Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Incapacidade do governo federal de escolher pessoas ilibadas para ocupar cargos-chave. Defesa da criação da CPI do Sr. Waldomiro.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Incapacidade do governo federal de escolher pessoas ilibadas para ocupar cargos-chave. Defesa da criação da CPI do Sr. Waldomiro.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2004 - Página 4332
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, GOVERNO, DEMISSÃO, ASSESSOR, CASA CIVIL, MOTIVO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, QUESTIONAMENTO, COMPROMETIMENTO, GOVERNO FEDERAL, DEFESA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INCLUSÃO, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, PREFEITURA, MUNICIPIO, SANTO ANDRE (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, BENEFICIO, LEGITIMIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, NUMERO, PARTIDO POLITICO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é hora de desafivelarmos quaisquer máscaras e não tergiversarmos sobre a realidade que está posta.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidentemente, após ter convicção de que a revista Época faria a publicação da matéria que está escandalizando o País, a meu ver, tomou a decisão escapista de demitir o Sr. Waldomiro. Imaginou, com isso, que, no curso das investigações da Polícia Federal, haveria certa capacidade de controlar os limites do escândalo. Agora, um fato: o que mostra o escapismo, mostra a pressa. O Diário Oficial de hoje não registra a demissão do Sr. Waldomiro; ele ainda não está demitido oficialmente.

Por outro lado, pergunto, de maneira muito enfática - o caso é de 2003, o Presidente Lula favorito nas eleições, arrecadação de dinheiro muito farta -, por que colocam no quarto andar do Palácio do Planalto alguém conhecido por sua má-fé ou capaz de enganar os mais altos dirigentes da República?. Na hipótese de enganar, eu acrescentaria: estaria o Governo sofrendo de alguma idiotia de dicionário? Na hipótese de não enganar, pergunto: uma pessoa com suspeitas, com reservas, sobre a qual existiriam rumores? Não é possível ter relação com o Sr. Carlos Cachoeira, sem que ninguém a sua volta perceber que é uma figura chegada a conversas escusas. Na primeira hipótese, o Governo não sabia, coitado. Como vai conduzir um País que exige uma visão estratégica, sem conseguir perceber os instintos do Sr. Cachoeira, junto com o Sr. Waldomiro das “couves”. Na outra hipótese, havia indícios que foram fazendo o Sr. Waldomiro crescer na escala funcional.

Ouço a resposta pálida do Governo, inconvincente, defensiva. Falam em Prefeituras, e a primeira a ser investigada deve ser a de Santo André. Aliás, parece que a outra revista, a rival da Época, a Veja, virá domingo com Santo André. Diante disso, estou pedindo à Mesa que solicite ao Ministro da Justiça garantia de vida para o Sr. Waldomiro, por entender que seis pessoas correlatas ao caso de Santo André foram assassinadas. É bom que preservemos sua vida, para que fale tudo que sabe no momento apropriado. E o momento apropriado, para mim, haverá de ser a CPI.

Sr. Presidente, sinceramente, não consigo imaginar uma figura com essas ligações no Governo de que participei, mas faço idéia, se um escândalo dessa proporção, envolvendo outro tipo de gente, ocorresse no Governo Fernando Henrique Cardoso, do carnaval que não estaria sendo feito pelo Partido dos Trabalhadores, com a sua sanha oposicionista, da falta de tranqüilidade, da precipitação no julgamento. Aqui não julguei ninguém, apenas pedi que se apurasse a questão a fundo, porque não aceito que o Sr. Waldomiro seja bode expiatório e, por outro lado, que aqui percamos um só minuto desse fio da meada que vai mostrar os verdadeiros culpados e os inocentes.

O Presidente Lula, com essa atitude defensiva, causa-me certa decepção. Estou esperando que os seus líderes assinem, para dar o exemplo, o pedido de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito a ser formulado à Casa pelo Senador Antero Paes de Barros, que fez a denúncia. A matéria é séria, os jornalistas o são. A matéria mostra uma gravação, que não foi submetida, segundo a perícia, a edições e sobre a qual não poderiam apenas dizer: ponham o Waldomiro para lá, e agora vamos trabalhar na Polícia Federal. Não haverá controle sobre a Polícia Federal, pois ela é composta de pessoas que têm compromisso com o País. Nós sabemos que essas investigações - quem quiser se iludir que o faça - acontecem e acontecerão no momento exato, necessário.

Isso me causa certa decepção, porque sempre digo que, das pessoas que governam este País, as do núcleo, eu não esperava corrupção do tipo puro sangue. Eu esperava corrupção, por exemplo, fisiológica, de alguém que quis o cargo tal e o usou mal. E dizia que eles são malcriados, atrevidos, pessoas às vezes injustas nos julgamentos. Eu esperava tudo. Não me surpreendo com a demonstração de incompetência de vários setores do Governo, mas esse episódio me choca a ponto de aqui repetir, com muita serenidade, o que ainda há pouco disse com mais arroubo: o Presidente Lula, com relação a esse episódio, tem que mostrar que é legítimo para governar a Nação. Eu aceito - tenho feito este acordo tácito com o Presidente, de maneira até honrosa - ser governado por Sua Excelência. Ou seja, Sua Excelência é o príncipe, e eu, um súdito; Sua Excelência é o governante, e eu, o governado. Aceito ser governado pelo Presidente Lula, com muita honra até; como Oposição, divirjo de Sua Excelência e entendo que poucas pessoas teriam mais legitimidade, consagrado que foi por sua vida, pelo voto popular, para governar este País. Eu não saberia ser governado por um governo que não entendesse legítimo. Foi assim com a ditadura militar. Eu exijo do Presidente da República uma resposta mais clara do que a que foi apresentada até agora, que, por pálida, não merece meu acatamento.

A questão não está sanada com a investigação que se manda fazer e com a demissão do seu Waldomiro, que nem publicada no Diário Oficial foi ainda. Não se acaba isso assim. Não vamos iludir o Presidente, e Sua Excelência não deve iludir-se com fantasias. O Presidente tem que honrar seu passado e dizer: vamos investigar isso a fundo. E a forma mais óbvia, mais transparente, que encantaria o País seria mandar sua base parlamentar assinar, consentir, concordar com a Comissão Parlamentar de Inquérito; veríamos, assim, quem é culpado e quem não o é, sem mais tergiversações. Fora disso - não queria colocar-me na outra hipótese -, sinto-me como aquele súdito que tem que se rebelar contra o rei, como o governado que não aceita o governante. Eu me sentiria, Senador Mão Santa, Presidente na presente sessão, por ser algo tão grave para a República brasileira, como alguém que, por falta de legitimidade, teria que fazer uma guerra muito mais aberta do que a luta normal e democrática de Oposição. Quero que o Presidente me mostre a legitimidade desse episódio; quero que isso seja demolido pedra por pedra.

Estava, ainda agora, lembrando quantas vezes ouvia as críticas que o PT fazia a momentos de denúncia contra o Governo Fernando Henrique, quando a resposta deste era: “isso tumultua o quadro; a CPI é inconveniente” - e vejam que aquele Governo acabou permitindo que se realizassem CPIs e mais CPIs, para investigar seus atos. E vinha o PT e dizia que quem não deve não teme e que era hora de fazer apuração.

Muitas vezes eu me punha - e como é difícil a função de um Líder! - a interpretar o que às vezes não era o meu desejo. O meu desejo era de já deixar fazer logo de uma vez. E quantas influenciei para que fossem realizadas. Menciono o caso Sivam, em que eu disse: meu Deus, estão transformando em escândalo o que é um caso. O affair Sivam virou escândalo. Não havia santos naquela história, numa concorrência enorme, vultosíssima, que envolvia duas gigantes desse mercado no campo internacional. Estavam transformando em escândalo o que era, na verdade, uma tentativa de visão estratégica lançada sobre a Amazônia.

Eu dizia: Presidente, vamos deixar acontecer logo essa CPI de uma vez. Houve uma sessão do Congresso, eu era minoria, e via lá pessoas do PT, pessoas muito prezadas, muito queridas, pedindo a CPI do Sivam no diploma e ao mesmo tempo, Senador Efraim Morais, diziam assim: não concordamos com esse crédito, não concordamos com aquele, com aquele outro. Perguntei: e esse aqui? Aí me disse um representante do PT: “Não, para o Sivam não podemos negar dinheiro.”

Meu Deus do céu! como pode a leviandade ir tão longe? Se estavam pedindo uma CPI para o Sivam, como podiam, ao mesmo tempo, dizer que créditos fartos, sem discussão, deveriam ser votados a favor da continuidade da implantação da infra-estrutura daquele projeto? Fico imaginando o carnaval que não seria.

Sr. Presidente, vim com muita tranqüilidade dizer que hoje seria um dia em que eu pensava fazer uma crítica ao Presidente Lula. Era a minha intenção de ontem, em função do que hoje a imprensa estampa. A jornalista Diana Fernandes afirma que o Presidente, em conversa com jornalistas, fala em bipartidarismo. Bipartidarismo é coisa de ditadura, é coisa do tempo de MDB e Arena, é coisa do tempo de PDS e PMDB. Temos o direito a uma expressão maior. Ele disse que na Espanha é assim. Mas na Espanha há 14 partidos.

Pensei que ia criticar o Presidente por uma declaração um tanto cínica, mais do que no sentido grego. O funcionalismo foi massacrado, ele que acaba de aprovar a reforma da Previdência do jeito que quis. Pensei que ia criticar o presidente pela inconveniência de dizer que o Serra não é candidato de São Paulo porque tem medo da Marta e que a Marta vai ganhar. Ele disse: “Que coisa linda a Marta, elegante, pisando a lama com aquele sapato alto.” O Presidente não pode ter se “grã-finado” tanto assim, mas achar bonito aquele estilo das dez mais elegantes da favela...

Pensei que ia criticar o Presidente nisso, sem perder por ele nem um pingo da minha crença.

Ontem fiz uma dura acusação. O Ministro Anderson Adauto vai deixar os Transportes, admite o Vice-Presidente José Alencar, mas demitido foi quem denunciou o Ministro Adauto. E o Governo não disse nada ontem sobre por que demitira o denunciante.

Sr. Presidente, vejo aqui, na revista Primeira Leitura, Lula admitindo ficar dez anos no poder. Enfim, pensei que iria discutir essas coisas hoje.

Ontem de madrugada, conversei com o Senador Antero. Acordei várias vezes durante a noite e disse: não é possível! Era uma coisa para eu me beliscar, não é o que eu queria que acontecesse, não é o que eu desejava que se sucedesse, não é algo que imaginasse que fosse saída para nós. Não é o que quero, não é o que desejo. Para mim, o melhor seria que o Presidente da República conseguisse demolir ponto por ponto das acusações, e punidos os culpados, em quaisquer latitudes em que eles se situassem, ficasse restabelecida perante todos essa legitimidade, essa crença que temos que ter nessa figura de biografia tão bonita que é o Presidente Lula. Mas não é com inqueritozinho de fancaria, não é com tentativas de se acabar o inquérito em pouco tempo. Não é assim. Não é imaginando que outro assunto acontece, o Presidente George Bush invade mais um outro país, e se esquece do que se estava falando. Estamos falando de alguém que usava essa linguagem com uma pessoa do calibre moral lá do senhor das Cachoeiras. Essa pessoa - longe de provocar qualquer advertência ao Governo - foi ascendendo, cogitada para ser Presidente da Caixa Econômica Federal, um órgão importantíssimo para a geração de empregos, para a geração do crescimento econômico - e aí diz a revista - “prefere ficar no 4º andar, lidando com os parlamentares”.

Estranhamente, eu não o conheço e sou Líder, pelo segundo ano consecutivo, de um Partido de Oposição. Outro dia soube - e repito aqui - que o Sr. Waldomiro teria estado aqui numa hora em que o PSDB ameaçou pedir verificação de quórum, inviabilizando a votação do Orçamento, e que teria reportado isso à Casa Civil como um Assessor normal, tipo: “Olha, o Líder está indo, vai recuar ou não vai recuar.” O Sr. Waldomiro nunca me procurou para dizer: “Olha, vamos sentar com o Senador Arthur Virgílio para conversar, ou com o Senador Efraim Morais, ou com o Senador José Agripino, com o Senador Jefferson Péres para discutir com eles, o que era do dever dele e do direito dele como representante do Governo no Parlamento. Ao contrário disso, preferiu conversar não conosco mas com o Sr. Carlos das Cachoeiras.

Portanto, com muita serenidade, Senhor Presidente, eu encerro dizendo a V. Exª que a denúncia do Senador Antero Paes de Barros deve ser levada a sério. O primeiro item para levarmos a sério um Governo é que o Governo leve a sério uma denúncia séria como a denúncia de um Senador sério que é o Senador Antero Paes de Barros, publicada por uma revista de credibilidade como a Época e por dois jornalistas de calibre - os jornalistas Andrei Meireles e Gustavo Krieger.

Segundo, em face dos antecedentes de Santo André, não tem como não se discutir esse outro assunto. O Governo está tapando o sol com a peneira, a Imprensa está alerta para isso, o Congresso está ansioso. Para mim, já não é nada difícil se completar as assinaturas para a CPI de Santo André. Pedi garantia de vida para o Sr. Waldomiro por imaginar que, se tanta gente morreu em torno do caso de Santo André, é bom preservarmos a vida dele de maneira muito atenta. Que fique o aviso, portanto, para a Polícia Federal, para o Ministério da Justiça e para quem mais tenha responsabilidade sobre esse episódio.

Exibo aqui que o governo, às pressas, para usar uma linguagem de gíria, quebrou um galho: vamos tirar o Waldomiro da reta. Mas não está no Diário Oficial. Ou seja, se a revista Época não estivesse atenta, o Sr. Waldomiro estaria ainda nessa vida dupla entre Congresso e Cachoeira, nessa dupla militância entre a conversa legal com parlamentares que representam o povo e a conversa ilegal, na base de mais um ou menos um por cento, na base da propina, na base do banditismo puro e simples, porque não se pode descrever com outro adjetivo o que revela a revista. Então, não vou ficar a essa altura sequer centrando no Ministro José Dirceu, não vou ficar centrando no Sr. Waldomiro. Nesta hora, vou para cima da pessoa que mais merece a minha crença, que é o Presidente Lula.

Presidente Lula, dê a resposta - a de hoje foi pífia - e mostre que é legítimo para nos governar, sob pena de súditos se rebelarem contra o príncipe por não aceitarem que se possa tocar o País neste padrão moral. Não é este o padrão moral que se imagina para o cargo de confiança de Presidente da República e para o Governo de uma Nação que mudou, e mudou muito, empurrada até pelos vícios do PT, que foi ajudando, sim, a criar um novo padrão de exigência ética neste país. Não dá para de repente se torcer. Aquilo que estava dito não vale mais.Para usar a linguagem de bicheiro, não é “vale o que está escrito”. É vale o que virou consenso da Nação, uma nação absolutamente exigente e cobrantina em relação ao comportamento dos seus governantes.

Foi em cima de muito positiva expectativa ética que, sem desmerecimento dos demais candidatos, a começar pelo meu, que é um homem direito, o Senador José Serra, foi em cima da sua plataforma ética que o Sr. Lula da Silva ganhou a eleição; foi em cima da certeza de que o Governo não varreria para debaixo do tapete denúncias nem sérias e nem não-sérias. As não-sérias ele depois as desmoralizaria; as sérias, encaminharia para a punição de quem quer que fosse, em quaisquer latitudes do Governo.

Portanto, registro aqui uma decepção e digo com toda serenidade: nem que o Presidente Bush invada outro país, vamos deixar de tocar nesse assunto. Vamos cobrar esse assunto, vamos cobrar a CPI e implantá-la, vamos investigar todos que tiverem que ser investigados, com aquele ânimo de servir ao País. Quem é culpado tem que ser punido. Não aceitamos bode expiatório.

Terceiro ponto, Sr. Presidente: nós não hesitaríamos em declarar inocentes. A primeira pessoa que quero, sinceramente, desta tribuna, reverenciar haverá de ser o Presidente Lula, que não vai se intimidar diante das cores da velha política e que vai ser capaz de dizer para a Nação - mediante providências concretas, uma das quais é mandar que seus aliados assinem a CPI proposta pelo Senador Antero Paes de Barros - que irá às últimas conseqüências para defender o nome e a integridade do Governo que ele tão mediocremente tem governado, mas tão brilhantemente constituiu com uma maioria de 53 milhões nas urnas do Segundo Turno da eleição presidencial.

Portanto, com a palavra não está ninguém. Com a palavra não está o Sr. Waldomiro, não está o Sr. Cachoeira, não está o Sr. José Dirceu, não está ninguém. Com a palavra está o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2004 - Página 4332