Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Tradição brasileira no cultivo aos princípios da autodeterminação dos povos, da soberania das nações e da solução pacífica de controvérsias internacionais. Defesa da participação do Brasil na reconstrução do Iraque.

Autor
Luiz Otavio (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Tradição brasileira no cultivo aos princípios da autodeterminação dos povos, da soberania das nações e da solução pacífica de controvérsias internacionais. Defesa da participação do Brasil na reconstrução do Iraque.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2003 - Página 18008
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DIPLOMACIA, BRASIL, EVOLUÇÃO, POLITICA EXTERNA, RESPEITO, SOBERANIA, PAZ, DIREITO INTERNACIONAL, ELOGIO, MISSÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SERGIO VIEIRA DE MELLO, EMBAIXADOR, RECONSTRUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • REGISTRO, OPOSIÇÃO, BRASIL, DECISÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRÃ-BRETANHA, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, DEFESA, EXCLUSIVIDADE, COMPETENCIA, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, POSTERIORIDADE, GUERRA, REPUDIO, POPULAÇÃO, OCUPAÇÃO, TROPA, EXERCITO ESTRANGEIRO, IMPORTANCIA, NOMEAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SERGIO VIEIRA DE MELLO, EMBAIXADOR, MISSÃO, RECONSTRUÇÃO, INDEPENDENCIA, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • SUGESTÃO, NEGOCIAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ITAMARATI (MRE), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PARTICIPAÇÃO, BRASIL, RECONSTRUÇÃO, INFRAESTRUTURA, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, ESPECIFICAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, TROCA, PETROLEO, MERCADORIA, SERVIÇO.

IRAQUE - PÓS-GUERRA

O SR. LUIZ OTÁVIO (PMDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a política externa brasileira possui uma longa e arraigada tradição de cultivo aos princípios da autodeterminação dos povos, da soberania das nações e da solução pacífica de controvérsias. Faz já muito tempo que nossa diplomacia amadureceu e conquistou o respeito da comunidade internacional, pelo seu apego a esses princípios e pelo reconhecimento do multilateralismo como princípio ordenador da convivência entre os Estados.

Em nosso relacionamento com os outros países, nunca fomos tentados pelo argumento do poder, mas sempre pelo poder do argumento. Desde as primeiras conferências internacionais do século XX, temos afirmado nosso compromisso com a busca de soluções negociadas sob o manto legitimador de instituições multilaterais. Para o Brasil, o uso da força no plano internacional somente pode ser admitido se esgotadas todas as alternativas de solução diplomática. E, mesmo nesse caso, a força somente poderá ser exercida em conformidade com os preceitos estatuídos na Carta das Nações Unidas e de modo consistente com as deliberações do Conselho de Segurança dessa organização.

Foi com base em sua firme convicção quanto ao direito dos povos a exercerem sua autodeterminação que o Brasil foi, por exemplo, um dos primeiros países a reconhecer a criação do Estado de Israel. Aliás, vale lembrar que a constituição de Israel em Estado soberano, em 1947, por decisão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, ocorreu quando esse órgão se encontrava sob a presidência do delegado brasileiro, embaixador Oswaldo Aranha, o qual muito se empenhou em favor da decisão aprovada.

E é estribado no mesmo princípio que o Brasil tem insistido, nos foros internacionais, para que sejam tomadas medidas concretas com vistas à criação de um Estado Palestino que seja democrático, unido e economicamente viável. Como afirmou nosso representante permanente junto à Organização das Nações Unidas, em discurso proferido durante sessão aberta do Conselho de Segurança sobre a situação na Palestina, pouco mais de um ano atrás,

“O direito do povo palestino à autodeterminação e o respeito à existência de Israel como um Estado independente e seguro são aspectos essenciais para a construção, no Oriente Médio, de um futuro de paz. Essa é uma dívida moral das Nações Unidas. Constitui tarefa que não deve ser adiada”.

São posições sempre equilibradas como essas, de reconhecimento às instituições multilaterais e de acatamento ao direito internacional, que têm propiciado à diplomacia e aos diplomatas brasileiros o apreço e a confiança da comunidade das nações. Exemplo expressivo dessa confiança foi a atribuição ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello da dificílima missão de representar o Secretário Geral da ONU no Timor-Leste, dirigindo o futuro país até sua independência, em 20 de maio de 2002. Após desincumbir-se com notável habilidade e competência dessa delicada tarefa, nosso conterrâneo foi guindado ao posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, nomeação que representa grande honra para todos os brasileiros.

Sr. Presidente, coerente com as posições que tem historicamente defendido em sua política externa, o Brasil colocou-se francamente contrário à guerra recentemente promovida pela coalizão anglo-americana contra o Iraque. Ao longo de toda a crise, sustentamos a competência exclusiva do Conselho de Segurança da ONU para decidir as medidas necessárias para assegurar o pleno cumprimento das resoluções pertinentes àquele país.

Sintonizado com o sentimento de todo o povo brasileiro, o Presidente Lula manifestou-se claramente contra a solução bélica do problema, convicto de que um mundo em que o recurso à força deixe de se fundamentar exclusivamente em regras multilaterais será intrinsecamente instável e estruturalmente inseguro.

Hoje, só nos cabe lamentar que não se tenha perseverado na busca de uma solução pacífica. Baldados os apelos e os esforços de muitos países que, tal como o Brasil, insistiam em que se esgotassem todas as alternativas de solução diplomática, a guerra foi deflagrada. Em poucas semanas, o regime iraquiano foi deposto e, neste momento, as forças de ocupação não enfrentam senão uma resistência muito débil, fragmentada e desarticulada, que se manifesta, principalmente, na forma de atentados contra soldados seus que se encontrem em situação de vulnerabilidade.

A deposição do Governo de Saddam Hussein e a constituição de uma administração provisória sob responsabilidade das potências invasoras já motivou, inclusive, a aprovação de resolução da ONU revogando o bloqueio que, durante mais de uma década, isolou o Iraque do fluxo do comércio mundial. É evidente, contudo, que a presença de tropas estrangeiras em solo pátrio não é bem tolerada pela população iraquiana, cujo acendrado sentimento nacionalista é bem conhecido de todos que já visitaram aquele país. Avolumam-se, assim, a cada dia, as manifestações populares de repúdio à ocupação e às medidas adotadas pelos administradores provisórios.

Os Governos norte-americano e britânico não estão, obviamente, cegos a essa realidade. Sabem que não podem prolongar indefinidamente sua violação ao direito do povo iraquiano à autodeterminação. Estão também conscientes de que, na vigência da situação de anormalidade, a participação da ONU na reorganização institucional do país é requisito mínimo de legitimidade do processo. Por isso mesmo, acataram a parte do texto da nova resolução que declara, expressamente, que a ONU trabalhará “intensamente com os Estados Unidos, a Inglaterra e o povo iraquiano na formação de um governo iraquiano independente”.

Para realizar esse trabalho, as Nações Unidas convocaram, mais uma vez, nosso conterrâneo Sérgio Vieira de Mello, desta feita nomeado representante especial da entidade no Iraque. Trata-se de mais um ato que vem prestigiar a firme adesão brasileira aos mais salutares princípios do Direito Internacional, bem como a notória habilidade de nossa diplomacia. Absolutamente fiel a esses princípios, Sérgio Vieira de Mello afirmou, em sua primeira declaração ao chegar ao Iraque, que o país deve ser governado pelos próprios iraquianos o mais rápido possível.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, removido o governo anterior e encerradas as hostilidades, existe, hoje, uma nova situação no Iraque. É em face dessa nova situação que vimos a esta tribuna sugerir ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que inicie articulações junto à ONU e, também, diretamente com os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, no sentido de que o Brasil participe da reconstrução do Iraque.

Evidentemente, não descuraremos de nossa participação na ajuda humanitária, que todos os países membros das Nações Unidas devem prestar à sofrida população iraquiana. Mas, independentemente disso, dispomos de argumentos muito concretos e consistentes para pleitear participação nos trabalhos de reconstrução da infra-estrutura e da economia iraquianas.

O Brasil é o único país da América Latina com histórico de relações bilaterais especiais com o Iraque. Foi dos maiores parceiros do Iraque na década de 80, comprando petróleo e pagando com produtos e serviços. Para financiar o intercâmbio, chegou a ser fundado, em 1981, um banco, tendo como sócios em partes iguais o Banco do Brasil e o Raffidain Bank, o banco estatal do Iraque. A fundação foi solenemente comemorada em Bagdá, com um jantar entre o então Ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e o então Presidente iraquiano Saddam Hussein. O Banco Brasileiro Iraquiano S.A. existe até hoje e opera na cidade do Rio de Janeiro, dirigido por funcionários do Banco do Brasil.

Naquela década, o Brasil foi o maior fornecedor de serviços de edificação de obras públicas no Iraque. Grandes empreiteiras nacionais, como a Mendes Júnior, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht, construíram lá inúmeras grandes obras. A Mendes Júnior chegou a empregar 30 mil pessoas no Oriente Médio. A empresa executou três grandes obras no Iraque: a ferrovia Bagdá-Akashat, um trecho da rodovia Expressway e o projeto Sifão, que bombeava a água dos rios Tigre e Eufrates para a irrigação. Esses contratos, pelos valores da época, foram de 3 bilhões de dólares. Hoje, seriam próximos a 10 bilhões de dólares. Todos esses projetos de engenharia contribuíam, naquela época, para reduzir o déficit comercial do Brasil.

Com o apoio do Itamaraty, a Volkswagen conseguiu fechar o maior contrato de exportação já firmado por uma montadora brasileira. Apenas do modelo Passat, foram vendidas mais de 100 mil unidades aos iraquianos. A Sadia, que hoje exporta cerca de 150 milhões de dólares anuais para o Oriente Médio, também começou a desenvolver esse mercado atuando no Iraque. Na exploração do petróleo, coube à Petrobrás descobrir a maior reserva do Iraque, o campo de Majnoon, no norte do País. A Embraer forneceu oitenta unidades do avião Tucano, monomotor destinado ao treinamento militar de pilotos, para a Força Aérea Iraquiana.

A partir de 1990, as relações comerciais entre os dois países foram drasticamente reduzidas, quando o Brasil, atendendo às resoluções das Nações Unidas, aderiu ao embargo econômico contra o Iraque. Porém, aos poucos, as exportações brasileiras começaram a ser retomadas. No ano passado, a Massey Fergusson exportou 350 tratores e 100 colheitadeiras. Tudo de acordo com as regras da ONU, por meio do programa “Petróleo por Alimentos”, no âmbito do qual as receitas do petróleo iraquiano só podem ser utilizadas para a compra de produtos ligados à alimentação do seu povo. Mesmo respeitando essa restrição, o Brasil foi, na fase do embargo, um dos maiores compradores de petróleo iraquiano.

Afora o passado de intenso relacionamento comercial, quando o fluxo de mercadorias entre os dois países chegou a 4 bilhões de dólares ao ano, outros motivos aproximam Brasil e Iraque. Afinal, o Brasil tem a maior população com sangue árabe do mundo fora do Oriente Médio, cerca de 16 milhões de brasileiros, ou um em cada dez. Parlamentares que visitaram o Iraque nos últimos anos afirmam que o Brasil, por várias razões, inclusive o futebol, é muito bem-visto no país. Mais do que isso, afirmam que a presença do Brasil no Iraque é muito forte, podendo ser percebida nos carros brasileiros para lá exportados - que, em sua maioria, ainda circulam nas ruas das principais cidades -, nos equipamentos, na própria referência que a população iraquiana tem dos produtos brasileiros, inclusive dos produtos alimentares.

Aliás, a vasta frota de automóveis brasileiros em circulação no Iraque cria um enorme mercado para a venda de autopeças. Em função do longo período do embargo, esses veículos encontram-se hoje em precário estado de conservação, precisando urgentemente de peças de reposição. Com efeito, o mercado iraquiano tem um potencial inestimável para alguns dos principais produtos da nossa pauta de exportações. O país importa tudo o que exportamos. No passado, vendíamos grandes quantidades de óleo vegetal, café, açúcar.

Por todos esses motivos, negociadores brasileiros que participaram da reconstrução do Iraque em guerras passadas afirmam que há possibilidades concretas de o Brasil, mais uma vez, participar do esforço de reconstrução. Obviamente, o País precisará preparar-se para isso. O processo é basicamente político e diplomático. Nos anos 80, a parceria brasileira com o Iraque foi operada pelo Governo brasileiro. Terá que sê-lo novamente agora. Um programa que ofereça serviços e mercadorias brasileiras em troca de petróleo iraquiano tem lógica e será vendável, com a condição de que o Brasil, desde já, inicie o esforço para colocar-se nesse mercado.

Sr. Presidente, como vimos, grandes empreiteiras brasileiras participaram de inúmeros e importantes projetos de construção no Iraque, uma fase na qual centenas de brasileiros trabalharam e até residiram por longos períodos naquele país. Nossos exportadores têm experiência no fornecimento de mercadorias que satisfazem as preferências dos iraquianos. Os dois povos nutrem sentimento de simpatia recíproca e já possuem alguma experiência em trabalhar lado a lado. Abundam, como se pode ver, as condições para que participemos dos trabalhos de reconstrução naquele país. Evidentemente, essa participação trará grandes benefícios para o Brasil.

Trata-se, portanto, de uma missão para a qual o Presidente Lula deve orientar o Itamaraty, determinando que a ela seja concedida a devida prioridade. De minha parte, na condição de membro titular da Comissão de Relações Exteriores desta Casa, tenho certeza de que o Senado Federal muito poderá ajudar na conquista desse importante espaço econômico para o País, negociando junto à Organização das Nações Unidas, bem como junto aos parlamentares dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, para que o Brasil não fique de fora dos trabalhos de reconstrução do Iraque.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2003 - Página 18008