Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao artigo intitulado "O cabo-de-guerra", de autoria do professor Gaudêncio Torquato, publicado no Jornal do Brasil, edição de 4 do corrente mês.

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários ao artigo intitulado "O cabo-de-guerra", de autoria do professor Gaudêncio Torquato, publicado no Jornal do Brasil, edição de 4 do corrente mês.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2003 - Página 22242
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, INEXISTENCIA, DEFINIÇÃO, PLANO DE GOVERNO, INCAPACIDADE, PROMOÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB / PE. Sem acompanhamento taquigráfico) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,venho neste momento a esta tribuna para comentar o artigo intitulado “O cabo-de-guerra”, de autoria do Professor Gaudêncio Torquato, consultor político, publicado no jornal do Brasil no dia 04 de Agosto do corrente.

O artigo é de extrema atualidade pelo que, segundo entendo, sua inserção nos anais do senado é oportuna e serve, inclusive, para alertar o presidente Lula sobre a falta de um objetivo específico de governo em conseqüência da inexistência de um plano político. Além do mais, ressalta que o governo não possui uma coluna vertebral ou eixo central que o sustente, sendo impossível, por conseguinte, promover o utópico espetáculo do crescimento que proclama.

O texto que passo a ler, para que fique integrando este pronunciamento, é o seguinte:

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR SÉRGIO GUERRA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            O cabo-de-guerra

Gaudêncio Torquato

Consultor político

         Depois de sete meses, o governo vai assumindo a forma de um cabo-de-guerra, ora pendendo para a direita, com os solavancos provocados pelos guerreiros comandados pelo general macroeconômico Antônio Palocci, ora caindo pela esquerda, puxado pelos trancos de guerrilheiros, dentre eles os Sem-Terra, liderados pelo capitão João Pedro Stédile, os Sem-Teto, abrigados sob o comando de sargentos e cabos ainda sem nomes definidos, e os Com Voz e Vontade, sob a batuta da heroína Heloísa Helena. Há, ainda, o grupo dos Pragmáticos, que puxa a corda para todos os lados, inspirado nas circunstâncias e sob pressão de grupamentos corporativos. As forças contrárias, mesmo conseguindo arrastar o governo, por algum tempo, para as suas bandas, acabam deixando estático o cabo-de-guerra, o que resulta num resultado de soma zero.

         A melhor expressão do governo é dada pelo posicionamento ambíguo do próprio presidente. Luiz Inácio dá uma no cravo e outra na ferradura, incrimina e recrimina, defende e acusa, informa e explica, oferece a mão esquerda para lutadores da direita e o antebraço direito para contendores da esquerda. Há dias, garantiu que o comandante-em-chefe dos Sem-Terra não disse o que disse, apesar de sua voz ter sido gravada conclamando 23 milhões de trabalhadores rurais a lutar contra 27 mil fazendeiros que possuem propriedades acima de 4 mil hectares. Ou seja, a manifestação presidencial em defesa de Stédile soou como resposta ingênua àquela pegadinha que as crianças conhecem: “Qual é a cor do cavalo branco de Napoleão?” Resposta de Lula: “Verde”.

         Da mesma boca, saiu outra sentença, desta feita muito lúcida, garantindo que “reformas mexem muito com a nossa comodidade. É melhor ficar tudo como está, para que mudar?” A ironia do presidente, uma dura crítica àqueles que se opõem às reformas, é a repetição de axioma maquiavélico: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem.” Entre a quadratura de manifestações nem sempre ditadas pelo bom senso e o círculo de afirmações categóricas, regidas pelo sentido da responsabilidade inerente ao cargo de mandatário-mor do país, gira o palavrório do governo. A sensação final é a de que falta coluna vertebral, eixo central, no corpo paquidérmico de uma administração que procura sair de um túnel sem fim, e, pior, escuro.

         A locomotiva tem pressa para sair da estação, mas o óleo do governo é escasso e dá apenas para tocar o movimento lento de uma velha Maria-Fumaça. A estagnação dos setores industriais; a massa de desempregados, que se adensa, a partir das metrópoles; o refluxo na área dos serviços, com indicações de que consultórios médicos particulares estão perdendo até 50% da clientela; a tensão crescente no campo e, agora, nas grandes cidades, com os Sem-Terra e Sem-Teto avolumando as ações de ocupação e mobilização; a confusão que se estabeleceu em torno das reformas previdenciária e tributária, a ponto de não mais se saber o que é prioritário e secundário; a expansão da criminalidade, a partir do aumento dos roubos; e, no plano mais alto, os primeiros sinais de que a confiança internacional no Brasil começa a se esgarçar, por força da constatação de que as dificuldades e obstáculos que se apresentam à administração federal, são maiores do que as primeiras previsões - formam um contencioso que já começa a furar o balão de confiança no governo e a minar as bases do carisma de Lula.

         O escudo macroeconômico de proteção à estabilidade, brandido pelo ministro Palocci, é feito com um frio aço que, imaginava-se, seria imune à corrosão das intempéries. Jogaria o país no oceano da confiabilidade internacional, e, como conseqüência, inundaria o território com volumosos investimentos. Ora, o que se começa a perceber é que a temperatura ambiental, de tão alta, está corroendo os até então impermeáveis tanques da economia, a ponto de começar a afugentar os capitais especulativos. Ou seja, a rigidez da política macroeconômica está criando um bumerangue. A estrutura social do país está fragmentada. O grito das periferias desorganizadas junta-se ao clamor dos segmentos organizados. As classes médias abrem uma locução de insatisfação, cujo eco se expande circularmente até as margens mais afastadas.

         O governo até procurou se prevenir contra as manifestações sociais, quando formou os abrigos de envolvimento e participação da sociedade. A estratégia tem se tornado ineficaz. As reuniões dos Conselhos ocorrem. Mas o governo não faz o que se diz. Torna-se evidente uma reversão de expectativas, que a melhor explicação de Tarso Genro, o ministro encarregado de administrar a algaravia, não consegue justificar. Por isso tudo, o que de melhor poderá ocorrer, nas próximas semanas, é a aprovação da reforma da Previdência, mesmo com os buracos abertos em sua estrutura. Seria uma pausa para o refresco, antes de outro corpo muito debilitado, a reforma tributária, ingressar na UTI.

          
Gaudêncio Torquato (gautorq@gtmarketing.com.br) é professor da USP


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2003 - Página 22242