Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a necessidade de regulação do setor de saneamento básico.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • Alerta para a necessidade de regulação do setor de saneamento básico.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2003 - Página 32922
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • ANALISE, DIFERENÇA, SERVIÇO, SANEAMENTO BASICO, ESPECIFICAÇÃO, CONTA INDIVIDUAL, RELAÇÃO, USUARIO, EMPRESA, SERVIÇOS GERAIS, COLETA, ESGOTO, TRATAMENTO, RESIDUO, RESPONSABILIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, TERCEIRIZAÇÃO, EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, REALIZAÇÃO, TAREFA.
  • REGISTRO, COMPETENCIA, PODER PUBLICO, CRIAÇÃO, NORMAS, FISCALIZAÇÃO, EMPRESA, GARANTIA, QUALIDADE, ATIVIDADE ESSENCIAL.
  • COMENTARIO, OBSOLESCENCIA, PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO (PLANASA), MODELO, GESTÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESGOTO, DIFICULDADE, FISCALIZAÇÃO, CONTROLE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ESCLARECIMENTOS, NECESSIDADE, OBTENÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO, MELHORIA, SANEAMENTO BASICO, POPULAÇÃO, DEFESA, CRIAÇÃO, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, SANEAMENTO, REGULAMENTAÇÃO, EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, ESTATISTICA, FALTA, SERVIÇO, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESGOTO, INFERIORIDADE, CONDIÇÕES SANITARIAS, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, POLITICA NACIONAL, SANEAMENTO BASICO, ANTERIORIDADE, APRECIAÇÃO, PROPOSTA, ANTEPROJETO, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, REALIZAÇÃO, PARCERIA, PODER PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, NECESSIDADE, MELHORIA, EFICIENCIA, APLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ESTABELECIMENTO, NORMAS, FISCALIZAÇÃO.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para alertar o Congresso Nacional e mais particularmente o Poder Executivo da necessidade de se estabelecer um marco regulatório para o setor de saneamento, como pré-requisito à proposta a ser enviada ao Legislativo, constante do anteprojeto de lei das Parcerias Público-Privadas - PPP, elaborado pelo Ministério do Planejamento; tema sobre o qual tomei a iniciativa de convocar o Ministro Guido Mantega para prestar esclarecimentos perante a Comissão de Serviços de Infra-Estrutura, com audiência marcada para o próximo dia 29 de outubro.

A audiência estava marcada para amanhã, Sr. Presidente, mas, atendendo ao pedido do Ministro, foi adiada para quarta-feira, dia 29 de outubro.

O saneamento ambiental envolve um conjunto de ações de diversas naturezas, entre elas alguns serviços de utilidade pública, essenciais para que se assegure um mínimo necessário de qualidade de vida, principalmente das populações aglomeradas em áreas urbanas. Evidentemente, há também necessidades a serem atendidas em termos de saneamento no meio rural, mas a complexidade do serviço é tanto maior quanto mais aglomerada for a população. O último censo mostra que em pouco mais de 100 Municípios, com pouco mais de 200 mil habitantes, dos 5.507 existentes à época, inclusive os Municípios que constituem regiões metropolitanas, vivia mais da metade da população urbana do País, já no ano 2000.

Serviços tais como o abastecimento público de água potável, a coleta e o tratamento de esgotos sanitários, assim como a coleta e o tratamento de resíduos sólidos, juntamente com as estruturas de drenagem, constituem ações de saneamento básico urbano. Os dois primeiros são nitidamente serviços classificados como de tipo individual (prestados a cada indivíduo ou família de indivíduos), enquanto que a gestão dos serviços de tratamento de resíduos sólidos, que, em geral, é tratada em conjunto com a limpeza urbana, é vista como serviço do tipo geral (prestada à coletividade como um todo). Por seu turno, a drenagem urbana, conquanto não se caracterize efetivamente como uma prestação de serviço, constitui também uma ação que atende à coletividade em seu conjunto, ou seja, não se pode mensurar o uso que cada citadino faz dessa infra-estrutura.

Essa tipificação dos serviços, segundo a sua relação com a população usuária, separa aqueles que podem ser remunerados por tarifas pagas pelos usuários diretamente ao prestador do serviço daqueles que têm os seus custos necessariamente cobertos pela arrecadação de impostos e taxas pagos ao Poder Público. Para os primeiros, é possível mensurar o “consumo” de cada família de indivíduos, estabelecendo-se, assim, o valor da conta a ser paga e permitindo identificar, mais claramente, a relação entre o serviço prestado e seu custo. Este tipo de serviço pode ser concedido a terceiros (é o caso dos serviços de água e de esgoto, como também o são os de energia elétrica e telefonia), mediante contrato, para que o concessionário execute a sua prestação, em nome do poder concedente, sob regras estabelecidas e sob controle público. O concessionário presta o serviço ao público e não à administração pública.

Os serviços do tipo geral são prestados pelo Poder Público, diretamente, por meio de entidades da administração indireta ou por meio de contratos de terceirização e têm os seus custos cobertos pela arrecadação de impostos e/ou taxas. Nesse caso, o prestador dos serviços é remunerado pela administração publica e, em geral, a população não tem condições de avaliar o quanto está custando tal serviço. Assim ocorre com a coleta e tratamento de resíduos sólidos, serviço prestado em conjunto com a limpeza urbana.

Por outro lado, a prestação dos serviços de água e de esgotos, mesmo sendo serviço de utilidade pública, caracteriza-se também nitidamente como uma atividade industrial. Com efeito, há um processo industrial de transformação do recurso natural (a água bruta) em um produto que é a água tratada; este produto é transportado até o domicílio do consumidor e vendido por um preço (a tarifa é um preço público). O fornecedor (prestador dos serviços) recebe diretamente do consumidor o pagamento pelo serviço prestado, de acordo com a quantidade consumida.

Segundo Hely Lopes Meirelles, em seu livro Direito Administrativo Brasileiro, serviços desse tipo não são próprios do Estado, devendo ser delegados a terceiros, sob regulamentação e controle do Poder Público concedente.

Quando concede a prestação de um serviço de utilidade pública, o poder concedente não se exime da sua responsabilidade, permanecendo, portanto, com a obrigação de definir as regras e condições segundo as quais o serviço será ofertado à população e, além disto, com o dever de controlar o desempenho do concessionário para assegurar que o serviço será adequado e as tarifas módicas, tal como determinado na legislação pertinente, a todo esse conjunto de atribuições, prevista em legislação específica, convencionou-se chamar de “marco regulatório”. Cabe ao Governo regular preços de acordo com as condições contratuais e estabelecer mecanismos de subsídio que assegurem o acesso universal sempre que essa medida se mostre necessária.

A prestação do serviço continua sendo atribuição pública, mesmo quando o prestador é entidade privada. De fato, o abastecimento público de água e o esgotamento sanitário são serviços públicos essenciais e, portanto, responsabilidade indelegável do poder público. Além disso, tais serviços têm características de monopólio natural, uma vez que carece de sentido econômico a instalação de redes paralelas que permitissem a competição entre dois prestadores. Essa condição de monopólio reforça a exigência da regulação e do controle público sobre o prestador dos serviços, qualquer que seja ele.

O modelo de gestão ainda predominante no País para a prestação de serviços de água e esgotos é o que foi instituído com o Planasa -- Plano Nacional de Saneamento, no início da década de 70, sendo a maior parte dos serviços existentes e ainda administrados por companhias estaduais de saneamento, em geral sociedades de economia mista com controle acionário dos Estados federados e que detêm concessões outorgadas pelos diversos Municípios em todos os Estados.

Concebido em um tempo em que a centralização de poder no nível do Governo Federal era uma das características mais marcantes, tais concessões regem-se por contratos nos quais a capacidade de controle do poder concedente é minimizada. São instrumentos anacrônicos, conquanto muitos ainda estejam em vigor, que não permitem o exercício do controle sobre o prestador de serviços, indispensável para que se cumpra o estabelecido na Carta Magna e na legislação infraconstitucional pertinente.

Não obstante a evidência constatada, já há alguns anos, de que o modelo Planasa (Plano Nacional de Saneamento) está esgotado, não se pode olvidar o fato de que a existência desse plano e de seus mecanismos de financiamento produziu um salto significativo na cobertura, principalmente dos serviços de água na década de 70, com reflexos extremamente positivos no desenvolvimento nacional, em termos da indústria de materiais e equipamentos, assim como da engenharia especializada no campo dos projetos e obras de saneamento. Os investimentos foram financiados predominantemente pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Nos anos mais recentes, além da própria crise de recursos desse fundo, a maior parte das concessionárias não tem demonstrado capacidade de pagamento para se habilitar à captação de novos recursos onerosos e muitas delas transferiram parte da responsabilidade pelo pagamento de débitos anteriores para seus respectivos Estados, fato que sinaliza seu fracasso como empresas.

Estudo recentemente divulgado estima em cerca de R$178 bilhões as necessidades de investimentos para que se possa oferecer a toda a população serviços adequados de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotamento sanitário até o ano 2020. Esse montante de investimentos significaria algo em torno de R$10 bilhões por ano, ou seja, cerca de US$3 bilhões. O fato de, no período do Planasa, no qual se introduziu um salto quantitativo importante, o investimento médio anual ter sido da ordem de US$600 milhões sinaliza o tamanho do desafio a ser enfrentado.

Desafio de tal magnitude requer ampliação da capacidade de captação de recursos e a máxima eficiência na sua aplicação. Ambos os requerimentos reforçam a importância da definição clara de uma política pública de saneamento e da instituição dos sistemas de regulação e controle da atividade de prestação de serviços.

Nesse sentido e de acordo com o que dispõe a Constituição Federal, à União compete definir diretrizes gerais a serem detalhadas no nível dos Estados, principalmente dos Municípios.

Desde o início da década de 90, projetos de lei tramitam neste Congresso Nacional com o objetivo de definir tais diretrizes, sem que se tenha conseguido um mínimo de consenso. O aspecto mais polêmico dos projetos mais recentes - após a Constituição de 1988 - é a questão da titularidade dos serviços que envolvem interesses comuns a mais de um Município. A Constituição é clara quando define a competência da União e dos Municípios, sendo residual a competência executiva dos Estados federados.

No que se refere aos serviços de interesse local, é evidente a responsabilidade dos Municípios, mas a Carta Magna não é igualmente cristalina quando se trata de serviços de interesse comum. A falta de consenso em torno desse aspecto do problema está inviabilizando a definição de outras diretrizes fundamentais, para que se possa ordenar e ampliar a aplicação de recursos financeiros para que se atinja a meta de universalização no tempo mais curto possível.

É evidente que não se pode pensar em atingir tal meta sem mudanças estruturais importantes no modelo de gestão ainda predominante. De fato, mesmo com um nível médio de investimento anual muito mais baixo do que a necessidade atual - praticamente 20% -, os prestadores de serviços não se mostraram capazes de assumir os seus custos totais. É preciso tornar o modelo de gestão mais flexível, para adaptar-se a diferentes realidades sociais, econômicas e geográficas de cada local e privilegiar a eficiência operacional no exercício da atividade de prestação de serviços.

A esse respeito, é importante observar os dados divulgados nos diagnósticos anuais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS, atualmente, sob responsabilidade do Ministério das Cidades, que mostram, em média, perdas de faturamento muito acima do que se poderia considerar razoável.

Segundo especialistas, seria possível reduzir tais perdas e gerar um volume importante de recursos financeiros, pela redução de custos e ampliação de receitas, para um faturamento total anual superior a R$10 bilhões. Uma redução de perda de apenas 10% representaria disponibilizar mais de um bilhão por ano. Em muitos casos, ganhos superiores a esses 10% podem ser obtidos com investimento em desenvolvimento empresarial e operacional que representam um valor relativamente pequeno e têm uma taxa de retorno elevadíssima.

O melhor desempenho empresarial da maioria dos prestadores de serviço facilita a captação dos recursos e empréstimos. Mas, para realizar os investimentos em serviços de água e de esgotos, além desses recursos onerosos a serem pagos pela arrecadação de tarifas, é necessário contar também com recursos dos orçamentos fiscais, aplicados diretamente ou como pagamento de expressos específicos a serem feitos pelos Governos junto às agências internacionais. Uma fonte importante de recurso para o financiamento dos investimentos ainda é o FGTS, mas não é suficiente.

Há menos dificuldades específicas em termos de disponibilidade de água ou de elevação de custos decorrentes de particularidades físicas do sítio onde se vão implantar os sistemas, em princípio. As aglomerações urbanas de porte médio ou grande têm condições de gerar uma arrecadação total que viabiliza a cobertura dos custos operacionais e de investimentos, assim como o acesso de todos aos serviços, por meio de adequados sistemas de subsídios tarifários. É evidente que, para tanto, o desempenho operacional do prestador dos serviços precisa ser eficiente.

Observando-se os dados do Censo Demográfico de 2000, verifica-se que 96 milhões de pessoas - 70% da população urbana do País - vivem em municípios cuja população urbana é superior a 50.000 habitantes. Com os dados do Dimensionamento das Necessidades de Investimento em Abastecimento de Água e Coleta e Tratamento de Esgotos, pode-se concluir que aproximadamente 72% dos investimentos em água e esgotos destinam-se a municípios que tinham, em 2000, uma população de mais de 50.000 habitantes, inclusive as regiões metropolitanas. Esses valores mostram que existe uma elevada probabilidade de que algo como 70% dos investimentos necessários sejam financiáveis com recursos onerosos, desde que os prestadores de serviços sejam eficientes. Ou seja, Sr. Presidente, só teríamos que utilizar recursos a fundo perdido para cerca de 30% dos investimentos, o que é melhor do que o que poderíamos prever no passado.

Considerando-se esses 70% e o prazo de 17 anos entre 2004 a 2020, ter-se-ia uma necessidade anual da ordem de R$7 bilhões, montante que é significativamente superior ao valor que tem sido historicamente disponibilizado no âmbito do FGTS. Portanto, é necessário buscar outras fontes de financiamento, tais como o BNDES e recursos privados, mediante parcerias.

Para que seja possível, às empresas de economia mista, o acesso a recursos de empréstimo, é indispensável que demonstrem ser capazes de manter-se em equilíbrio econômico e financeiro sustentado. Isso não é possível no quadro atual em que, na maior parte dos casos, essas entidades não se portam efetivamente como empresas e não têm incentivo para se desempenharem de forma eficiente. Por outro lado, não se dispõe de mecanismos eficazes de controle externo sobre a sua atuação enquanto delegadas do poder público para a prestação de um serviço à população. A inexistência dessas condições mínimas eleva sobremaneira o risco, inviabilizando os empréstimos.

Ademais, não existem regras claras e estáveis sobre a utilização dos recursos fiscais, resultando, muitas vezes, uma pulverização que implica elevados desperdícios, com gastos significativos e resultados desprezíveis.

De outra parte, regras claras e estáveis são também imprescindíveis para que se possa cogitar da utilização de recursos privados. Sem elas não se encontrará investidor disposto a arcar com riscos mais elevados do que outras opções de investimentos.

Por outro lado, se não existirem mecanismos de controle, não se poderá assegurar a prevalência do interesse coletivo diante do interesse particular do empreendedor privado, que é o lucro, o qual pode ser efetivamente auferido na prestação de tais serviços, mantendo-se um nível tarifário competitivo com outras alternativas de gestão dos serviços.

Ressalta, então, a importância de um tema que se encontra na ordem do dia: as funções de regulação e controle e as competências das agências reguladoras, tão atacadas pelo Governo, mas que ao final deste processo, tenho certeza, terão reconhecidas sua importância e necessidade. Para que se trate deste tema é necessário compreender as diferenças entre as decisões de longo prazo, as de médio e curto prazo, e as relações entre elas.

Com efeito, não deve haver conflito entre as atribuições do poder público na definição das políticas que devem relacionar-se com princípios, metas e diretrizes gerais que se refletem em decisões para o longo prazo, e aquelas que se referem à regulação e ao controle e que tratam mais diretamente das relações diuturnas entre o poder concedente, o prestador de serviços e os usuários.

Para que seja estável, a política deve ser definida em lei que estabeleça os princípios gerais, as diretrizes, os mecanismos de regulação e controle e o seu funcionamento, inclusive a obrigação de informar, de maneira adequada e inteligível, a população usuária sobre o desempenho dos responsáveis pela prestação dos serviços. A regulação e o controle são tarefas de cunho técnico que se pautam pelas definições gerais da política e devem ser atribuídas a equipes de pessoal especializado. O instrumento essencial da política é a lei e suas regulamentações, enquanto que para a regulação e controle é o contrato.

Para os serviços de água e esgoto, o tema é ainda mais complexo, uma vez que a competência constitucional para a organização e prestação desses serviços não é da União, mas de Municípios, quando se trata de serviços de interesse local, havendo diferentes opiniões quando se trata de serviços de interesse comum, tal como os das regiões metropolitanas, por exemplo. Assim, é preciso que este Congresso Nacional dê o primeiro passo, definindo os princípios e as diretrizes gerais, mediante uma lei de política nacional de saneamento, para facilitar os passos seguintes que seriam as definições das políticas específicas nos Estados e Municípios.

Não é admissível, no início do século XXI, que um País que se pretende civilizado possa conviver com a degradação de suas cidades e das condições de vida de parte expressiva da sua população, motivada principalmente pela ausência de serviços de esgotamento sanitário. De fato, os dados do Censo 2000 mostram que mais de 65 milhões de pessoas (mais da metade da população urbana do País) que residem em áreas urbanas não têm acesso à rede pública de esgoto. Por outro lado, mais de 15 milhões de citadinos não têm sequer acesso à água potável de uma rede pública. Observe-se que os dados do censo não mostram a quantidade de pessoas que são estatisticamente atendidas (ligadas à rede pública), mas que de fato não o são, pois muitas vezes falta água ou a rede de esgoto não funciona.

Em levantamento mais recente, realizado por intermédio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad, constatou-se algo ainda mais grave. A disparidade no atendimento às populações do Centro-Sul e do Nordeste brasileiro. O abastecimento de água só chega a 70,6% da população nordestina, contra os 91% atendidos no sudeste. Quando comparamos o esgotamento sanitário (rede coletora mais fossa) a diferença é ainda mais gritante: respectivamente, 42,8% e 85,6%, exatamente o dobro no Sudeste. Quanto à coleta de lixo, na Região Nordeste 68,4% das residências não contam com este serviço, enquanto 91% dos lares do Sudeste são atendidos.

Esses números, cuja magnitude é em si mesma alarmante, escondem uma realidade que é ainda mais perversa, pois tal carência não é neutra em relação à renda da população, sendo muito maior nas periferias das cidades, onde vive a população mais pobre.

Já é tempo de se ter uma Política Nacional de Saneamento adaptada à realidade do Brasil de hoje, tema que se vem discutindo neste Congresso há mais de dez anos.

A Política Nacional de Saneamento deve nortear as profundas transformações pelas quais precisam passar as estruturas estatais que cuidam das ações de saneamento nos três níveis de Governo. Sem essas transformações, o quadro atual tende a se agravar. A política precisa ser formulada de tal modo que possa:

I - induzir a eficiência dos prestadores de serviços vinculados ao setor público;

II - otimizar a aplicação dos recursos fiscais, direcionando-os para determinadas situações e evitando a dispersão e o desperdício; e

III - atrair capitais de empreendedores privados, mantendo a responsabilidade e a competência do poder público pelo estabelecimento das regras específicas, de cada caso, bem como pelo exercício da fiscalização e do controle para que se preserve o interesse coletivo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é meu alerta ao atual Governo. Antes de propor inovações como as previstas no PPP, faz-se necessário um diagnóstico completo do setor de saneamento e medidas efetivas para viabilizá-los.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2003 - Página 32922