Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

O papel do Brasil no desenvolvimento mundial. Necessidade de distribuição da renda e melhoria dos indicadores sociais no Brasil.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • O papel do Brasil no desenvolvimento mundial. Necessidade de distribuição da renda e melhoria dos indicadores sociais no Brasil.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2003 - Página 9276
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, TECNOLOGIA, INFORMATICA, ALTERAÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, CAPITALISMO, GLOBALIZAÇÃO, NECESSIDADE, DEBATE, POSIÇÃO, BRASIL, POSSIBILIDADE, LIDERANÇA, DESENVOLVIMENTO, TERCEIRO MUNDO.
  • PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL, COMBATE, MISERIA, FOME, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, GARANTIA, CIDADANIA, PRE REQUISITO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos 30 anos, temos assistido a um avanço impressionante da ciência e da técnica. Com esse desenvolvimento fantástico, ora chamado de era digital, de sociedade da informação, de sociedade de conhecimento e, por fim, de globalização, novas formas e poderes e novas regras de convivência entre as nações apareceram e mudaram outra vez, de maneira radical, as regras do jogo no sistema capitalista. O projeto de guerra nas estrelas do ex-Presidente americano Ronaldo Reagan, a derrocada da União Soviética, o fim da Guerra Fria e a invasão militar dos Estados Unidos contra o Iraque, em 1991, foram os sinais seguros de que estávamos vivendo uma nova etapa da história da humanidade.

No que se refere à invasão do Iraque, pela primeira vez, o mundo assistiu, ao vivo, a uma guerra digital, onde as chamadas armas inteligentes massacraram implacavelmente as tropas de Saddam Hussein e, infelizmente, milhares de civis inocentes. Assim, o que se via, até então, nos filmes de ficção, inspirados nos livros de Júlio Verne, virou realidade nas areias do deserto da antiga Mesopotâmia, onde surgiram algumas das mais antigas civilizações: sumérios, acádios, babilônios e assírios.

Na atual conjuntura, estamos vivendo a era do capital virtual, que detém uma impressionante capacidade de reprodução e um incrível poder de penetração nas fronteiras. Agora, tudo depende de um complexo sistema financeiro internacional e de um fluxo incessante de capitais voláteis, que agem, ao mesmo tempo, em toda a economia internacional, de maneira especulativa, criando, sucessiva e contraditoriamente, dinamismo, riqueza, crise, desemprego, miséria e fome.

O Brasil ocupa lugar secundário nesse sistema econômico e político mundial. Sem o devido controle de nossa inserção no mundo globalizado, há mais de uma década, o País está à procura de um rumo. Ao longo de todo esse tempo, a economia brasileira estagnou, a situação de miséria agravou-se, e o nosso grau de dependência assumiu níveis preocupantes, para não dizer desesperantes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde a sua posse, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vários pronunciamentos nacionais e internacionais, tem deixado claro que o Brasil não abrirá mão de sua independência, de sua autonomia e do seu destino. O Presidente tem procurado mostrar, igualmente, que temos um futuro a conquistar como Nação e um papel importante a representar na América e no resto do mundo.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe que o Brasil não pode perder mais tempo e precisa preparar-se para ocupar o verdadeiro lugar de destaque que lhe cabe no cenário internacional. Para isso, é preciso avançar com vontade política e com passos gigantescos em direção da eliminação, em médio prazo, dos nossos seculares e vergonhosos indicadores sociais. Da mesma maneira, é preciso modificar radicalmente o perfil indigno da distribuição de renda que nos coloca na quarta pior posição entre 162 países, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.

Em termos de distribuição da riqueza nacional, basta relembrar que os 10% mais ricos ficam com 46,7% da renda total. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, referentes ao ano 2000, a parcela de 1% dos mais ricos no País detinha 13,8% da renda total, enquanto os 50% mais pobres ficavam com apenas 13,5%. Como podemos observar, nossa disparidade social é tão chocante e absurda, que um rico recebe mais do que 50 pobres.

As autoridades governamentais, envolvidas diretamente com os problemas sociais do País, conhecem, perfeitamente, esses percentuais. Sabem, igualmente, que discursos e boas intenções contra as injustiças não levam a lugar algum. Inclusive, já é bastante volumoso e inútil o acervo de declarações deixado por muitos governantes que pouco ou quase nada fizeram para acabar com o flagelo da fome e da miséria que nos envergonha a todos.

Temos pouco tempo para resgatar a dignidade do nosso povo e transformar o Brasil na primeira Nação desenvolvida, democrática e organizada dos trópicos.

Não é mais possível conviver com a indigência que vitima 55 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, e com a pobreza de mais de 25 milhões de pessoas que sobrevivem precariamente.

Ao todo, Srs. Senadores, são 75 milhões de miseráveis e pobres em uma população de 170 milhões de habitantes.

Esses dados nos mostram que essa situação de exclusão envolve quase 45% dos brasileiros. Sem dúvida alguma, são dados humilhantes. Não é mais possível que uma economia que produz anualmente quase US$600 bilhões e que está colocada entre as doze maiores do planeta continue convivendo com tamanha injustiça.

Ontem, neste Plenário, tive a oportunidade de ouvir a Senadora Serys Slhessarenko relatar uma situação de dificuldade, de miséria e de perigo em relação à nossa Amazônia. A nobre Senadora, Sr. Presidente Romeu Tuma, depois de falar com muito vigor e propriedade, chorou. Talvez S. Exª não se tenha exteriorizado em lágrimas abundantes, mas percebi, pelo tom de sua voz, que estava emocionada. Essa emoção, Sr. Presidente, é a mesma que me acompanha ao longo da vida. Muitas vezes, meus pronunciamentos são emocionais, porque, desde a mocidade, faço trabalho de acompanhamento de comunidades.

Quando o Senador Marcelo Crivella mostrou, no telão, a situação de miséria que encontrara em uma comunidade que conseguiu transformar, disse a S. Exª, em um aparte, que o fez, primeiro, pela fé e, depois, politicamente, assumindo um papel que é do Estado.

Enxergamos situações de miséria nas ruas de todas as cidades brasileiras: a infância e a velhice abandonadas, mulheres espancadas, desempregados, desespero devido às drogas. Recentemente, ouvimos, nos noticiários que aquele miserável pai - digo miserável porque ele devia estar no fundo do poço - que atirara no filho drogado, matando-o, morreu de tristeza.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Pois não.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª fala de um assunto muito importante e que aflige a todos. Nenhum de nós gosta de ver o País como está, com essa diferença tão grande entre as classes sociais e com tanta miséria, principalmente no entorno das cidades. Quando a miséria se verifica no campo, sempre é possível criar uma galinha, um porco, cultivar uma pequena lavoura - a não ser na minha região, que fica aflita quando chega a seca porque não há água para a plantação nem para se beber. Digo a V. Exª que, muitas vezes, quando visito aquelas comunidades, sinto vergonha de ser brasileiro. Vergonha porque é um País, como disse V. Exª, de economia pujante, com duas safras por ano, um País que, se quiser - e vimos aqui o exemplo da terra crestada transformada pelo suor, pelo trabalho e pela fé -, pode fazer tudo. A terra de Israel é muito pior e lá se planta, se colhe e se exporta. Aqui, lamentavelmente, nos faltam o elã e a vontade política de resolver um assunto que é secular. V. Exª toca numa tecla séria, que não pode se perpetuar, mas cuja tendência está sendo a da perpetuação. Se V. Exª tiver uma árvore na beira da estrada, o estresse até a fará dar mais flores e frutos para ter mais sementes e tentar a sobrevivência da espécie. O mesmo ocorre com os pobres, que terminam tendo mais filhos, numa ação de perpetuação da espécie, porque vivem sempre à beira do colapso. Nesse sentido, devemos começar pela raiz: planejamento familiar, educação, cuidados com a saúde, e por aí afora. Solidarizo-me com V. Exª pelo discurso que faz. Sou um dos que também sofrem quando vê essa população aflita sofrendo. Ao encerrar, dou o meu testemunho de que fui a Goiás e lá vi o trabalho que V. Exª desenvolveu e desenvolve naquela região, como primeira dama e como política, e o quanto o povo daquele Estado lhe quer bem. Graças a Deus! Parabéns, Senadora!

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço o aparte de V. Exª, que só engrandece o meu pronunciamento, Senador Ney Suassuna. Mas gostaria de dizer, até aproveitando as palavras de V. Exª, que, realmente, nas comunidades da zona rural, mesmo com as dificuldades que encontram, com a falta de incentivo por parte dos governos, temos certeza de que ninguém passa fome. E a fome realmente é o grande problema que encontramos neste País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo diante da grave crise que estamos atravessando, chegou a hora de vencermos o pessimismo e de lutarmos de maneira firme contra as conseqüências nefastas de um sistema injusto e concentrador de riquezas, que rouba o que existe de mais precioso em uma sociedade, que é o exercício pleno e nobre de sua cidadania. Nesse processo de desenvolvimento em curso, é evidente que na chamada comunidade tecnológica existem progressos muito importantes, mas os sacrifícios impostos aos mais fracos têm sido bem maiores do que os nossos ganhos.

Até hoje, o aprofundamento do neoliberalismo tem promovido forte transferência de capitais líquidos de nossas combalidas economias, provocando o aumento da miséria, a desagregação social e o desemprego em massa nos países menos desenvolvidos.

Como já dissemos, pelo seu peso econômico, pelas suas possibilidades industriais, pela sua dimensão geográfica, pelo tamanho de sua população e por suas respeitáveis riquezas naturais, o Brasil tem importante missão a cumprir na tentativa de forçar uma mudança no comportamento da economia mundial. Com a certeza do reconhecimento dessas fortes credenciais, precisamos assumir imediatamente um engajamento mais efetivo no seio do Terceiro Mundo e liderar um grande movimento em defesa de um processo de desenvolvimento mais igualitário, menos agressivo e que traga melhores resultados para todos os povos.

Portanto, o Brasil precisa ter mais confiança no futuro, na nossa capacidade de realização e de liderança, e na nossa disposição de vencer os grandes desafios.

É isto o que o povo brasileiro espera do Governo comandado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva: que faça da esperança as grandes mudanças sociais requeridas por todos.

Não se trata apenas de fazer com que o Programa Fome Zero realmente decole e modifique as condições de vida de milhares de brasileiros que ainda vivem abaixo da linha da pobreza. O que se exige, isso sim, é transformar a essência de um sistema econômico que se expande, cresce e se movimenta, sem a contrapartida da melhoria das condições de vida da sociedade em que está inserido.

Trata-se, portanto, de dar início a uma nova empreitada de reestruturação das bases sociais deste País, fazendo com que os resultados do crescimento econômico não sirvam apenas para alimentar um processo produtivo injusto e concentrador, mas que realmente promovam a urgente e inadiável democratização das riquezas, restabelecendo a justiça e a dignidade para o povo brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2003 - Página 9276