiar nas margens da rodovia. (...)

Srªs e Srs. Senadores, este texto consta da página do MST na Internet e é assinado pelo jornalista Marcio Frenetti. O texto foi redigido com base em depoimentos das testemunhas do massacre de Eldorado do Carajás - aos quais também tive acesso -, que amanhã, dia 17 de abril, completará sete anos.

Essa mancha continua impune para a história do nosso Estado do Pará, porque, infelizmente, os verdadeiros culpados ainda não estão presos, somente uma pessoa se encontra presa. Digo isso porque além dos 19 mortos, há mais de 60 pessoas atingidas no massacre que ainda têm seqüelas. O pior é que a tão propagada reforma agrária - como disse ontem na audiência pública do Ministro da Agricultura - foi, na verdade, uma “favelização” agrária do nosso País.

Portanto, que este momento sirva para reflexão, inclusive da própria Comissão dos Direitos Humanos, pois não é possível convivermos com tanta impunidade, que mancha não só o Estado do Pará, mas também o povo brasileiro.

Tenho certeza de que o Ministro da Justiça vai tomar providências no sentido de que as injustiças sejam corrigidas. E faço questão de fazer este registro hoje, no Senado Federal, para lembrar o infeliz aniversário do massacre de Eldorado de Carajás no dia de amanhã.

Sr. Presidente, solicito que meu pronunciamento seja publicado na íntegra nos Anais da Casa.

Obrigada.

 

*********************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA ANA JÚLIA CAREPA.

*********************************************************************************

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Sr. Presidente,Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para uma rápida comunicação sobre um fato ocorrido há sete anos e que, até os dias de hoje é lembrado com tristeza, revolta e indignação.

Quem não lembra deste fato:

“ 17 de abril de 1996. Rodovia PA-150, Eldorado dos Carajás. Por volta das 15h30, o major Oliveira já está posicionado à altura do quilômetro 95, na curva do S, com um efetivo de 69 homens. Por volta das 16h30, chega a tropa do coronel Pantoja: 85 homens. Entre os dois grupos de soldados, no asfalto da estrada, centenas de homens, mulheres e crianças do Movimento de Trabalhadores Sem Terra.

O massacre, segundo várias testemunhas, começou com a execução do deficiente mental Amâncio Rodrigues dos Santos, o primeiro sem terra a tombar. Amâncio, que era surdo e mudo, ao ver a formação do coronel Pantoja à sua frente - e por ser incapaz de ouvir os tiros que os militares já disparavam para o alto -, investiu contra alguns policiais e foi derrubado a golpes de cassetetes e coronhadas. Caído, recebeu três tiros. O laudo necrópsico de Amâncio, realizado pelo Instituto Médico-Legal Renato Chaves, de Marabá, revela três cortes de aproximadamente 8 centímetros cada um na cabeça, resultantes dos golpes que recebeu, e um projétil alojado no cérebro, causa da morte. Ao ver o companheiro morto pela tropa do coronel Pantoja, os sem terra avançam sobre os militares com paus e pedras. Alguns policiais são atingidos e a tropa recua uma dezena de metros, para logo avançar novamente, dessa vez disparando rajadas de metralhadoras.

Do outro extremo da pista, ao comando do major Oliveira, os policiais também atiram à vontade. Em pânico, encurralados, os sem terra correm para os lados, procurando se refugiar nas margens da rodovia.

Com a debandada dos sem terra, a desobstrução da estrada - objetivo oficial da operação - já foi cumprida. Mas os policiais seguem atirando.

................................................................................................................

Desde antes do início do tiroteio, o sem terra Oziel Alves Pereira, de 18 anos, estava no carro de som do MST gritando palavras de ordem para seus companheiros e incentivando-os à resistência. Quando a fuzilaria começou e ele percebeu a gravidade da situação, acabou se refugiando, junto com outras pessoas, numa casa de madeira à beira da estrada. Muitos viram (testemunharam em juízo) Oziel ser preso pelos policiais, algemado e retirado da casa. Consta também dos depoimentos que Oziel foi arrastado pelos cabelos e espancado antes de ser morto com quatro tiros à queima-roupa. A testemunha Luiz Vanderlei da Silva não só afirma que presenciou a cena, como nomeia um dos executores de Oziel: o major Oliveira, autor de dois tiros de revólver contra o sem terra.

Na mesma casa onde Oziel se refugiou antes de morrer uma reporter, encarregada de cobrir a manifestação dos sem terra pela TV Liberal, de Marabá. Corajosa, ela sai da casa, identifica-se como repórter e pede, aos gritos, que os policiais parem de atirar naquela direção, avisando que ali só há mulheres e crianças. A repórter é levada pelos soldados para um dos ônibus alugados pela PM, e pouco vê depois disso. Percebe, porém, uma irregularidade: os militares à sua volta estão sem a obrigatória tarja de identificação no peito (a observação consta de vários outros depoimentos).

No meio da tormenta, o lavrador Inácio Pereira, de 56 anos, usa de astúcia para sobreviver. Ele fazia parte do grupo de sem terra que procurava enfrentar a tropa comandada pelo major Oliveira. Com o avanço dos soldados, foi derrubado e pisoteado. No chão, apavorado com os tiros e vendo gente tombar ao seu lado, resolveu ficar inerte, fingir-se de morto. Permaneceu assim um longo tempo, não sabe dizer quanto.

Contaram-se dezenove mortos no massacre, todos sem terra, todos homens, e 80 feridos - 69 sem terra e onze soldados da polícia Militar. Do lado da PM, o número é o certo, mas do lado dos sem terra não deu pra conferir. Testemunhas disseram, em seus depoimentos à promotoria, ter visto crianças e mulheres mortas...”

Este texto, Srªs e Srs. Senadores, consta na página da internet do MST e é assinado pelo repórter Marco Frenete, certamente escrito com base nos depoimentos de testemunhas do massacre de Eldorado dos Carajás.

Nem a riqueza de detalhes, que se tornou pública, pois, imagens do massacre foram veiculadas amplamente pela televisão, foi suficiente para que se fizesse justiça neste caso.

A revolta que se sente até hoje, Sr. Presidente, vem da truculência da ação policial. Da ordem de “desobstruir a rodovia a qualquer custo”, dada pelo então Governador do Pará, Almir Gabriel e repassada pelo então secretário de segurança pública, Paulo Sette Câmara e executada pelos seus subordinados. A revolta, Senhor presidente, persiste, sobretudo, pela impunidade que se repete neste caso, com na chacina da Candelária, do Carandiru e de tantas outras.

No caso de Eldorado, os mandantes ficaram fora do processo judicial desde o início. E dos 150 policiais envolvidos na truculenta operação policial, apenas um foi condenado, mas, sequer ficou preso, aguarda em liberdade o julgamento de recurso apresentado por sua defesa. Isso ocorre, numa prova do fracasso do nosso judiciário, em solucionar questões como esta.

O massacre de Eldorado tomou repercussão internacional. Isto, somado a pífia ação do nosso judiciário, levou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) a abrir investigação sobre o caso. E no seu relatório de admissibilidade, a Comissão destaca que as investigações realizadas pela Polícia Militar viciaram o processo. Esta é uma das maiores vergonhas que o Brasil passa à nível internacional.

Tenho dito neste Plenário, Senhor Presidente, que a impunidade é uma das principais causas da criminalidade e da violência no nosso País, seja no crime organizado, seja na exploração do trabalho escravo e mesmo na corrupção. A certeza da impunidade estimula a contravenção, a ação criminosa.

O Povo Brasileiro não suporta mais isso. Arrisco a dizer, que o reclamo por mudanças que representou o resultado das últimas eleições, que colocou um operário na presidência da República, foi muito impulsionado pela intolerância às injustiças, à impunidade, à corrupção e ao fraco desempenho das instituições que tem por finalidade regular as relações sociais.

Somos testemunhas do esforço do nosso governo, do governo Lula, já nos seus primeiros meses, em promover ações que representam mudanças efetivas no combate à criminalidade e à ilegalidade. O lançamento do Programa de Combate ao Trabalho Escravo, as ações do Ministério da Justiça que somam esforços junto aos estados para o combate do crime organizado, as articulações do Ministério do desenvolvimento Agrário junto aos demais órgãos de governo no esforço de viabilizar efetivamente a reforma agrária, e assim reduzir a pressão que vem do campo, são alguns exemplos de ações que, em breve espaço de tempo, será sentida de forma concreta pela população.

Finalizo, Srªs e Srs. Senadores, congratulando àqueles que estão promovendo marchas por este Brasil afora, em proteste pela violência ocorrida em 17 de abril de 1996 e pela impunidade que persiste até os dias de hoje, já que os mandantes e executores daquela chacina que horrorizou o Brasil e o mundo estão soltos. E assim, Senhor Presidente, me juntando a estes e a todos que não perde a capacidade de se indignar, por que acreditam que as mudanças e as transformações necessárias para um mundo mais justo e mais digno decorrem daí.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2003 - Página 8158