Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Resposta ao pronunciamento do Senador Arthur Virgílio. Homenagem de pesar a poetiza Hilda Hilst.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA EXTERNA. HOMENAGEM.:
  • Resposta ao pronunciamento do Senador Arthur Virgílio. Homenagem de pesar a poetiza Hilda Hilst.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2004 - Página 3582
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA EXTERNA. HOMENAGEM.
Indexação
  • RESPOSTA, DISCURSO, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR, DISPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, EX PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APOIO, MINISTERIO PUBLICO, POLICIA FEDERAL.
  • EXPECTATIVA, AUDIENCIA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, EMBAIXADOR, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • HOMENAGEM POSTUMA, HILDA HILST, ESCRITOR, ELOGIO, OBRA LITERARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Paulo Paim, quero, primeiro, saudar o Senador Arthur Virgílio por sua volta ao Senado depois de um período com problemas de saúde, visto que é muito importante que possamos ter aqui a sua presença vigorosa, que já hoje se pôde ver, e depois observar, com referência às palavras de S. Exª, que o Governo Lula e o Partido dos Trabalhadores consideram da maior importância que se faça a mais completa, isenta e imparcial apuração do seqüestro e assassinato do nosso querido e valoroso Prefeito Celso Daniel e que aguardaremos a decisão da Justiça; estamos dando o apoio necessário ao Ministério Público, à Secretaria de Segurança e à Polícia Federal em tudo o que puder contribuir para isso. Inclusive no próximo dia 18 haverá uma reunião, ao final da tarde, da comissão que trata das questões de informação, para decidir sobre alguns requerimentos, dentre os quais os dele próprio, e um deles referente a informações a respeito desse assunto. Com respeito ao que S. Exª mencionou da delegação brasileira em Puebla, presidida pelo Embaixador Adhemar Bahadian, considero muito importante que na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional possamos ouvir os nossos representantes, o que, obviamente, fará parte de nossas atividades nos dias que se seguem.

Mas eu gostaria, Sr. Presidente, agora de dedicar esses minutos à memória de uma das maiores autoras brasileiras, a poetisa e escritora Hilda Hilst, que morreu no último dia 3, aos 74 anos.

Podem se passar os anos, podem se passar os fatos, mas um poema não passa. Era isso que vivia repetindo Hilda Hilst, a intelectual que não aceitava esse adjetivo e escrevia seus poemas porque, como ela dizia, “eles fazem parte do meu lado louco”. Mas não eram só poemas. Crônicas, prosa teatro - Hilda escrevia de tudo. Mas preferia os poemas.

Preferia também ser poeta e não poetisa, de medo que confundissem com “prendas domésticas”, e por conta disse travou uma boa discussão com algumas feministas, que consideraram machista de sua parte não aceitar o feminino de poeta. Mas teve gente mais mulher do Hilda? Como não se arrependia de nada, considerava que tinha direito a alguns pecados. Era irreverente, indisciplinada, mas tinha seus rituais. Foi chamada de louca - muitas vezes no bom sentido, outras vezes nem tanto.

“- Tá bom, sou louca ou faço de conta que sou. O que é que tem? Isso não faz mal a ninguém. E a humanidade é o quê? O que é ser normal?” - repetia.

“ - Não vou me defender de nada” - era outra de suas frases.

Embora afirmasse que a loucura humana era o fio condutor de sua obra, Hilda Hilst tinha um refinamento que chegava ao sublime. Entendia a alma humana como só os grandes artistas entendem e dava-se ao luxo de “enxertar” seus textos com comentários sobre os corpos, como se fossem a mesma coisa. Para Hilda eram. Corpo e alma eram uma coisa só, mas a alma valia muito mais, porque era eterna.

Hilda vivia na Casa do Sol, uma chácara em Campinas, próxima a São Paulo, onde recebia os amigos que gostavam de pensar como ela. Muita gente simples e anônima, mas também escritores como Lígia Fagundes Teles, Caio Fernando Abreu, Bruno Tolentino e José Luiz Mora Fuentes, a quem convidou a viver lá com sua família. Passaram a ser a família de Hilda. Vivia cercada de 64 vira-latas e adorava quando alguém chegava - desde que não fosse em grupo. Tinha muitas rugas e elas se fechavam em torno dos olhos, mostrando satisfação. Mas bastava pouco para que viesse de sua boca uma explosão, fosse de amor, paixão ou raiva. Era mesmo apaixonada a Hilda que escreveu o que chamava de “trilogia obscena” (que nada tinha de obscena, mas era de alto valor artístico): os livros O Caderno Rosa de Lory Lamby, Contos de Escárnio e Textos Grotescos e Cartas de um Sedutor. A mesma Hilda que escreveu O Koisa, que definiu, numa entrevista à Folha de S.Paulo, um ano e meio atrás, como “apenas um caroço da azeitona numa empada”. A mesma Hilda de Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão.

            Por ser considerada “de vanguarda”, dependia de pequenas editoras com pequenas tiragens. A crítica a saudava, mas a considerava “difícil”, “maldita” ou qualquer outro adjetivo que não lhe cabia. Isso despertava o interesse de alguns, mas não lhe permitia atingir o grande público.

Ela queria isso, mas não se lamentava. Colocava a culpa na ausência de leitura do público brasileiro, nas escolas que não faziam as crianças amarem os livros desde cedo.

Era espiritualista, e a imortalidade da alma era sua maior crença. Inventava reencarnações, dizia que havia outros mundos, que as almas permaneciam no espaço, que às vezes queriam conversar e que se renovavam habitando os corpos. Amava a natureza, a terra, as plantas e, principalmente, os animais, mais especificamente os cães, a quem atribuía as melhores qualidades. Queria tê-los por perto, adorava ouvir seus latidos, “e quem não gostar não venha” - dizia rindo. “Eles também entendem de almas”, falava.

Aparentemente, Hilda Hilst vivia isolada. Não saía de sua casa, ouvia suas almas, escrevia seus poemas.

- “Vou morrer, mas vou continuar fazendo poemas”, disse numa entrevista. Essas coisas aparentemente incompreensíveis, mas tão lógicas como saber que um poema não pode morrer, davam-lhe o rótulo de “difícil”.

- “Por que me acham difícil?” - perguntava. Seus livros não tiveram grande sucesso no seu tempo de vida. Mas é possível que tal como no caso de outros artistas que também não foram reconhecidos enquanto vivos, do ponto de vista de terem suas obras vendidas a preços altos no mercado...Quantos foram os que assim tiveram dificuldades de sobreviver com o seu lado artístico? Vincent Van Gogh e Amadeo Modigliani, por exemplo, quando pintaram as suas obras, mal conseguiam obter o suficiente para o seu próprio rendimento. Ambos acabaram doentes e morreram cedo - Modigliani, aos 35 anos por exemplo. Se tivessem recebido uma remuneração mais adequada, talvez isso não tivesse ocorrido. Hoje, suas obras são vendidas por milhões de dólares.

Pois bem, é possível que, mais tarde, assim como estes tiveram as suas obras reconhecidas como de grande valor, é provável que os trabalhos de Hilda Hilst venham a ter cada vez maior sucesso.

Em 2002, o jornalista Wagner Carelli entendeu que Hilda merecia mais do que já tivera, e que era fundamental apresentá-la ao grande público. Desde então, o professor Alcir Pécora, da Unicamp, coordena junto com Joaci Pereira Furtado a reedição de suas obras para a Editora Globo. Onze títulos já foram publicados. Ainda em fevereiro sai Baladas e, em abril, está programada a reedição de O Caderno Rosa de Lory Lamby.

Hilda Hilst está agora com suas almas e, com certeza, neste momento nos faz uma visita. Seja bem-vinda. E fique para sempre entre nós, Hilda!

Em sua homenagem, permita-me, Sr. Presidente, ler dois breves poemas.

Odes Mínimas

I

Te batizar de novo.

Te nomear num trançado de teias

E ao invés de Morte

Te chamar Insana

Fulva

Feixe de flautas

Calha

Candeia

Palma, por que não?

Te recriar nuns arco-íris

Da alma, nuns possíveis

Construir teu nome

E cantar teus nomes perecíveis:

Palha

Corça

Nula

Praia

Por que não?

II

Perderás de mim

Todas as horas

Porque só me tomarás

A uma determinada hora.

E talvez venhas

Num instante de vazio

E insipidez.

Imagina-te o que perderás

Eu que vivi no vermelho

Porque poeta, e caminhei

A chama dos caminhos

Atravessei o sol

Toquei o muro de dentro

Dos amigos

A boca nos sentimentos

E fui tomada, ferida

De mal assombra, de gozo

Morte, imagina-te.

     De Hilda Hilst. Da Morte. Odes Mínimas. São Paulo, Globo, 2003, páginas 29 e 35.

            É a nossa homenagem à grande poeta e poetisa Hilda Hilst.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2004 - Página 3582