Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de ação efetiva contra o déficit habitacional e a favor da recuperação das estradas. Defesa de campanha pela formalização do trabalho das empregadas domésticas.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Necessidade de ação efetiva contra o déficit habitacional e a favor da recuperação das estradas. Defesa de campanha pela formalização do trabalho das empregadas domésticas.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2003 - Página 11749
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, APOIO, DISCURSO, EDISON LOBÃO, ANTONIO CARLOS VALADARES, SENADOR, REFERENCIA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, RODOVIA, BRASIL, DIFICULDADE, AQUISIÇÃO, HABITAÇÃO POPULAR, DEFESA, UNIÃO, SOCIEDADE, CONGRESSISTA, BUSCA, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • ANALISE, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SITUAÇÃO, EMPREGADO DOMESTICO, REGISTRO, EXISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, TRABALHO, DIFICULDADE, ASSINATURA, CARTEIRA DE TRABALHO, ACESSO, DIREITOS, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, ESPECIFICAÇÃO, SALARIO MINIMO, LICENÇA-MATERNIDADE, DECIMO TERCEIRO SALARIO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, ELABORAÇÃO, CAMPANHA, FACILITAÇÃO, ACESSO, EMPREGADO DOMESTICO, INFORMAÇÕES, REFERENCIA, DIREITOS, PREVISÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, SOLICITAÇÃO, SENADO, EMPENHO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de abordar o tema propriamente dito, eu gostaria de me reportar a alguns pronunciamentos feitos hoje nesta Casa.

O Senador Edison Lobão, num pronunciamento muito feliz, mostrou a sua preocupação em relação às nossas estradas; e, mais proximamente, o Senador Antônio Carlos Valadares falava sobre o nosso déficit habitacional.

Srªs e Srs. Senadores, sabem V. Exªs que o nosso País é imenso. As dificuldades que temos vivido são, de certa forma, traduzidas, porque somos os representantes legítimos da sociedade, desde este púlpito, aqui do Senado, e das Câmaras Legislativas, por meio de números e de índices que demonstram que temos que ter uma ação efetiva e rápida em relação aos problemas que o País atravessa. Quando falamos em déficit habitacional, não imaginamos a quantidade de pessoas que vivem à margem da cidadania. A verdadeira cidadania está no momento em que a pessoa ganha uma chave, abre uma porta e entra em um espaço só seu, inviolável e garantido por lei.

No que diz respeito à situação caótica de nossas estradas, trata-se de um problema sério, capaz de, às vezes, reduzir até o crescimento do País. Quanta coisa, Senador Garibaldi Alves Filho, se perde ao se fazer o transporte da produção de alimentos, que tem aumentado significativamente no País! Chego à conclusão, Srªs e Srs. Senadores, de que, se não houver uma determinação política, secundada por uma ação política muito forte, passaremos, apesar de todas as reformas que precisam e deverão ser votadas, por dificuldades muito grandes.

Se não assumirmos - administradores, legisladores e sociedade organizada - um papel diferenciado dentro da sociedade em que vivemos, continuaremos a viver em dificuldades. O que estou dizendo é que temos que nos juntar. Temos que transformar este País, Sr. Presidente, num grande mutirão de solidariedade.

O Programa Fome Zero é um programa emergencial que precisa ser levado a cabo imediatamente. Qualquer tropeço, qualquer ação que impeça seu andamento, qualquer embaraço na sua concretização deve ser sanado.

Temos que acreditar em nosso povo, em nossa força de trabalho, em nosso País. Temos que acreditar que podemos construir uma Nação diferenciada. Que este símbolo que aqui está - a Bandeira Nacional, que todos reverenciamos - seja realmente o símbolo desta Pátria que levamos no coração e que queremos ver crescer e se transformar. Temos que dar um basta nas favelas, no desemprego! Temos que nos juntar, realmente, para construir ou reconstruir esta sociedade, esta Nação que merece o nosso respeito e o nosso amor.

Esse foi o primeiro momento do meu pronunciamento.

Passo agora ao segundo tema.

No momento em que tanto o Executivo quanto o Parlamento brasileiro se ocupam das reformas fiscal e da Previdência, numa tentativa de melhorar os rumos da Nação, é importante que observemos o comportamento do mercado informal de trabalho. A grande proporção de trabalhadores na informalidade é, certamente, um sério desajuste social que contribui não apenas para o rombo no orçamento da Previdência como também para a má qualidade de vida de milhões de brasileiros.

Na última terça-feira, trouxe para este Plenário modesta contribuição, que se tornou ainda mais modesta devido à escassez de tempo, que me obrigou a reduzir minha participação a uns poucos minutos. Por isso, peço a compreensão do nosso Presidente, dos nossos companheiros Senadores e Senadoras, porque será necessário voltar ao assunto, mesmo repetindo algumas considerações, para que eu possa reproduzir por inteiro a reflexão a que me propus. Trata-se de um nicho de mercado em que mais de quatro milhões de trabalhadores vivem na informalidade. Volto, novamente, às cifras, às pesquisas, aos índices aos quais me referi.

No início deste mês, a prestigiada economista Maria da Conceição Tavares, convidada pelo Ministro Jacques Wagner para falar sobre a criação de novos postos de trabalho, declarou a um grupo de jornalistas que “um país em que 21% do total de empregos são de domésticas não está nada bem”.

Confesso que o número me surpreendeu. Apesar do meu interesse por tudo que tem a ver com a vida da mulher trabalhadora, não imaginava que o trabalho das empregadas domésticas fosse tão relevante também em termos quantitativos, a ponto de representar mais de 20% da força de trabalho empregada no Brasil.

E fiquei pensando: a professora Maria da Conceição está acertada em seu diagnóstico. Se não fosse pelas outras razões que estamos cansados de conhecer, bastaria esse percentual para mostrar que, realmente, o País não vai bem. E pior ainda estão as empregadas domésticas, que, para a professora, são um símbolo da situação. Falo em empregadas, quando, na verdade, deveria dizer “empregados”, uma vez que os serviços domésticos não ocupam apenas as mulheres.

Mas é irrelevante o número de homens ocupados com as tarefas domésticas clássicas, como limpar e arrumar a casa, cozinhar, lavar e passar roupa, cuidar de crianças. A maioria dos homens empregados domésticos trabalha como jardineiros, motoristas, caseiros. Dos cerca de seis milhões de trabalhadores domésticos, mais de 5,5 milhões são mulheres e apenas 400 mil são homens.

Também aqui, podemos constatar a discriminação: mesmo no serviço doméstico, os homens ganham mais do que as mulheres. Porque as tarefas do caseiro, do motorista, do jardineiro são vistas como profissão, e, por isso, melhor remuneradas. Cuidar de criança, fazer a comida, limpar a casa, lavar e passar a roupa são ocupações tradicionais do universo feminino, “coisa de mulher”, que não tem muito valor. Dirigir um carro, por exemplo, é visto como trabalho de muito mais responsabilidade do que “pilotar um fogão”...

A desconsideração com o trabalho da doméstica faz parte da discriminação contra a mulher. Srªs e Srs. Senadores, senhores que estão aqui nos visitando hoje - vejo uma platéia extraordinária de pessoas que, com a sua presença, nos brindam e nos motivam a falar - quanto conhecimento acumulado é necessário para imaginar e cozinhar uma boa refeição, por exemplo. Imaginem, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que aqui estão, vamos fantasiar. Imaginem se, por um dia só, no Brasil, parasse a força de trabalho das empregadas domésticas, das donas-de-casa? Imaginem se elas resolvessem, de repente - todas as categorias de repente não param, cruzam os braços e resolvem reivindicar melhores condições de trabalho? - cruzar os braços, dizendo: hoje, não faremos o almoço; hoje, não levaremos as crianças à escola; hoje, as roupas não serão lavadas; enfim, estamos em greve. O que não aconteceria neste País? Que tumulto não haveria nas escolas e na vida normal deste País? Penso que haveria uma revolução. Não estou pregando respeito disso, estou apenas colocando uma situação.

À procura de mais informações que melhor me situassem no contexto profissional do trabalho doméstico, encontro uma pequena notícia no site do IBGE, a de que, no Brasil todo, 160 empregadas - 160, prestem atenção no número - já haviam solicitado o auxílio-maternidade via Internet. Posso imaginar um pequeno grupo de patroas de bom coração ajudando as suas colaboradoras a alcançarem com mais facilidade o benefício da previdência. E me comovo com o número: 160 mulheres, num universo de 5,5 milhões! O fato virou notícia, com justa razão, porque ninguém imagina uma empregada doméstica usufruindo tais modernidades.

Se o trabalho doméstico é difícil, exigente, exaustivo, o retorno para essas trabalhadoras é minguado. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD informa que, no Brasil, pouco mais de 25% dessas mulheres trabalham com carteira assinada; os outros 74,9% vivem à margem dos direitos trabalhistas e dos benefícios da previdência.

Na minha Região, o Centro-Oeste, são 83,1% as empregadas que trabalham sem registro em carteira. E, em todo o Brasil, 5% das trabalhadoras domésticas não contam com direitos básicos, como salário mínimo, descanso semanal e décimo terceiro salário, conforme pesquisa recente feita pela M&M Assessoria Contábil, segundo a qual 14% dessas trabalhadoras não têm nenhuma escolaridade, o que equivale a dizer que também não têm a menor oportunidade de se informar sobre os seus direitos.

Na condição de mulher de classe média que, para trabalhar e criar os filhos sempre contou com a colaboração preciosa da empregada doméstica, quero clamar contra essa injustiça, revivência do trabalho escravo na moderna sociedade brasileira.

No Brasil, aqueles que pouco usufruem os direitos da cidadania, têm, em geral, muitos deveres. E é isso mesmo que está acontecendo com os trabalhadores brasileiros que recebem os mais baixos salários, entre eles, com destaque, os empregados domésticos. Basta comparar: quem ganha até R$480 por mês, desembolsa 24,25% - quase um quarto do salário -, pagando imposto sobre consumo; quem recebe acima de 12 mil reais, compromete apenas 17% dos seus rendimentos com o mesmo imposto. Tem razão a economista Maria da Conceição Tavares: este País não vai bem.

Mas será que podemos chamar de “consumidor” aquele que vive do salário mínimo? Talvez a palavra mais adequada seja “sobrevivente”.

E é em nome desses milhões de trabalhadores que conclamo todos os meus colegas empenhados com a reforma tributária a fazer valer a justiça fiscal. Vamos distribuir melhor a renda, distribuindo melhor os impostos, especialmente o imposto sobre o consumo, que pesa mais para quem tem menos. É preciso desonerar a cesta básica, para que o salário dos mais pobres lhes garanta, no mínimo, uma boa alimentação e a melhor educação possível para os seus filhos.

No caso dos serviços domésticos, de difícil fiscalização, é preciso que se façam campanhas educativas, para que os que podem contar com a empregada doméstica passem a assinar suas carteiras de trabalho, garantindo-lhes os direitos trabalhistas e uma aposentadoria para lhes assegurar uma velhice tranqüila.

O trabalho com carteira assinada vai melhorar não apenas a vida das empregadas domésticas. Vai melhorar também os cofres da Previdência, porque os trabalhadores informais utilizam os serviços públicos de saúde, sem que contribuam para isso. Na medida em que incorporarmos esses milhões de empregados domésticos à Previdência Social, mais recursos terá o SUS para bem atender à população.

Muito poucos são aqueles que, entre nós, não contaram, na infância, com o carinho de uma babá dedicada, ou com as delícias feitas, com amor e suor, pelas nossas cozinheiras. É hora de retribuir tudo que recebemos. É hora de incentivar, junto aos nossos Governadores e Prefeitos, a criação de cursos profissionalizantes para trabalhadoras domésticas, não apenas para melhorar o seu desempenho, mas, principalmente, para aumentar o nível de informação dessas trabalhadoras, para que possam, por meio das associações profissionais, lutar pelos seus direitos.

Toda vez em que escolho um assunto e me preparo para falar desta tribuna, penso muito na utilidade daquilo que vou dizer. Hoje, mais do que isso, emocionei-me ao reviver a longa caminhada que me trouxe ao Senado, e o quanto devo a todas as Marias que cuidaram da minha casa e também dos meus filhos, enquanto me dedicava à luta política.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2003 - Página 11749