Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao uso indiscriminado de passagens aéreas pelo governo Lula. Cobranças de recursos orçamentários destinados a investimentos no país. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas ao uso indiscriminado de passagens aéreas pelo governo Lula. Cobranças de recursos orçamentários destinados a investimentos no país. (como Líder)
Aparteantes
Alberto Silva, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2004 - Página 14338
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DENUNCIA, FALTA, ETICA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, AUSENCIA, RECURSOS, INVESTIMENTO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), SEGURANÇA PUBLICA, SAUDE, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PASSAGEM AEREA, DIARIAS, HOSPEDAGEM, FUNCIONARIO PUBLICO, REGISTRO, DADOS, SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA (SIAFI), IMPRENSA.
  • CRITICA, DESVIO, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, AUSENCIA, RECUPERAÇÃO, RODOVIA, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR).
  • CRITICA, AUTORITARISMO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESRESPEITO, LIBERDADE DE IMPRENSA, CASSAÇÃO, VISTO PERMANENTE, JORNALISTA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, MOTIVO, DIVULGAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, ACUSAÇÃO, CONDUTA, CHEFE DE ESTADO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Esta Província de Santa Cruz, além de ser fértil, é certo ser também mui rica, e haver nela ouro e pedraria, de que se tem grandes esperanças

Pero Magalhães Gândavo

No Livro Um Cara Bacana na 19ª, do escritor Aldir Blanc, destaca-se um pequeno conto, chamado Escândalos, que trata do encontro de dois amigos. Um é empreiteiro regenerado da corrupção e o outro um advogado ilustre, defensor de traficantes e donos de escolas particulares. O começo do diálogo tem início na queixa do empreiteiro de que o seu grande problema é que os negócios vão bem e ele não está envolvido em nenhuma falcatrua.

O advogado lhe dá parabéns, mas lamenta perder a oportunidade de defendê-lo. O tocador de obras então desabafa a razão do infortúnio. Por ter decidido ser honesto, os colegas de profissão passaram a desdenhá-lo, seus filhos sofrem pressão na escola e sua mulher lhe deu um ultimato: ou seu nome aparece em um escândalo escandaloso, ou está tudo acabado entre eles.

Para confortá-lo, o advogado acentua que esta deve ser uma sensação terrível e lembra que “no Brasil não há nada mais solitário do que ter razão”. Em seguida, a título de incentivar o amigo, “confessa que está representando as escolas particulares e que elas vão aumentar as mensalidades de maneira exorbitante, fora da lei, uma vergonha”.

No que o empreiteiro responde: “Você é que é feliz!”

O conto satiriza, com muita propriedade, as inversões de valores que operam na sociedade brasileira e fazem os absurdos do cotidiano. Por analogia, podem ser um paralelo do non sense da execução orçamentária do Governo Federal. Conforme terei oportunidade de demonstrar, ao mesmo tempo em que a União nega recursos à segurança pública e desaparece com o dinheiro vivo destinado a recuperar as rodovias, comporta-se com incomum prodigalidade quando o negócio é pagar a conta do vai-e-vem da lulatur. O Brasil ainda não superou a França no ranking do turismo mundial, como previu o primeiro-mandatário em um desses coquetéis do começo do mandato, mas pelo menos a hotelaria e as companhias aéreas já conheceram o espetáculo do crescimento depois que a militância do PT descobriu o prazer de voar e de se hospedar.

Caso o Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fosse analisado, tendo por parâmetro o dispêndio dos recursos públicos com mordomias destinadas à chusma deslumbrada do Partido dos Trabalhadores que se instalou na Esplanada dos Ministérios, com toda a certeza estaríamos falando de um indicador de aproveitamento médio próximo dos 90%. Mas, se o Governo Lula demonstra rara competência para distribuir conforto administrativo na primeira classe e liberar o estipêndio sem burocracia, o desempenho na área de investimentos é precário e desalentador.

Estamos nos encaminhando para a metade do ano e o Governo Lula ainda não teve capacidade de investir em praticamente nenhum segmento, enquanto programas sociais, que efetivamente funcionavam, como o Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), que gera emprego longe do gargalo das grandes cidades, sofrem desmonte por inanição financeira. Dos R$115 milhões autorizados no Orçamento de 2004 para o Pronaf, foram liberados R$38,8 mil. Conforme demonstrou anteontem o jornal O Globo, até o final de abril havia sido realizado apenas 1,7% dos recursos orçamentários destinados aos investimentos. Dos R$12,4 bilhões aprovados pelo Congresso, só foram gastos R$215,3 milhões.

Srªs e Srs. Senadores, há uma clamorosa inversão de finalidade na atividade financeira da União. O pessoal recrutado pelo Partido dos Trabalhadores para gerir os interesses do País, apesar da baixa eficiência administrativa, criou “ilhas da fantasia” na rede hoteleira de Brasília custeadas com o dinheiro público. Conforme dados publicados no jornal Correio Braziliense do último domingo, o Governo Zero sangrou a viúva, nos 16 meses de administração petista, em R$100 milhões para pagar auxílio-moradia e ajuda de custo a Ministros e companheiros de diversos escalões. Isso equivale a 90% de tudo o que foi liberado para o Plano Nacional de Segurança Pública no ano passado. Para se ter noção da gana favoritista do neopatronato de estrelinha na lapela, o Governo Lula conseguiu praticamente dobrar os gastos com o auxílio-moradia. No último ano do governo FHC, a conta ficou em R$14,7 milhões. Em 2003, subiu para R$27,3 milhões.

Os dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) demonstram as diferenças de fluxo no caixa da administração petista: a inclinação perdulária para o supérfluo justifica a exclusão das mordomias, como diria o Ministro Antonio Palocci, do contingenciamento para o cálculo do superávit primário. Mas não há recurso para construir presídios, nenhum foi feito até agora, e as despesas com a conta Equipamentos dentro do Fundo Nacional de Segurança Pública foram rigorosamente iguais a zero.

Sr. Presidente, os números do Siafi mostram singularidades interessantes da execução orçamentária do Ministério da Justiça. O mordomado do Dr. Márcio Thomaz Bastos tinha autorizado, no Orçamento de 2003, R$158 milhões para custear despesas com material de consumo, diária, passagem aérea e hospedagem. No final do exercício financeiro, o Ministério da Justiça conseguiu índice de eficiência de 97,30% no quesito liberação de diária; 95,84% no critério emissão de e-ticket da TAM e 83,86% nos itens papelaria diversa e cafezinho.

Mas, quando foi para aplicar na segurança do brasileiro, o Governo Lula conseguiu executar menos de 30% do Orçamento. Neste ano, o Ministério da Justiça tem cumprido fielmente o contrato de fidelização do secretariado em comissão com os programas de milhagem das companhias aéreas. Já foram torrados 16,96% da verba destinada a passagens e 23,52% a diárias. Aliás, este Governo tem uma obsessão por aeroporto. O gasto com passagens aéreas do Poder Executivo, em 2003, somou R$820 milhões, quase o dobro do investimento no Programa de Combate à Aids. A Controladoria-Geral da União tem ciência desta festa no céu, mas o Governo Lula trata o uso imoderado de passagens aéreas com a maior naturalidade.

Srªs e Srs. Senadores, o Governo vai mal porque não tem capacidade de realização em nenhum setor, mesmo onde existe dinheiro. Vejam o caso da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O tributo foi criado em 2001 para financiar o setor de infra-estrutura de transporte, o subsídio ao álcool e ao gás, programas de proteção ao meio ambiente ligados à indústria do petróleo e ao transporte urbano, mas a finalidade mais visível da Cide é a construção e a recuperação das rodovias.

A Cide é uma dessas tábuas da salvação que todo governo apresenta para asfixiar ainda mais o contribuinte, aumentar receita e não fazer coisa alguma. Não foi o Governo Lula quem criou a Cide, mas é verdade a inépcia atual na aplicação dos recursos no setor de transporte, que já é histórica, e as conseqüências podem ser mensuradas na baixa qualidade da malha rodoviária sob o gerenciamento estatal. De acordo com pesquisa anual da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), em 2003, 82,8% dos 56.798 quilômetros pesquisados foram classificados como deficientes, ruins e péssimos. Por falta de investimentos, a CNT tem a previsão de que, já na próxima safra, haverá no País um “paradão”, espécie de “apagão” rodoviário causado pela falta de manutenção no sistema.

O Brasil está praticamente a pé e sem rumo em uma via rota e esburacada porque o Governo Lula não cumpre o dever constitucional de aplicar a Cide nos fins para os quais foi criado o tributo. Como aconteceu com a CPMF, que deveria ser vinculada ao custeio da saúde, o brasileiro vai ter a mesma decepção com a Cide. Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal, em ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela CNT, declarou que os recursos da Cide só poderiam ser utilizados nas finalidades previstas no §4º do art. 177, inciso II, da Constituição.

Srªs e Srs. Senadores, o Ministério da Fazenda, conforme dados da Secretaria da Receita Federal citados pela CNT, em 2003 conseguiu “esterilizar” 27% ou R$2 bilhões da Cide, recurso que deveria ter sido investido na recuperação das rodovias, mas que foi absorvido pelo caixa do Banco Central para que o Governo alimente o superávit primário e obtenha elogios do Fundo Monetário Internacional. Ao todo, no ano passado, a Cide rendeu à União uma arrecadação bruta de R$7,5 bilhões, mas só R$3,982 bilhões foram aplicados pelo Ministério dos Transportes, sendo que, deste valor, apenas 28% foram destinados a investimentos.

Neste ano, a Cide vai proporcionar uma arrecadação bruta para o Governo Federal de R$8,6 bilhões, mas, até o momento, o Ministério dos Transportes conseguiu executar 3% do Orçamento. No setor de transporte, o Orçamento prevê, na conta Manutenção do Sistema, a destinação de R$250 milhões, mas só foram executados R$1,1 milhão. Na gestão de Políticas de Transporte, o índice de execução foi de 29%, enquanto em Infra-Estrutura de Transportes os investimentos realizados são de zero real em 2004.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - V. Exª me concede um aparte, Senador Demóstenes Torres?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo o aparte ao nobilíssimo Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Eu estava ouvindo o discurso de V. Exª. Evidentemente, como apresentei, há algum tempo, um estudo sobre as estradas brasileiras, mencionei o número de 32 mil quilômetros e a necessidade que temos de, para resolver um problema dessa envergadura, fazer o que se fez no governo passado com o apagão. Lembra-se V. Exª?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Perfeito.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - O problema era tão sério que foi criado algo novo na administração brasileira. Aquilo talvez tenha sido o gênio do Ministro Pedro Parente, uma câmara de gestão, por meio da qual agilizaram-se as ações necessárias, para conter o que quase estava tornando-se calamidade. Então, fiz a sugestão. Caro Senador, o caso das estradas brasileiras é calamitoso.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Perfeitamente.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - São 32,5 mil quilômetros, dos quais 25 mil precisam ter todo o asfalto trocado, e 7,5 mil, o asfalto e a base. Ora, a minha proposta é aplicar da Cide R$1,6 bilhão por ano, para que se façam novos 11 mil quilômetros por ano, não se restringindo a tapar buracos ou a fazer remendos. Então, em três anos, a uma cota de R$1,6 bilhão por ano, haveria 32 mil quilômetros novos de estradas federais. Esse estudo foi feito com base em números que colhi dos construtores de estrada e dos transportadores de carga. Elogio V. Exª por ter abordado o tema, no momento em que o Brasil todo espera uma solução do Governo. Ainda tenho esperança de que o Governo atenderá essa sugestão e criará uma câmara de gestão. Poderia enviar ao Congresso uma MP, que aprovaríamos, ajudando-o a consertar estradas; não a tapar e remendar buracos, mas a fazer estradas novas em todos os Estados brasileiros. Obrigado por ter-me concedido o aparte.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Agradeço-lhe o aparte absolutamente esclarecedor. Tenho ouvido, com muita atenção, os discursos que V. Exª tem proferido. Um dos motivos que me levou a fazer este pronunciamento foi uma pesquisa que realizei em decorrência de um discurso de V. Exª.

Se o Governo, que terá uma arrecadação de R$8,6 bilhões com a Cide, atendesse sua sugestão e destinasse esses menos de R$2 bilhões para essa finalidade, estaríamos com o problema resolvido. Falta amolecer um pouco a cabeça do núcleo duro.

Ouço o Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Demóstenes, V. Exª chegou a um tópico muito importante do seu discurso. Em verdade, a Cide é uma contribuição que tem finalidade específica. Lamentavelmente - tem sido assim através dos tempos -, os recursos oriundos dessa contribuição não são aplicados na finalidade a que se destinam. Isso parte da concepção de que investimento é despesa; essa é a realidade. Quer dizer, é preciso que haja compreensão, por parte das autoridades do Poder Executivo, que investimento não é despesa, mas algo indispensável para melhorar a produtividade, para ajudar o crescimento econômico. Se não fizermos investimento naquilo que é essencial para o País, como vamos crescer? O que esperamos do País?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Com certeza.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Então, se V. Exª me permite, se nos comprometemos com o Fundo Monetário Internacional em um superávit primário de 4,25% e conseguimos quase 6%, por que pagamos tudo aquilo de juros? Por que não aplicamos esse excedente em investimentos? São coisas que positivamente estão escapando à lógica, ao raciocínio, ainda mais quando vemos a crise social e o desemprego aumentando e a classe média cada vez mais sacrificada. E há o problema dos excluídos, que querem ser incluídos. Falam em incluí-los, e os excluem cada vez mais. Quer dizer, a política de somente pagar juros não pode continuar. É necessário haver investimentos, e, para isso, é preciso mudar a concepção. Investimento não é despesa, mas aplicação para se gerar riqueza no País.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Eu concordo perfeitamente com o que V. Exª disse. Peguemos o exemplo dos fundos constitucionais ou legais, que, quase todo ano, são contingenciados. Quase todo ano, o dinheiro arrecadado pelo Funpen não é empregado na sua finalidade precípua, que é a construção de presídios. De um ano para outro, no Brasil, Senador Ramez Tebet, vimos crescer o déficit de 57 mil para 117 mil vagas no sistema prisional. Então, estamos vivendo um estado de calamidade gritante - talvez, seja esse o 28º estado, citado aqui, outro dia. Precisamos efetivamente passar a investir, para tentar colocar o Brasil nos trilhos.

Neste ritmo, o Governo não vai cumprir a meta de recuperar 7 mil quilômetros da malha rodoviária até o final do ano, como não haverá recursos para o anunciado renascimento do sistema ferroviário brasileiro, que tanto faz os olhos do Presidente Lula lacrimejar. A CNT calcula que “para resgatar o sistema rodoviário e dar o mínimo de condições de trafegabilidade às estradas” seriam necessários R$7 bilhões. Isso quer dizer que a conta é anualmente paga pelos contribuintes, mas o Governo mantém o Brasil no buraco, por falta absoluta de interesse público e competência.

Só essa incompetência gerencial pode justificar o fato de o Presidente Lula, durante reunião com Lideranças políticas da Base aliada, ter-se jactado de expulsar do País o repórter do jornal The New York Times, Larry Rohter. Sua Excelência garantiu que o cancelamento do visto do jornalista serviria de lição para que outros não tivessem a ousadia de criticar o Presidente. Trata-se de uma atitude de desespero, revanchista, intolerante, inepta, autoritária, desproporcional ao agravo da matéria e absolutamente infeliz. A expulsão do jornalista fere a liberdade de expressão e de imprensa, além de paginar o atestado de incompetência de um Governo trôpego.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2004 - Página 14338