Discurso durante a 177ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Racismo no Brasil e no mundo.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Racismo no Brasil e no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2003 - Página 40181
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, CONTINUAÇÃO, MUNDO, IDEOLOGIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, VITIMA, POPULAÇÃO, ORIGEM, PAISES ARABES, AFRICA, ASIA, AMERICA LATINA, AUMENTO, VIOLENCIA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, REGISTRO, DADOS, EUROPA.
  • ANALISE, DADOS, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, BRASIL, INFERIORIDADE, INDICE, ACESSO, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, COMBATE, SITUAÇÃO.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje a tribuna desta Casa para abordar um tema que muito me inquieta. Em quase todos os países europeus e de colonização européia, continuam sendo pronunciados discursos enaltecendo a superioridade da raça branca sobre as demais.

Por conta disso, temos presenciado, em inúmeras sociedades, o avanço irracional de uma onda de perseguições, de discursos de extrema direita, de assassinatos e de outros atos extremamente racistas contra as minorias, notadamente as de origem árabe, negra, asiática e latino-americanas.

Devemos dizer que o recrudescimento desse ódio nos deixa extremamente preocupados, porque reflete um grave sintoma da fragilidade de nossas sociedades e dos Direitos Humanos.

Entendo que o mundo atual não pode mais se espelhar nos episódios sinistros que aconteceram na Alemanha nazista dos anos 1930 e 1940. Toda a carnificina acontecida naquele país e nos países conquistados pelas tropas nazistas, naquele terrível período do século XX, vitimou mais de seis milhões de judeus e milhares de pessoas pertencentes a outros grupos étnicos, que foram rebaixados, por um simples decreto dos dirigentes do chamado Terceiro Reich, à categoria de sub-homens.

Infelizmente, depois de sessenta anos desse genocídio, por incrível que possa parecer, essa rejeição racial violenta continua viva na memória, no comportamento e nas atitudes de alguns e pode, a qualquer momento, reeditar uma nova catástrofe humana.

Após o holocausto e o tribunal de Nuremberg, quando tudo fazia crer que estava finalmente decidido que as sociedades romperiam de vez com as premissas vergonhosas da segregação e do racismo, acabamos por concluir que as sombras do ódio entre os homens apenas adormeceram por alguns anos.

Nem mesmo as imagens chocantes dos campos de extermínio de Bergen-Belsen, Auschwitz, Sorbidor, Treblinka, do Gueto de Varsóvia e de tantos outros lugares pavorosos que foram mostrados ao mundo com a derrocada do nazismo transformaram em definitivo as realidades sociais, os comportamentos e as mentalidades de muitas pessoas em numerosos países.

Nos Estados Unidos, por exemplo, no decorrer da década de 1960, as lutas pelo reconhecimento dos direitos civis foram ferozes e deixaram centenas de vítimas estendidas nas ruas de várias cidades americanas. Notadamente, negros, latino-americanos e asiáticos foram massacrados pelos policiais porque reivindicavam apenas os seus direitos fundamentais de cidadania.

Na África do Sul, também não foi diferente. Em seus tempos mais duros, a violência do apartheid inundou o país com o terror racial, deixando em seu rastro milhares de mortos. No auge dos choques segregacionistas, o exército sul-africano chegou a realizar pesquisas com o objetivo de desenvolver uma bactéria que fosse mortal apenas para os negros.

Na Europa, sobretudo no lado Ocidental, é notória a onda de racismo violento contra imigrantes árabes, africanos, turcos e orientais. O mesmo tipo de racismo prevalece também nas colônias africanas e asiáticas que foram dominadas sobretudo pela Inglaterra, França e Bélgica.

Vez por outra, nas principais cidades da Europa Ocidental, grupos saudosistas dos princípios do nacional socialismo, que levou Hitler ao poder na Alemanha, desfilam acintosamente, empunhando estandartes com dizeres racistas, pronunciando palavras de ordem racistas e fazendo a velha saudação nazista.

Na França, líderes dos Partidos de extrema direita, Frente Nacional (FN) e Movimento Nacional pela República (MNR), que pregam abertamente o racismo contra imigrantes e a pureza da raça branca, já têm acento no Parlamento Europeu, ocupando algumas cadeiras. O mesmo acontece em inúmeras cidades da França, onde conseguem, a cada eleição, eleger centenas de conselheiros regionais e inúmeros Prefeitos.

Mais grave, ainda, é o crescimento do racismo entre a população francesa, que já declarou, em pesquisa realizada em meados do ano passado, ser majoritariamente racista. Aliás, é importante ressaltar que a França, apesar de ser de origem latina e de ter tido boa parte do seu território ocupado durante séculos pelos mouros, é considerada como o segundo país mais racista da União Européia. Essa posição é superada apenas pela Bélgica, que espalhou o terror no Congo nos tempos da colonização.

Na Inglaterra do Primeiro Ministro socialista Tony Blair, a onda racista e o crescimento de grupos neonazistas já fazem parte do quotidiano dos recatados ingleses. As vítimas dessa ira étnica são sobretudo os indianos, os negros, os asiáticos e outros grupos de origem do Terceiro Mundo. Em diversas ocasiões, são agredidos, maltratados, presos pelos motivos mais fúteis, expulsos e mesmo assassinados nas vias públicas.

Na Alemanha, onde surgiu o movimento xenófobo mais cruel da história recente da humanidade, a intolerância racista continua presente, e os movimentos de jovens nostálgicos do nacional socialismo não param de crescer.

O mesmo acontece na Áustria, onde o líder nazista Jörg Haider lidera o chamado Partido da Liberdade. Os maiores lemas do Partido são a restrição à imigração e a ameaça de expulsão de todos os estrangeiros. Convém destacar que, recentemente, uma aliança entre o Partido do Povo, de centro-direita, e o Partido da Liberdade, de extrema direita, permitiu a chegada deste último ao poder. Essa ascensão provocou uma verdadeira onda de apreensão entre as diversas lideranças européias democráticas.

No extremo norte europeu, onde pesquisa recente revelou que a Escandinávia é a região mais feliz do mundo para se viver, os movimentos nazistas não param de crescer, e o ódio contra estrangeiros também. Freqüentemente, a região é abalada pela eliminação física das suas lideranças políticas mais proeminentes.

Não faz tanto tempo assim, foi em 1986, o Primeiro Ministro Olof Palme da Suécia, um dos ícones da Internacional Socialista, foi assassinado em plena via pública quando saía de um teatro.

No último mês de setembro, em uma fila do caixa de um supermercado sueco, na cidade de Estocolmo, foi a vez da Ministra do Exterior Anna Lindh, favorita para ser a Primeira-Ministra do País. Ela defendia a adoção do Euro pela Suécia, a ser decidida em plebiscito que seria realizado poucos dias após aquele em que foi assassinada. Sua eliminação causou um verdadeira comoção nacional.

Até na chamada “Europa morena”, ensolarada, banhada pelo Mediterrâneo e outrora ocupada pelos mouros durante vários séculos, os ventos do racismo sopram fortes. Portugueses, espanhóis e italianos não gostam de negros e árabes. Nesses países, de maneira muito freqüente, essas comunidades são duramente perseguidas pela polícia e centenas são expulsos a cada mês dos seus territórios.

No Brasil, onde metade da população é constituída de negros e mulatos, os defensores da causa negra asseguram que existe uma igualdade formal que convive com um acentuado racismo, que subsiste de maneira escondida, sutil, sarcástica, paternalista e pejorativa contra os afro-descendentes.

Asseguram, igualmente, que o racismo brasileiro é dos mais ferozes, porque a elite dominante, a população branca, ao longo dos séculos, ignorou os negros e os mulatos, que sempre foram considerados por eles como a parte imprestável da sociedade.

Não é por acaso que as estatísticas estão aí para atestar o tamanho de nossa exclusão e para mostrar que, se fosse combatida a miséria dos negros e dos mulatos, os dados da indigência brasileira já poderiam ser comparados aos existentes na Espanha e em Portugal. Dessa maneira, levando em consideração o seu parque industrial já sofisticado e a sua agropecuária, que é uma das mais modernas do mundo, o Brasil seria, hoje, mais desenvolvido do que a Espanha.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a discriminação contra os afro-descendentes começa na rua e espalha-se de maneira profunda, contaminando todo o tecido social e todas as instâncias da sociedade.

Em uma batida policial, por exemplo, os primeiros a serem abordados são os negros e os mulatos. Em todos os lugares públicos, negros e pardos são olhados com curiosidade e vistos com desconfiança.

Nos edifícios onde moram os brancos ricos e a classe média bem posicionada, negros e pardos devem servir-se preferencialmente do chamado “elevador de serviço”.

Um negro dirigindo um automóvel caro corre o sério risco de ser abordado pelo guarda de trânsito e de responder a um infindável número de perguntas indiscretas envolvendo o veículo e sua própria pessoa.

Em milhares de salas de aula, principalmente nas universidades, sejam elas públicas ou privadas, não é fácil encontrar estudantes negros e mulatos. O mesmo acontece nos teatros, nos concertos, nos restaurantes, em palestras, em aviões, em exposições de arte e nos painéis de propaganda colocados nas ruas e nas estradas.

Nas novelas da televisão, os personagens brancos são sempre os mais bonitos, os empresários, os políticos, os intelectuais, os conquistadores e os mais influentes. Aos negros e mulatos, quase sempre são destinados os papéis de motoristas, ascensoristas, seguranças, mordomos e empregadas domésticas.

Em termos profissionais, em princípio, essas ocupações não deveriam ser vistas como desmerecedoras, mas, em nossa sociedade, são as menos valorizadas. Outros papéis destinados quase sempre aos negros e mulatos são os de trabalhadores da construção civil, bandidos, dançarinos de Escola de Samba, habitantes de favelas, pais-de-santo, lutadores de boxe, pagodeiros e cartomantes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é chegada a hora da inclusão econômica, política e social absoluta da metade marginalizada de nossa população que é formada pelos negros, pelos mulatos e pelos índios. Não podemos mais suportar que 74 milhões de afro-brasileiros continuem permanecendo na escuridão do semi-analfabetismo. Não é justo que apenas 14% dos negros tenham acesso aos estudos no nível médio, contra 25% dos brancos e 41% dos amarelos. É igualmente injusto saber que 71% dos negros têm no máximo o primeiro grau, e que apenas 4% concluem um curso superior, contra 13% dos brancos.

Precisamos, portanto, igualar imediatamente o Brasil, abrir oportunidades iguais para todos os cidadãos brasileiros, sem distinção de cor, de raça, de credo e de sexo. Só assim seremos capazes de eliminar o racismo e conquistar o nosso grande sonho, que é a construção da maior sociedade multirracial do mundo, plenamente desenvolvida, democrática e solidária.

Era o que tinha a dizer!

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2003 - Página 40181