Discurso durante a 30ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Medidas do governo federal na área de educação.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.:
  • Medidas do governo federal na área de educação.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2004 - Página 9208
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • CRITICA, GESTÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, COMENTARIO, TROCA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PROTESTO, EXTINÇÃO, PROGRAMA, ESPECIFICAÇÃO, AVALIAÇÃO, CURSO SUPERIOR, CREDITO EDUCATIVO, REPUDIO, ALTERNATIVA, GOVERNO, FAVORECIMENTO, ESCOLA PARTICULAR.
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, NORMAS, ABERTURA, FACULDADE, FAVORECIMENTO, MONOPOLIO, EMPRESARIO, ENSINO SUPERIOR, PREVISÃO, AUMENTO, BUROCRACIA, CORRUPÇÃO.
  • DEBATE, IMPLANTAÇÃO, COTA, NEGRO, INDIO, PESSOA DEFICIENTE, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, ACESSO, UNIVERSIDADE FEDERAL, DEFESA, ORADOR, AUTONOMIA, UNIVERSIDADE, DEFINIÇÃO, SISTEMA, EXAME VESTIBULAR, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, CRITICA, GOVERNO, ANUNCIO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, REITOR.
  • COMENTARIO, PROBLEMA, ENSINO MEDIO, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, ESTUDO TECNICO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ANTERIORIDADE, PROPOSTA, PROGRAMA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou aproveitar esta oportunidade para esfriar os ânimos deste Plenário. A fim de voltarmos a discutir efetivamente os temas nacionais, vou dar algumas palavras sobre o setor de educação.

A educação está sendo mal conduzida por este Governo, não está sendo conduzida de forma técnica. Não se estão considerando as pessoas que trabalham, ou trabalharam, anos e anos, no setor educacional. Gostaria de fazer algumas observações sobre o que penso estar acontecendo com a educação.

No Brasil, o setor é estruturado legalmente. Ao contrário, por exemplo, do setor de saneamento, que não tem um marco regulatório, no qual ninguém sabe qual a atribuição de A, de B ou de C. Isso não acontece com o setor educacional. Temos um capítulo na Constituição, aprovado por acordo de todos os Partidos na Constituinte. Temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1996, depois de tramitar nesta Casa por 10 anos, de que tive a honra de ser o Relator final da reforma na Câmara, e temos o Plano Nacional de Educação, que também tramitou no Senado, do qual também fui Relator. Então, há toda uma estrutura legal. Trata-se de um sistema que vem evoluindo, do ponto de vista quantitativo principalmente - há uma série de questões qualitativas -, mas que deve ser alterado com responsabilidade, levando-se em conta o que já está colocado em toda essa legislação que acabei de citar.

Ocorre, em primeiro lugar, que o Governo nomeou Ministro da Educação o nosso colega Senador Cristovam Buarque, ligado ao setor, ex-Governador do Distrito Federal e ex-Reitor da Universidade de Brasília - UnB. S. Exª acompanha toda a questão social brasileira, escreve a respeito e tem sido sempre, sem sombra de dúvida, um defensor da melhoria da qualidade de vida da população mais pobre.

O Ministro Cristovam Buarque, em um ano no Ministério, iniciou uma série de programas. Creio que se existe uma crítica que se possa fazer ao Ministro é por excesso de programas diferenciados criados por S. Exª, porque faltou um pouco de foco em alguns programas fundamentais. Mas a verdade é que havia toda uma estrutura para atender aos problemas das áreas mais carentes, como o analfabetismo. Após um ano de Governo, Senador Heráclito Fortes, o nosso companheiro Cristovam Buarque foi demitido por telefone, quando representava o Brasil em Lisboa, Portugal. Foi um absurdo o que fizeram com o nosso companheiro Senador Cristovam Buarque, com a história que tem S. Exª.

Nomeou-se, então, o Ministro Tasso Genro para a educação. Na verdade, o Ministro Tasso Genro não é do setor educacional, mas era considerado um executivo importante no PT. Dizia-se até que se Lula não fosse candidato a Presidente ele seria em seu lugar. Mas, desde que chegou ao Ministério da Educação, S. Exª está cometendo uma série de trapalhadas - esse é o termo certo -, está desprezando toda a cultura técnica que possui o Ministério para cometer uma série de trapalhadas. Vou citar algumas aqui.

A primeira, que começou com o Ministro Cristovam Buarque, foi o fim do Provão. Eu trouxe uma edição da revista Veja, que traz na capa um desenho do Lula carregando o José Dirceu. Eu não queria mostrar isso, mas, infelizmente, tive que mostrar. Na realidade, o que quero mostrar é a manchete seguinte: “Os 260 melhores cursos do Provão”. Veja bem, Senador Romero Jucá, a Veja, uma das mais importantes revistas semanais, dedica-se a fazer uma matéria de dez, doze páginas sobre o ensino superior, levando em conta os resultados do Provão. Isso demonstra que o Provão é importante, e os jornais e revistas mais importantes do Brasil - Folha de S.Paulo, O Globo, Estado de S. Paulo - levavam em conta os seus resultados.

Questionam se o Provão era perfeito. Nada é perfeito, tudo merece ser melhorado. Mas o que fez o Governo? Acabou com o Provão. Então, no ano que vem, se a Veja quiser fazer essa matéria, informar sobre os melhores cursos do Brasil, não será possível porque o sistema que montaram é burocrático, ineficiente e sem credibilidade. Nenhum órgão de imprensa sério pode levá-lo em conta. Foi grave acabar com o Provão.

Hoje mesmo me admirei de uma manchete intitulada: “Lula quer Provão para o Ensino Fundamental”. Ora, Sua Excelência quer acabar com o provão para o ensino superior e quer um provão para o ensino fundamental? O ensino fundamental tem um sistema de avaliação próprio, mas com outro nome. O Presidente Lula, que não entende nada disso - essa é a verdade - emite a opinião de que deve haver um provão, quando já existe um programa de avaliação.

Considero grave o fim do provão.

Segundo ponto: o Governo quer acabar com o Fies, que é um sistema de financiamento do ensino superior pelo qual os estudantes de escolas privadas recebem um financiamento a ser pago após terminarem o curso.

Tenho em mãos uma matéria do Correio Braziliense, intitulada “Órfãos do Fies”. Uma série de estudantes precisava do Fies, que foi extinto, não receberá mais inscrições. Por quê? Porque o Ministro resolveu criar um programa de compra de vagas nas universidades privadas, as chamadas vagas ociosas.

Ora, trata-se de um programa para beneficiar não o estudante, mas o dono da faculdade que está com a vaga ociosa. Regra geral, as vagas ociosas, Senador Romero Jucá - não sei funciona assim em Roraima -, ocorrem quando a escola é ruim ou quando o curso é ruim. Em curso bom e em escola boa não existe vaga ociosa, Senador Pedro Simon. As minorias - negros, índios e estudantes provenientes de escolas públicas - terão reservadas para elas as vagas ociosas das escolas que não prestam, e vamos pagar para viabilizar essas escolas.

Portanto, esse programa beneficia muito mais os donos das escolas do que os alunos, que não querem ser beneficiados por vagas ociosas em escolas ruins, mas sim por vagas boas em escola pública, ou então com o financiamento, na escola que escolherem. Fora disso, serão beneficiados aqueles que exploram o ensino privado no Brasil.

E outro ponto: o Ministro também está mudando as regras para autorizar a abertura de faculdades. Atualmente qualquer pessoa pode propor a criação de uma faculdade em determinado lugar. O Conselho Nacional de Educação decide sobre o pleito, mas a iniciativa pode ser de qualquer empresário ou educador que queira abrir uma faculdade.

Conforme a nova regra que o Ministro pretende implantar, o Governo é que define onde a faculdade pode ser aberta. Com isso, quem se beneficia? Os atuais donos de faculdade, porque ganharão um monopólio. Sempre que se pretender abrir uma faculdade em um lugar em que já exista uma, o dono alegará a existência da sua para impedir que outra seja criada. Então, o Governo não poderá propor um local onde já exista uma faculdade.

Quando há monopólio, em qualquer setor da economia, o que acontece? Aumenta o preço e diminui a qualidade. Esse modelo que S. Exª pretende implantar já foi aplicado em diversos segmentos. Antigamente - acredito que todos devem se lembrar -, para se abrir um posto de gasolina, era preciso haver autorização de um burocrata qualquer. E o que isso gerava? Corrupção. A pessoa pagava a esse funcionário para ter a autorização. A corrupção, por sua vez, gerava o monopólio, pois onde havia um posto não poderia haver outro. Então, não havia concorrência.

Na realidade, o sistema que se pretende implantar gerará, em primeiro lugar, monopólio. Como conseqüência, haverá aumento de preço e piora da qualidade. Em segundo lugar, gerará corrupção, porque os donos das escolas atuais impedirão que se abram outras escolas.

Outro problema que considero gravíssimo são as cotas. Na realidade, Sr. Presidente, a sociedade brasileira, muito justamente, tem se mobilizado para que sejam implantadas cotas para minorias - negros, índios, pessoas provenientes de escolas públicas, deficientes físicos, etc. Aqui no Congresso mesmo, temos projetos de diversos Senadores e Deputados propondo cotas. Um propõe 30% para negros, outro propõe 20% para estudantes provenientes de escolas públicas. Existe até um projeto bastante radical da Senadora Ideli Salvatti segundo o qual as vagas nas escolas públicas seriam proporcionais à origem do aluno. Por exemplo, se, em um lugar, 80% dos estudantes vêm da escola pública, 80% das vagas nas universidades seriam para os estudantes da escola pública. Existem projetos de todo tipo, para todos os gostos. E a Comissão de Educação do Senado já está perto de aprovar a utilização de 100% das vagas. Daqui a pouco o estudante normal será minoria, Senador Romero Jucá.

Eu defendo, em primeiro lugar, que as universidades têm que ter autonomia. É o que está na Constituição. Temos de incentivar as universidades para que elas criem os seus sistemas próprios para receber esses alunos. E elas criarão, como algumas já fizeram. Antes mesmo da aprovação desse projeto, uma universidade do Rio de Janeiro já criou o seu sistema. Outra está criando agora. No entanto, cada uma tem suas regras, estabelecidas por pessoas que entendem muito mais do assunto do que nós, que apresentamos projetos.

Apresentei também um projeto, em que mencionei o art. 53, item XI, da LDB, que trata das universidades e de seus processos de seleção, nos seguintes termos:

Instituir, nos processos seletivos de ingresso nos cursos de graduação e pós-graduação, critérios que contemplem o acesso de estudantes e segmentos da sociedade com menor renda e de grupos étnicos desprivilegiados, bem como dos que tenham cursado a educação básica na rede pública de ensino.

Portanto, definimos na lei que as universidades deverão, efetivamente, levar em conta determinados critérios, e cada universidade, dependendo do local onde esteja, definirá a forma como realizará esse trabalho. Com isso, não precisamos de mais nada. Mesmo assim, o Governo anunciou que editará mais uma medida provisória - deverá ser a centésima a chegar a esta Casa - para fazer que isso seja efetivado.

Creio que, na realidade, temos que defender a autonomia universitária. Temos que incluir na medida provisória que virá do Governo ou nesses projetos uma regra que obrigue a universidade a levar em conta esse critério. Mas que cada universidade resolva isso de acordo com seus princípios, de acordo com o pensamento de seu conselho universitário e com a sociedade que a cerca, que pressionará e discutirá a realização desse processo.

Em relação ao ensino de segundo grau, na verdade, não vemos nada. O ensino médio é, no Brasil, o que tem piores condições. O ensino fundamental, bem ou mal, tem o Fundef; o ensino superior tem o ensino privado, tem o Fies, tem as universidades públicas federais. O ensino médio, entretanto, não tem nada, e está cada vez mais pressionado e em situação mais difícil, porque o ensino fundamental está melhorando a qualidade e aumentando a quantidade de alunos que forma.

O PT, quando era Oposição, sempre alegou que o Fundef tinha um valor muito baixo: em torno de R$500,00 por aluno. Realmente é baixíssimo, mas, na realidade, durante dois anos, o Governo não aumentou nada. O valor permaneceu o mesmo. O PT dizia que o valor deveria ser R$750,00, mas ainda não promoveu esse aumento, e o Fundef está na mesma situação, nem pior, nem melhor. Mas não está como o PT dizia que devia estar.

Um projeto do Senador Chiquinho Escórcio - que inclusive é assessor do poderoso Ministro José Dirceu - foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Faço um apelo ao Presidente para que o coloque em pauta, porque ele aumentaria esses valores.

E há aquela idéia, constante de um projeto da Bancada do PT na Câmara, de criar o Fundeb, um fundo que incluiria todo o ensino básico, da educação infantil ao ensino médio. Considero polêmico esse sistema, porque o Fundef constitui-se de recursos estaduais, federais e municipais, enquanto o Fundeb tem uma parte do ensino médio, que é responsabilidade só do Estado, e uma parte da educação infantil, que é responsabilidade só do Município. Quando se misturar tudo, e principalmente se não se aumentarem os recursos, corremos o risco de não melhorar a educação infantil, não melhorar o ensino médio e de piorar o ensino fundamental.

Na realidade, o Governo não se pronunciou até agora sobre o assunto. Dizem que esse é um programa prioritário do Presidente Lula, idéia de Sua Excelência.

Imagino que, antes de mandar esse projeto para o Congresso, o Ministério da Educação deverá fazer que ele seja tecnicamente discutido. A questão técnica, no Ministério da Educação, foi completamente desprezada, Senador Romero Jucá. Hoje em dia, cada Ministro chega com sua idéia, que, no outro dia, vira medida provisória, que é mandada para o Congresso. O sistema educacional, que não é bom e que precisa melhorar, está correndo sério risco de piorar devido a essa atuação atrapalhada, desastrada.

Sr. Presidente, terminarei meu discurso fazendo um apelo aos reitores das universidades federais e à comunidade universitária de uma maneira geral para que defendam a autonomia universitária. Não vejo declarações nem movimentos dos reitores nem dos conselhos universitários para que a autonomia universitária seja preservada. As universidades têm esse direito, e não poderá um governo, poderoso durante 15 ou 20 minutos, acabar com a autonomia universitária.

A questão das quotas é importante, mas tem de ser decidida por cada universidade, inserida no seu contexto, e não por medida provisória ou por um Ministro que ocupe o cargo por um ou dois meses e que, na realidade, não entende os princípios fundamentais que nortearam e que norteiam a educação brasileira.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2004 - Página 9208