Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre a inadimplência do Rio de Janeiro junto ao Governo Federal. Defesa da aprovação de projeto de sua autoria, no sentido de que nenhum estado da federação receba menos de 5% dos recursos arrecadados e transferidos para a União.

Autor
Marcelo Crivella (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA.:
  • Análise sobre a inadimplência do Rio de Janeiro junto ao Governo Federal. Defesa da aprovação de projeto de sua autoria, no sentido de que nenhum estado da federação receba menos de 5% dos recursos arrecadados e transferidos para a União.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2003 - Página 28435
Assunto
Outros > ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, ARRECADAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DESTINAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, CRITICA, AUSENCIA, PROPORCIONALIDADE, VERBA, RETORNO, GOVERNO ESTADUAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REJEIÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ALEGAÇÕES, INADIMPLENCIA, GOVERNO ESTADUAL, EFEITO, AUSENCIA, VERBA, PAGAMENTO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, AGRAVAÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, GARANTIA, ESTADOS, PERCENTAGEM, ARRECADAÇÃO, TRANSFERENCIA, UNIÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, PREVISÃO, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, POSTERIORIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, APREENSÃO, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO, PREJUIZO, MEIO AMBIENTE, ESPECIFICAÇÃO, FORNECIMENTO, AGUA.
  • SOLICITAÇÃO, SOLIDARIEDADE, SENADOR, SITUAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PEDIDO, SECRETARIO, RECEITA FEDERAL, LIBERAÇÃO, VERBA, PAGAMENTO, SALARIO, SERVIDOR.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei um breve pronunciamento e começarei por uma fábula muito curiosa que fala sobre uma época em que a caça se tornou escassa e o rei leão começou a ter muita fome.

A raposa se aproximou do ministro, que era a hiena e disse: “ - Olha, o rei está nos olhando com um olhar guloso. Daqui a pouco ele vai nos atacar, porque a fome é negra! Então, acho que devíamos levar o rei para um vale que eu conheço onde existe uma caça abundante, para que ele possa satisfazer o seu apetite real.”

Andaram três dias e chegaram a um vale com muita comida, com muita caça. O rei virou-se para a hiena, que era ministro, e disse: “- Hiena, você sabe matemática? Você é versado em aritmética? Sabe dividir três por três. A hiena disse: “- Acho que sei, excelência. Tem ali uma zebra que vai caber ao rei, porque é o maior de nós todos, é o soberano e deve comer a maior caça. A raposa, que generosamente nos conduziu a este vale de abundância, deve ficar com o leitãozinho e eu, humilde servidor, satisfaço-me com aquele coelho”.

O rei deu uma patada na hiena, lançou-a contra uma árvore, e ela caiu morta: “- Ministro infiel! Não sabe nada de matemática! Pensei que conhecesse, mas não sabe nada. Raposa, você conhece matemática, sabe dividir três por três?” Ela respondeu: “- Acho que sei: a zebra fica para o rei; mas, é uma carne dura, alimenta, mas não satisfaz. O rei, em seguida, deve comer o leitão, que tem uma carne suculenta e macia. E nada melhor, depois de uma refeição como essa, do que a sobremesa, a carne doce do coelho”. E o rei disse: “- Puxa, até que enfim encontrei um ministro que conhece a matemática e sabe dividir três por três”.

Essa é a matemática do rei leão, a matemática gulosa que hoje diz que o meu Estado do Rio de Janeiro é inadimplente. Um Estado que manda todos os anos para Brasília, para o Governo Federal, 40 bilhões, o segundo arrecadador da União, que recebe menos de um de volta! Como pode, Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, um Estado que envia 40 bilhões - foi o que enviou no ano passado e recebeu um de volta - ser chamado de inadimplente!? Só na matemática do rei leão, nessa sanha, nessa gula insaciável, onde os recursos nunca são suficientes!

O meu Estado, no nosso governo, já começou mal, porque no princípio, logo que tomou posse o Presidente Lula, um de seus primeiros atos foi reter recursos repassados ao Rio de Janeiro por conta de pagamentos atrasados da época da Governadora Benedita. De lá para cá, todos os convênios com os Ministérios têm sido contingenciados. Na semana passada, R$40 milhões do Ministério da Justiça destinados para a segurança no nosso Estado não puderam ser repassados por causa dessa tal inadimplência. A segurança é um dos piores problemas do Rio e está todos os dias nas manchetes dos jornais. É injusta e absurda essa matemática do Rei Leão!

Recentemente, municípios do noroeste fluminense que têm IDH mais baixo do que muitos municípios do sertão, também, segundo opinião do Ministro José Dirceu, professor da matemática do Rei Leão, não merecem. Não podemos incluir o noroeste fluminense. São verbas pequenas. São trezentas mil pessoas que moram ali, duzentas e cinqüenta mil pessoas no Vale do Jequitinhonha - é uma gota d’água em comparação aos milhões de pessoas que vivem no sertão e que vão receber, claro, muito mais. Ainda assim, não puderam ser repassados.

A mesma história acontece com a refinaria do norte fluminense e com o 13º do funcionalismo. Hoje é dia de pagamento. Nesta Casa, vamos todos, funcionários e Senadores, receber hoje. Hoje é o dia do nosso pagamento, mas, no Rio de Janeiro, o 13º está atrasado. Não foi pago, apesar de votado e aprovado por unanimidade nesta Casa. O Secretário da Receita, também professor da matemática do Rei Leão, não consegue ver o contexto. Prende-se ao texto frio e acaba postergando um direito, porque a verba que seria usada está depositada num banco como garantia de um empréstimo feito no passado. Só pedimos para trocar essa garantia por royalties do petróleo.

Sr. Presidente, como Senador pelo Rio de Janeiro, Estado sofrido, mas solidário, que sempre estendeu a mão nas grandes questões do Brasil e que sempre foi solidário às boas causas, peço seja instalado, neste País, o Programa Discriminação Zero. É disso que precisamos: Discriminação Zero.

Peço o apoio desta Casa para uma proposição que apresentei, para que nenhum Estado da Federação receba menos que 5% do que arrecada. Isso só acontece ao Estado do Rio de Janeiro. Alguns dizem que, por princípio de equilíbrio federativo, os mais ricos ajudam os mais pobres. Está certo. É verdade, mas São Paulo não faz esse sacrifício. São Paulo recebe quase 10% do que manda para Brasília. O Rio de Janeiro é o único Estado da Federação que, historicamente, recebe menos de 5% do que arrecada.

Ora, que coisa! No ano de 2000, o Rio de Janeiro enviou para Brasília R$30 bilhões e recebeu R$950 milhões de volta. Em 2001, mandou R$40 bilhões e recebeu pouco mais de R$1 bilhão de volta. Para um aumento de arrecadação de R$10 bilhões, recebeu de volta um pouco mais, uma migalha de alguns milhões a mais. Quer dizer, em 2000, 5%; em 2001, 3%. Foi penalizado por ter arrecadado mais. Que coisa injusta, meu Deus! Procuro entender. Gostaria de entender.

Acredito que isso seja ingratidão, Senador. Há uma frase de um ilustre político deste País, do Nordeste, um tal de Senador Mão Santa, do Piauí, que, uma vez, em Parnaíba, disse algo muito profundo, em uma solenidade naquela cidade tão bonita: “A gratidão é a memória do coração, a mãe de todas as virtudes”. Está faltando memória no coração de muitos políticos deste País, memória por tudo o que o meu Estado fez por esta Nação. Agora, no momento em que precisa, é tratado no rigor da lei, no ferro dos preceitos dessa matemática do Rei Leão.

Sr. Presidente, concluo este meu discurso dizendo que estamos para votar a reforma tributária, uma reforma fundamental para o nosso País, que tem sido levado ao extremo sacrifício de fazer crescer a sua economia do agronegócio em seis vezes. É preciso que uma voz se levante neste País para dizer que a nossa agricultura está crescendo em ritmo de aventura. Cada vez que batemos um recorde de 100 milhões de toneladas de grãos, precisamos lembrar que isso gera também bilhões de toneladas de solo erodido. Temos que produzir cada vez mais, por causa de subsídios de países ricos, que fazem com que o preço de nossos produtos sejam irreais, sejam baixos para ter competitividade. Assim, nossos hectares são levados à exaustão; chegamos aos limites da natureza, com plantações irrigadas nos cerrados, nas nossas savanas; invadimos a Amazônia, nossos banhados, com pastoreio predatório; tudo isso em nome da competição.

Desde os primórdios da humanidade até 1950, produzíamos mil quilos de grãos por hectare - desde das plantações do delta do Nilo, na época dos faraós, até agora.

De 1950 para cá, cinqüenta anos, fomos forçados, pelo aumento de população extraordinário que o mundo vive, a aumentar a produção, a buscar os limites da terra, a ter duas safras, a irrigar, a usar grandes quantidades de agrotóxicos e de fertilizantes, e produzir quase três toneladas por hectare. Hoje, um agricultor que não consegue esse número não tem competitividade. Isso, no entanto, deixa um rastro. Alcançar esses limites e forçar a nossa natureza. Considero isso crescimento em ritmo de aventura. A nossa agronomia é um grande negócio. O agrobusiness traz benefícios fantásticos, mas a nossa agricultura cresce em ritmo de aventura. Há de chegar o momento em que o nosso meio ambiente vai mostrar a conta, e vamos ter de pagá-la. Será uma conta amarga.

Sr. Presidente, neste momento em que votamos a reforma tributária, precisamos encontrar caminhos, ser criativos, desonerar a produção, facilitar o consumo. Hoje, no Brasil, um industrial paga juros altíssimos para produzir, mas mais altos são os juros que o povo paga para consumir. É na entrada e na saída desse túnel escuro que nos perdemos. E a reforma tributária precisa dar solução a isso.

Milhões de jovens precisam de emprego, e nada melhor do que o equilíbrio, que está em todas as religiões, em todas as filosofias. A palavra-chave da Bíblia, do Gêneses ao Apocalipse, é o equilíbrio. É buscar fortalecer o fraco e ensinar a generosidade ao forte. É a lição do São Francisco, como costuma dizer o Presidente José Sarney: o rio que nasce em terras ricas e leva suas riquezas para os pobres. Quando falamos de transposição do rio São Francisco, aliás primeiro fortalecimento de sua bacia, com as águas do Tocantins, falamos em dois canais que vão levar 80m³ para o sertão setentrional. Ali, precisamos ver também que essas águas não deverão ser usadas para a irrigação industrial, que é muito predatória e consome muita água.

Hoje, de 100 litros consumidos no Brasil, 70 litros são de irrigação, 20 litros para a indústria e só 10 litros para o consumo humano. Se todos tivessem água abundante, essa matemática estaria certa. Mas, há muita gente passando sede. Não é possível gastar 70 litros, dos 100 litros que consumimos neste País, na irrigação.

Por isso, Sr. Presidente, é preciso lembrar também que o Nordeste brasileiro não é seco como o deserto do Saara ou como o Kalahari na África, na Namíbia. Chove no sertão e chove tanto quanto chove na Europa. O problema da chuva, no semi-árido, é que ela é mal distribuída.

V. Exª sabe que, para se plantar feijão e milho, precisa-se de três águas. Quanto à primeira água, não há problema, não se erra. As pessoas sabem que, nos meses de outubro e novembro, cairá chuva. Pesquisam na Internet, aram a terra, compram a semente e, no dia em que chove, plantam. O problema é a segunda chuva. Aí está a loteria. Quarenta e cinco dias depois, o feijão flora e o milho também. Depois disso, tem que chover em 20 dias, caso contrário, seca toda a plantação. A segunda chuva é a grande loteria da agricultura no sertão. É aí que tem de funcionar a irrigação. Naquele momento em que a chuva não chegou, abrem-se as torneiras e irriga-se a terra. No momento da chuva, os poços estão cheios. É uma plantação inteligente. Não choveu, abre-se a irrigação e garante-se a produção. A terceira água é a água da panela, para se cozinhar o feijão.

Portanto, Sr. Presidente, nós, brasileiros, precisamos tomar as rédeas deste nosso País, para que cada região possa desenvolver seu potencial. A Reforma Tributária será o momento de equacionarmos os dilemas nacionais. Evoluímos de uma fase de capital financeiro escasso para uma fase de capital financeiro abundante. Ao mesmo tempo, regredimos de uma fase de capital natural abundante para outra de capital natural escasso. Essa equação não fecha. Precisamos ter em mente que a Reforma Tributária deverá contemplar essas grandes questões nacionais.

Portanto, deixo aqui meu apelo. Peço a solidariedade dos meus companheiros desta Casa para a situação do meu Estado, o Rio de Janeiro. E peço atenção para a injustiça que se comete, quando se diz que o Rio de Janeiro é inadimplente. Só na matemática do Rei Leão, da ingratidão, da falta da memória do coração e dos problemas que precisamos tratar nesta reforma: a produção, o agrobusiness, a geração de emprego, a exportação.

Sr. Presidente, o problema da nossa exportação não é vender mais, mas vender bem. Não precisamos avançar pela nossa floresta Amazônica para plantar soja. Precisamos vender bem antes de vender muito.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, representando o Estado do Rio de Janeiro, contamos com a solidariedade do Senado Federal e da Presidência da República. Mais uma vez, apelo ao Secretário da Receita Federal que libere o 13º salário dos funcionários públicos do meu Estado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2003 - Página 28435