Discurso durante a 48ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do mecanismo de crédito sobre remuneração recebida.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Análise do mecanismo de crédito sobre remuneração recebida.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2004 - Página 11921
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRÃ-BRETANHA, PROGRAMA, TRANSFERENCIA, RENDA, DEFESA, CONCESSÃO, RENDA MINIMA, DEBATE, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente desta sessão, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, inúmeros Senadores fizeram análise hoje sobre o valor do salário mínimo.

Gostaria de chamar a atenção a respeito de um instrumento que existe nos Estados Unidos da América e em outros países. Tenho reiterado que, se não estivermos atentos para os mecanismos que existem nesses outros países, estaremos desconsiderando algo de grande relevância.

Ressalto que, ainda na semana passada, o Governo brasileiro e a imprensa mundial reconheceram a importância e elogiaram a vitória do Brasil na Organização Mundial do Comércio, segundo a qual os Estados Unidos não poderão colocar mais subsídios que, segundo o Embaixador Rubens Ricupero, um profundo estudioso da matéria, no último ano ou nos últimos anos, estimam-se em valores da ordem de três a quatro bilhões de dólares.

Quero alertar para o fato de que, se o Governo brasileiro, os produtores nacionais, sobretudo do agronegócios, dos produtos agrícolas, têm-se preocupado com os grandes subsídios que os governos dos Estados Unidos e da Europa que provêm a agricultura o montante de subsídios tão significativos, Senador Ney Suassuna, e com respeito às transferências de renda que governos como o dos Estados Unidos e da Europa fornecem a seus trabalhadores?

Sr. Presidente Senador Mão Santa, vou fazer uma pergunta a V. Exª. Sabe V. Exª que, se um trabalhador nos Estados Unidos tiver uma renda inferior a algo como US$34 mil anuais, se ele tiver na sua família, a mulher e dois filhos ou mais, que ele passa a ter direito a um crédito fiscal? Por exemplo, se a remuneração desse trabalhador for da ordem de US$12 mil, ele passa a receber mais US$4,204.00 e sua remuneração vai de US$12 mil para US$16,200.00. Portanto, ele recebe US$4,200.00 a mais.

Trata-se daquilo que eles denominam de um crédito por remuneração recebida. O que isso significa? Significa que um trabalhador, tendo uma renda insuficiente para que atinja o patamar considerado de pobreza, tem direito de receber um crédito a mais. Significa que a sociedade norte-americana resolveu considerar que aquelas pessoas que trabalham e que recebem determinado valor de rendimento, mas esse rendimento não atinge determinado patamar, vão receber um crédito pela remuneração recebida.

Ora, qual o efeito disso para a economia? De um lado, o trabalhador passa a ter maior grau de satisfação e tem um estímulo para estar trabalhando. Recebendo esse recurso a mais, vai estar gerando maior demanda por bens de serviço, inclusive de primeira necessidade. Isso estimula a economia, inclusive segmentos da economia que, de outra maneira, estariam com menor estímulo à sua atividade econômica. Graças a esse mecanismo, que, portanto, é um instrumento de estímulo à atividade econômica, a economia passa a ter maior estímulo, aumentando o nível de emprego na economia.

Do ponto de vista das empresas, isso significa que seus trabalhadores, além da remuneração que recebem, estão recebendo algo a mais. Só que esse pagamento vai diretamente aos trabalhadores.

Não há dúvida de que, do ponto de vista do conjunto das empresas, elas estão com um grau de competitividade maior do que se não existisse esse mecanismo. Portanto, a economia norte-americano por ali haver esse de denominado Earned Income Credit ou crédito por remuneração recebida tem um maior grau de competitividade em relação às economias como a nossa e de outros países inclusive dos países em desenvolvimento, que não têm tal mecanismo.

O Governo brasileiro poderia chegar na OMC e dizer:“olha, vocês não podem estar pagando esse subsídio aos trabalhadores dos Estados Unidos, senão atrapalha a nossa economia”. Mas será que eu iria fazer essa recomendação ao Governo brasileiro? Não, Presidente Mão Santa, não faria.

O que fez o Reino Unido pelo fato de, nos Estados Unidos, haver esse crédito por remuneração recebida? Criou também um sistema que se denomina o Family Tax Credit que, da mesma forma, provê um complemento de renda às famílias de trabalhadores que, em trabalhando, estão recebendo uma complementação complementada pelo conjunto da sociedade nos Estados Unidos, na Inglaterra ou no Reino Unido, pelos britânicos.

Então gostaria de assinalar que também precisamos ver isso.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador, permita-me um pequeno aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra. Deixe-me apenas completar esse pensamento, para que V. Exª, então, faça a sua reflexão.

Portanto, nos Estados Unidos, Senador Ney Suassuna, na hora de estabelecerem qual o salário mínimo, levam em consideração também que existe esse instrumento. Sabe V. Exª quanto se pagou e a quantas famílias de trabalhadores, no ano passado? Mais de 20 milhões de famílias receberam esse crédito fiscal, por remuneração recebida, agora denominado simplesmente earned income credit, que é o crédito por remuneração recebida, da ordem de mais de US$ 37 bilhões. Então avaliamos como importante que a OMC diga aos Estados Unidos para brecarem esse subsídio de US$3 a US$4 bilhões aos produtores de algodão. Mas, ao conjunto de mais de 20 milhões de famílias, correspondendo a mais de 50 milhões de pessoas, nos Estados Unidos, provê-se um crédito adicional dessa ordem.

Felizmente, Senador Ney Suassuna, o instrumento ao qual me refiro já está até aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente, e poderá o Governo adotá-lo, gradualmente, de forma crescente. Mas quero assinalar...

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Suplicy, era exatamente sobre isso que eu ia tratar.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª com muita honra.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Quando cheguei aqui, na primeira Legislatura, eu via V. Exª fazendo a pregação da renda mínima e, tanto para mim como para a maioria dos Senadores que não se debruçaram sobre o assunto, isso poderia parecer estranho. Hoje, estou convicto de que V. Exª tem razão e que esse instrumento alargaria a economia, motivaria, dinamizaria e faria justiça social. Quero, ao encerrar, louvar a persistência de V. Exª. Em algumas horas, fui Relator do projeto de V. Exª e de tanto lê-lo terminei realmente convencido. Só tenho pena de que ele não esteja sendo aproveitado como devia, porque era uma forma de se ativar todo esse fluxo, todo esse conjunto. Só posso dar a V. Exª, hoje, depois que tomei conhecimento, parabéns. Continue nessa persistência que vamos chegar lá.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado, Senador Ney Suassuna.

Ressalto que esse instrumento do crédito por remuneração recebida, instituído nos Estados Unidos em 1975, depois de uma discussão a respeito do Imposto de Renda negativo, que quase foi aprovado nos anos 1970 e 1971, acabou sendo aprovado pela Câmara dos Deputados, a House of Representatives, e negado por dez a seis na Comissão de Finanças. E ali havia uma preocupação de alguns Senadores: será que vamos pagar um Imposto de Renda negativo mesmo a quem não esteja trabalhando? E disseram que sim, e alguns Senadores não desejaram aprovar daquela maneira, não compreendendo como isso poderia ter uma conseqüência tão positiva.

Mas, em 1974, o Senador Russell Long, democrata de Lousiana, apresentou a proposta da formação do Earned Income Tax Credit, crédito fiscal por remuneração recebida, que foi aprovado e, desde então, bastante expandido. Esse instrumento, dada a sua expansão, fez com que a taxa de desemprego dos Estados Unidos fosse bem menor do que antes da sua existência.

A forma mais racional de se prover uma melhoria de remuneração dos trabalhadores e de toda a população, os economistas têm expressado, é por meio da renda básica incondicional. Porém, o crédito fiscal por remuneração recebida é um passo importante nessa direção. Nos Estados Unidos, está integrado com o sistema do imposto de renda do lado positivo e do lado desse crédito por remuneração recebida aos que recebem menos.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, regimentalmente, a sessão tem duração de quatro horas. Prorrogo-a por três minutos, para que V. Exª encerre o seu brilhante pronunciamento. Lembro que hoje o Senado da República completa 181 anos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito bem.

Assim, Sr. Presidente Mão Santa, quero registrar que os Ministros da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho, do Desenvolvimento Social, da Casa Civil, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, toda a equipe econômica, bem como o Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e o vice-Presidente, José Alencar, todos devem estar conscientes desse instrumento que, em outros países, é considerado fundamental até na análise para definição do valor do salário mínimo. Quando houver aqui uma renda básica de cidadania, teremos que analisar tanto a definição do valor do salário mínimo quanto da renda básica de cidadania, para se levar adiante o propósito de erradicar a pobreza absoluta e a fome, melhorar a distribuição de renda e criar uma sociedade justa.

Sr. Presidente, ao concluir quero também cumprimentar, como fez o Senador Antonio Carlos Magalhães e outros colegas, o Senador Marco Maciel, que hoje recebe o seu galardão por ser aceito na Academia Brasileira de Letras e com muito mérito. O meu abraço ao ex-vice-Presidente e Senador Marco Maciel.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2004 - Página 11921