Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ressalta a importância da inserção do Brasil na modernização da atividade agrícola com o uso de transgênicos. Expectativas de alterações no Projeto de Lei da Câmara 9, de 2004, que trata da biossegurança

Autor
Jonas Pinheiro (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Jonas Pinheiro da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Ressalta a importância da inserção do Brasil na modernização da atividade agrícola com o uso de transgênicos. Expectativas de alterações no Projeto de Lei da Câmara 9, de 2004, que trata da biossegurança
Aparteantes
Alvaro Dias, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2004 - Página 8655
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • APREENSÃO, PERDA, OPORTUNIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, COMERCIO EXTERIOR, CRITICA, FALTA, DECISÃO, GOVERNO, AUTORIZAÇÃO, PRODUÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, AGRICULTURA, EXCESSO, BUROCRACIA, PENDENCIA, JUDICIARIO, LOBBY, ECOLOGIA, INFERIORIDADE, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA, EXISTENCIA, CLANDESTINIDADE, LAVOURA, SOJA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • JUSTIFICAÇÃO, DEFESA, LIBERAÇÃO, BRASIL, PRODUTO TRANSGENICO, AGRICULTURA, MEDICINA, SAUDE PUBLICA.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, SENADO, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO DE LEI, BIOTECNOLOGIA, SEGURANÇA, REDUÇÃO, BUROCRACIA, FAVORECIMENTO, PESQUISA, ESPECIFICAÇÃO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, ao longo da História, tem perdido sucessivas oportunidades de alcançar níveis mais elevados de renda e de desenvolvimento. Pode-se observar isso, em maior ou menor escala, em pequenas indecisões ou em estratégias governamentais equivocadas.

Perdemos uma grande oportunidade de nos firmarmos no comércio mundial quando, por exemplo, reinávamos soberanos e absolutos na produção e na exportação do café, porque confiamos excessivamente naquela monocultura. Na produção de borracha, que, no seu auge de comercialização, chegou a disputar com o café a primazia das exportações, fomos superados pelos concorrentes asiáticos.

Por indecisão, por falta de agressividade comercial ou por falta de visão estratégica, insistimos, numa época, em manter uma reserva de mercado para o setor de informática e fomos superados nessa tecnologia por países até então pouco expressivos.

Estamos debatendo, agora, a conveniência de produzir e de comercializar organismos geneticamente modificados, os chamados produtos transgênicos. A indecisão do Governo, traduzida em inacabáveis disputas burocráticas e instigada freqüentemente por questionamentos de ativistas ecológicos, pode, mais uma vez, nos levar a perder espaço no comércio internacional. Além disso, a liberação dos produtos transgênicos, especialmente de alimentos, sofre contestações judiciais que desestimulam as pesquisas e reduzem a produtividade.

As Medidas Provisórias nºs 113 e 131, assinadas pelo Presidente Lula, autorizando a venda da soja transgênica das duas últimas safras - mas limitando o prazo para a sua comercialização -, são uma demonstração do dilema governamental.

Hoje, Sr. Presidente, temos, no Brasil, ao lado dessa contenda sobre a liberação dos produtos transgênicos, um razoável número de pesquisas em andamento, devidamente autorizadas pelo Governo, e uma lavoura clandestina, em volume também considerável, para o abastecimento dos mercados interno e externo, lavoura essa que aumenta e se expande cada vez mais.

O produto que mais concentra essa polêmica é a soja transgênica, cultivada inicialmente no Rio Grande do Sul, em face da sua proximidade da Argentina, país onde é livre esse cultivo. Em vista disso, as sementes de soja modificada facilmente cruzam a fronteira, contrabandeadas. Hoje, acredita-se que 80% da produção de soja em território gaúcho sejam de produto geneticamente modificado, montante que equivale a quase 10% da produção nacional. Nos demais Estados produtores de soja, as variedades transgênicas resistentes ao herbicida glifosato se expandem sem nenhum controle, alimentadas por sementes de procedência questionável, que nem sempre são devidamente adaptadas a cada região.

O comportamento do Governo brasileiro nessa questão revela, além de indecisão, desconhecimento do assunto e uma absurda incoerência. O desconhecimento do assunto mostra a posição de extremo conservadorismo no que diz respeito à liberação dos produtos geneticamente modificados, em que pesem as evidências de que seu uso não apresenta riscos. O princípio da precaução é considerado ao máximo, chegando, muitas vezes, ao exagero, sem levar em consideração os limites do razoável. Aliás, Sr. Presidente, o princípio da precaução tem sido usado tanto para impedir os organismos geneticamente modificados quanto para justificar a invasão do Iraque.

Muitos desses produtos, cujo cultivo e consumo são questionados no Brasil, já são utilizados em grande escala em vários países, bastando lembrar que a União Européia, sempre tão exigente quanto às condições fitossanitárias, importa soja transgênica dos Estados Unidos. E pior: nem por isso a União Européia paga preços superiores para os produtos brasileiros não transgênicos, que, nessa desigualdade de condições, acabam perdendo competitividade. Agora, a China, grande importadora de soja, acaba de liberar, sem nenhuma restrição, as importações de soja transgênica brasileira, a partir do próximo dia 20 de abril.

A incoerência, Srs. Senadores, manifesta-se nas próprias medidas provisórias que liberaram a comercialização da safra de soja transgênica. Ora, se a safra pode comprometer a saúde humana ou animal, ou ainda o meio ambiente, o Governo agiu de forma irresponsável, sobrepondo à segurança da população um interesse econômico. Se não existe esse perigo, então não há motivo para limitar essa liberação em cada safra. Mais ainda, cabe questionar por que proibimos a produção de transgênicos em nosso País quando esses produtos, importados, são consumidos diariamente por grande parcela de nossa população.

Por outro lado, a condenação de produtos geneticamente modificados não é unânime no Governo Lula. Muitos, no Governo, têm a consciência de que o Brasil, se demorar a decidir pela liberação dos transgênicos, poderá perder competitividade no mercado externo.

A discussão no Brasil sobre os organismos geneticamente modificados tem assumido uma postura mais emocional que racional, perdendo o cunho científico que deveria nortear a discussão. Além disso, vemos que ela se tem concentrado quase que estritamente na soja transgênica, abstendo-se de considerar as inúmeras possibilidades de utilização da transgenia, como, por exemplo, na medicina e na saúde humana, além de em outras áreas da agricultura. Na realidade, o que está em jogo não é tão-somente se vamos plantar ou não soja geneticamente modificada, como a soja Roundup, da Monsanto, mas definir com mais urgência se o Brasil quer desenvolver essa tecnologia ou ser apenas um usuário dela; ou ainda, se quer desconsiderar as possibilidades oferecidas pelos avanços científicos.

A discussão tem-se tornado, portanto, limitada e tendenciosa e, com isso, tem dado margem a argumentações empíricas, que fogem ao escopo da racionalidade científica. Muitas vezes, vem sendo ainda orientada de modo que ofusque outros interesses, os quais, certamente, não são os da sociedade brasileira nem os do Brasil.

Agora, Sr. Presidente, estamos nesta casa com o PLC nº 9, de 2004, que trata da política de biossegurança. Após ser apresentado pelo Presidente da República, o projeto sofreu diversas alterações na Câmara dos Deputados e veio ao Senado Federal.

Tive a oportunidade de acompanhar as negociações na Câmara dos Deputados e de analisar com profundidade o texto aprovado por aquela Casa. Estou convencido de que o Senado Federal poderá dar uma valiosa contribuição para o aperfeiçoamento daquele texto.

Isso porque esse texto que está em tramitação apresenta pontos questionáveis, cria processos decisórios extremamente burocráticos e morosos, os quais, se colocados em prática, retardarão, por anos e anos, o desenvolvimento da transgenia em nosso País, não somente no campo da pesquisa, como também na sua utilização comercial. Além do mais, do jeito como está, implantar-se-á no Brasil, mais uma vez, uma “moratória branca”, alimentada pela sistemática burocrática, que propõe ou que deixa, inclusive, de privilegiar os conhecimentos científicos dos nossos pesquisadores.

Como está o texto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, haverá um engessamento da pesquisa de OGM no Brasil que comprometerá especialmente a Embrapa, o grande patrimônio científico brasileiro, e, de imediato, o setor de produção de sementes no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao finalizar este breve pronunciamento, quero alertar os Membros desta Casa para a necessidade de assumirmos o compromisso de iniciar desde já as discussões e a negociação do projeto de biossegurança, agora em tramitação no Senado, para que, assim, possamos deliberar sobre essa matéria com conhecimento de causa e, devido a ser um assunto difícil, mas estratégico, com o tempo necessário. Não podemos deliberar sobre matéria de tal importância e de tão extensa repercussão sob o calor de emoções idealistas ou sob o efeito de argumentos empíricos e sentimentalistas, que deixam de lado os argumentos gerados no campo da ciência.

Não podemos nos deixar levar pelos apelos daqueles que desejam, na verdade, apenas criar barreiras ao uso de transgenia no Brasil. Não podemos, mais uma vez, repetir os erros do passado e deixar passar a oportunidade de tratar esse tema com a seriedade, o compromisso e a segurança exigidos.

Antes de terminar, eu gostaria de ouvir os apartes solicitados pelos eminentes Senadores Leomar Quintanilha e Alvaro Dias, respectivamente.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Jonas Pinheiro, não ouvi parte do importante pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde à Casa, porque tive que desempenhar outra ação fora do plenário. Entretanto, conheço a posição de V. Exª, pois já havíamos conversado anteriormente sobre o perigo de o Brasil perder uma grande oportunidade, em razão do imbróglio, principalmente jurídico-burocrático, que está impedindo e dificultando o desenvolvimento da transgenia neste País. Ora, já pudemos verificar a excelência do trabalho prestado pelos cientistas da Embrapa. Eles já nos apresentaram, reiteradas vezes, diversos cultivares por eles desenvolvidos e explicaram-nos a importância da inserção do País na modernização da atividade agrícola. Para isso, a transgenia é bastante relevante. Portanto, mesmo não tendo ouvido o pronunciamento de V. Exª, sei que V. Exª defende que o País deve cuidar deste assunto com a maior rapidez, sob pena de ficarmos em atraso diante do mundo desenvolvido, que tem obtido diversos progressos com a transgenia. Aqui no Brasil, o assunto é muito mais de natureza comercial do que científica ou ambiental, porque fala-se muito, discute-se muito e proíbe-se o uso da soja transgênica, enquanto muitos outros produtos estão sendo consumidos, como a batata, o algodão, o milho, a canola, a insulina, que tem trazido tantos benefícios aos diabéticos. Portanto, cumprimento V. Exª e trago a minha solidariedade pelo pronunciamento que faz à Casa.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Muito obrigado, eminente Senador Leomar Quintanilha. Realmente, temos conversado sobre esse assunto há alguns anos. Por isso, incorporo, com muito prazer, o aparte de V. Exª ao meu humilde pronunciamento. É verdade: são 75 milhões de hectares de terras ocupadas com a agricultura transgênica em todo o mundo. Alguns dizem que a transgenia faz mal ao meio ambiente. Ora, meu Deus do céu, quem usa algodão Bt, do Bacillus thuringiensis, aplica inseticida na sua lavoura apenas uma ou duas vezes; mesmo assim, contra outro tipo de pragas que não sejam as chamadas lagarta-rosada, lagarta-da-maçã ou curuquerê, as três piores pragas do algodão. Quem não usa o Bt tem que aplicar, de 10 a 15 vezes, o agrotóxico na sua plantação. É apenas um pequeno exemplo em prol da idéia de que o meio ambiente não é prejudicado, mas é apoiado pela transgenia na agricultura.

Com muito prazer, como o meu tempo ainda me permite, quero ouvir o aparte do eminente Senador Alvaro Dias, do Paraná, Estado em que estamos tratando desse problema com muitas complicações.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Jonas Pinheiro. V. Exª, sempre muito oportuno, defende a produção, a produtividade com qualidade e a preservação da saúde dos brasileiros. Ora, não podemos ficar atrelados ao que é retrógrado enquanto constroem um mundo novo lá fora, com avanço e modernidade. V. Exª tem razão quando pede alterações na proposta oriunda da Câmara. Creio que é fundamental alterar essa lei de biossegurança votada pela Câmara dos Deputados. Pelo menos quatro pontos cruciais devem ser alterados, a favor do avanço e da modernização. Não podemos também retardar essa tramitação em função dos acontecimentos no Brasil. E V. Exª acompanha de perto o que ocorre no meu Estado, o Paraná, onde a intransigência do Governo local produz um prejuízo incalculável aos produtores rurais, às cooperativas, às transportadoras, enfim, ao Estado e ao País, como se o Estado fosse uma ilha e como se o Paraná fosse uma República, dispensado das obrigações com a legislação da União. Senador Jonas Pinheiro, cumprimento V. Exª pela competência com que sempre aborda essa questão.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias. Fico imaginando o seguinte: se 80% dos gaúchos usam produtos transgênicos, será que se pode dizer que eles estão fora da realidade por estarem se sujeitando, mesmo de forma ilegal - hoje legal por força de duas medidas provisórias, as de nºs 103 e 131 -, aos transgênicos? Será que querem afrontar o Governo em função disso ou será que aqueles que não querem a transgenia no Brasil querem, de fato, desmoralizar aquilo que está dando certo em nosso País?

Senador Alvaro Dias, o Estado de V. Exª, o Paraná, líder da agricultura no País, tem exportado para outros Estados os conhecimentos adquiridos naquela terra.

O Senador Leomar Quintanilha falou das pesquisas que temos, mas não podem ser usadas. Já existem 1,6 mil hectares de transgênicos sendo brindados: são usados em pesquisa, mas não podem ser utilizados normalmente. No Estado de V. Exª, Senador Alvaro Dias, a Coodetec, Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento Tecnológico e Econômico Ltda., tem 1,2 mil hectares de cultura transgênica pesquisada, pronta para liberar esse produto para todo o Brasil.

Agradeço e incorporo, com muito prazer, o aparte de V. Exª ao modesto pronunciamento que faço, hoje, sobre transgênicos, dizendo mais: que as Comissões por onde tramitará o projeto, que trata também de biotecnologia, que está chegando, ou que já chegou as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, de Assuntos Sociais e de Assuntos Econômicos - e deve ser aprovado nesta Casa um requerimento do eminente Senador Osmar Dias, pedindo que vá para a Comissão de Educação -, evidentemente, elas deverão fazer um trabalho conjunto, para que se apresse a aprovação desse projeto que veio da Câmara para o Senado Federal.

Portanto, Srª Presidente, peço desculpas pelo minuto de atraso e concluo dizendo que temos que ter, no mínimo, o compromisso de aprender com a História.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2004 - Página 8655