Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o relatório da Comissão Externa das Questões Fundiárias do Senado Federal referente ao Estado de Roraima e a respeito das respectivas providências tomadas pelo Poder Judiciário.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários sobre o relatório da Comissão Externa das Questões Fundiárias do Senado Federal referente ao Estado de Roraima e a respeito das respectivas providências tomadas pelo Poder Judiciário.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2004 - Página 14585
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, TRABALHO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, INVESTIGAÇÃO, CONFLITO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), CONTRABANDO, DIAMANTE, ESTADO DE RONDONIA (RO), EXPECTATIVA, ORADOR, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TERRAS INDIGENAS.
  • DETALHAMENTO, RELATORIO, COMISSÃO, REFERENCIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, EXCLUSÃO, RESERVA INDIGENA, AREA, SEDE, MUNICIPIOS, RODOVIA, PARQUE NACIONAL, PROPRIEDADE RURAL, TITULARIDADE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), FAIXA DE FRONTEIRA.
  • REGISTRO, DECISÃO JUDICIAL, CONCESSÃO, LIMINAR, OPOSIÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PROPOSTA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), REFORÇO, SUGESTÃO, RELATORIO, COMISSÃO, SENADO.
  • GRAVIDADE, FALTA, FISCALIZAÇÃO, CONTRABANDO, IRREGULARIDADE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, SUBSOLO, RESERVA INDIGENA, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, REGISTRO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, INCLUSÃO, COMPETENCIA, SENADO, ANALISE, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, RESERVA ECOLOGICA, GARANTIA, SOBERANIA, REDUÇÃO, INTERFERENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado criou uma comissão temporária externa para inicialmente ir a Roraima detectar e levantar os conflitos relativos a uma terra indígena que se pretende seja homologada pelo Presidente da República, matéria que já vem, há mais de duas décadas, sendo mal encaminhada pela Funai. Estivemos em Roraima, depois fomos a Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Agora estamos em Rondônia apurando aquele conflito que ocasionou a morte de mais de 30 garimpeiros e já temos requerimento para ir ao Rio Grande do Sul e também ao Pará. O que mostra a dimensão do problema indígena, das terras indígenas no País. Aliás, problema que justifica uma CPI, para cuja criação já há requerimento na Mesa, com 53 assinaturas.

Hoje quero fazer o registro da primeira etapa do trabalho dessa comissão em Roraima. A comissão terminou o seu trabalho, apresentou um relatório, já aprovado, de autoria do Senador Delcídio Amaral, que é do PT do Mato Grosso do Sul, e concluiu resumidamente por sete itens para a demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol: que da proposta apresentada pela Funai sejam excluídas as áreas necessárias a exploração econômica; sejam excluídas as sedes dos Municípios de Uiramutã e das vilas de Água Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum, e respectivas zonas de expansão; sejam excluídas as estradas federais e estaduais presentes na área, permitindo-se o livre trânsito nas referidas vias; seja excluída a unidade de conservação ambiental do Parque Nacional do Monte Roraima, uma unidade importante, que, na verdade, é um marco de fronteira entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil; sejam excluídas as áreas tituladas pelo Incra e aquelas referentes a imóveis com propriedade ou posse anterior ao ano de 1934; que seja convocado o Conselho de Defesa Nacional para, de acordo com o art. 91, § 1º, III, da Constituição Federal, opinar sobre o efetivo uso das áreas localizadas na faixa de fronteira, repito, entre Brasil, Guiana e Venezuela; seja excluída a faixa de 15 quilômetros ao longo da fronteira do Brasil com esses dois países.

Pois bem, o relatório da comissão externa do Senado foi encaminhado ao Presidente da República para contribuir para uma decisão equilibrada, justa, que possa atender a todas as partes envolvidas. É bom frisar que os índios moradores dessa região, na sua maioria, defendem a proposta que a comissão externa do Senado apresentou.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o mais importante e o que quero frisar é que esse trabalho da comissão externa do Senado, que tenho a honra de estar presidindo, teve o respaldo, vamos dizer assim, de uma decisão judicial do juiz federal de Roraima Dr. Hélder Girão Barreto, que conclui da seguinte forma:

Diante do exposto e do que consta dos autos, defiro a intervenção dos terceiros interessados.

 

E foram várias as pessoas que entraram como interessadas numa ação popular que já estava em curso. Entramos eu, o Deputado Luciano de Souza Castro, a Deputada Maria Suely Campos e um líder indígena. Nós quatro entramos como co-autores dessa ação pedindo o deferimento de uma liminar, já que o Ministro da Justiça havia anunciado publicamente que a área seria demarcada como quer a Funai, de forma contínua, atendendo apenas ao desejo do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, que, na verdade, hoje, no Brasil, dita as regras na questão indígena.

O juiz diz:

...defiro em parte a liminar para suspender os efeitos da PORTARIA nº 820/98 (fl. 13) quanto aos núcleos urbanos e rurais já constituídos, equipamentos, instalações e vias públicas federais, estatuais e municipais, e, principalmente, o art. 5º do mesmo ato administrativo.

Quer dizer, o art. 5º da Portaria.

Ontem, Sr. Presidente, despachando um agravo que a Funai, a AGU e o Conselho Indígena de Roraima fizeram contra a decisão do juiz, a Desembargadora Federal, Drª Selene Maria de Almeida, deu a seguinte decisão:

No exame sumário e provisório desta decisão, apreciando o pedido de concessão de efeito suspensivo, resolvo excluir da área indígena Raposa Serra do Sol, até julgamento final da demanda, as seguintes áreas:

1 - faixa de fronteira (art. 20, § 2º, da CF/88), até que seja convocado o Conselho de Defesa Nacional, ex vi do art. 91, § 1º, inciso III, da CF/88, para opinar sobre o efetivo uso das áreas localizadas na faixa de fronteira com a Guiana e a Venezuela;

2 - a área da unidade de conservação ambiental Parque Nacional Monte Roraima.

Mantenho a decisão agravada para o efeito de manter excluídos os Municípios, as vilas e as respectivas zonas de expansão; as rodovias estaduais e federais e faixas de domínios e os imóveis com propriedade ou posse anterior a 1934, e as plantações de arroz irrigado no extremo-sul da área indígena.

Ela reformou a decisão no que tange às propriedades titulares depois do ano de 1934 mantendo a proposta da Funai.

Sr. Presidente, essa decisão da Desembargadora reforça, portanto, o trabalho da comissão externa do Senado, que é primoroso. Fomos a todos os locais da região chamada Raposa Serra do Sol, que deveria ser denominada Reserva Serra do Sol e Raposa, porque são regiões completamente diferentes.

A decisão demonstra que é importante o Senado inteirar-se dos fatos e trazer para si a análise do problema e a decisão sobre matéria de tamanha importância, como o é a demarcação de terras indígenas em faixa de fronteira, aliás, na linha de fronteira. O problema já não se limita à faixa de fronteira, mas começa na linha de fronteira com países como a Venezuela e a Guiana, que estão brigando entre si por causa de limites, com os quais a Venezuela não concorda.

As duas áreas que fazem limite com o Brasil, no Estado de Roraima, são complicadas, porque nelas há o problema do narcotráfico e do contrabando de armas. Na realidade, lá existe um verdadeiro desgoverno. E o Brasil não poderia aderir à forma de demarcação proposta pela Funai.

Quero deixar muito claro que fico orgulhoso de o Senado ter tido a iniciativa de criar essa comissão externa temporária, que irá a seis Estados da Federação analisar o problema e que concluiu, no caso de Roraima, pelo respaldo do Poder Judiciário. Embora não tenha ainda transitado em julgado, a decisão demonstra o acerto do Senado ao trazer esse problema para ser discutido no âmbito da Casa que representa a Federação e, portanto, os Estados.

Concedo, com muito prazer, o aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, intervenho no pronunciamento de V. Exª apenas para lhe fazer justiça. V. Exª, por modéstia, não vai dizer o que afirmarei: se o Senado chamou o problema indígena no Brasil para si e quer dar sua parcela de contribuição para solucioná-lo, principalmente no que concerne à demarcação de terras, isso se deve principalmente ao dinamismo e à vontade de V. Exª e dos demais Senadores da Casa. Portanto, V. Exª representa a vontade do Senado, e essa vontade em V. Exª é forte. V. Exª sempre se ocupou desse tema aqui e agora preside a comissão que tem visitado vários Estados da Federação brasileira. V. Exª está satisfeito porque, embora a decisão a que V. Exª se referiu não seja definitiva, esta representa um passo dado pela Ministra no sentido de reconhecer, e justamente, aquilo que a comissão externa vem fazendo. É muito importante que façamos justiça a V. Exª. Entrando no mérito, creio que está na hora de esse problema ser resolvido. Senador Mozarildo Cavalcanti, não sei o que a comissão pensa a respeito do papel da Funai. Penso que a Funai tem um papel importante, mas não está colaborando para a solução desse problema. Decididamente, não percebemos isso na Funai. Tenho reafirmado isso aqui e cheguei até a me insurgir contra o Presidente da Funai. Cheguei a declarar publicamente que S. Sª não está atuando de forma a resolver o problema. Penso que o papel principal cabe à comissão, tão bem presidida por V. Exª e que tem como Relator meu conterrâneo, representante do Estado de Mato Grosso do Sul, o Senador Delcídio Amaral. Aproveito a oportunidade para cumprimentar V. Exª e dizer que a comissão deve prosseguir nesse trabalho com a mesma firmeza, com a mesma determinação, com a mesma vontade. Tenho certeza de que o Senado irá apoiar integralmente o trabalho dessa comissão. Agradeço a V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Ramez Tebet. O Estado de V. Exª também tem problemas e recentemente enfrentou conflitos. A Comissão esteve em Mato Grosso do Sul e verificou in loco os problemas causados pela invasão de quatorze pequenas propriedades, como a destruição das sedes e dos implementos, por ação dos índios.

No caso de Rondônia, estamos lamentando a morte de cerca de 34 brasileiros que lá estavam, embora numa atividade ilegal, trabalhando para sobreviver num País de tantos desempregados. E estavam trabalhando de comum acordo com os índios. Já ouvimos a prefeita e o juiz do Município do Espigão do Oeste, assim como vários garimpeiros e também o Coordenador da Funai do Estado de Rondônia. Estamos vendo que, na verdade, o que existe é a comprovação do que sempre temos dito aqui: criaram-se reservas indígenas “coincidentemente” em cima de reservas minerais em todos os Estados do Brasil, especialmente na Amazônia. E querer que o fato de criar uma reserva indígena impeça o descaminho e a exploração ilegal dos minerais é realmente brincar com a seriedade da Nação. Está aí o exemplo da reserva Roosevelt, em Rondônia, onde existe uma imensa jazida de diamantes de alta pureza, que, desde 1999 - aliás, há notícia de que isso ocorre desde os anos 60 -, mais especificamente, está sendo explorada de maneira intensa. O mesmo ocorre na reserva ianomâmi, riquíssima em mineral, aonde, permanentemente, os garimpeiros vão para extrair da terra ouro e outros minerais. Sabemos que lá existem inúmeros minerais. Na reserva Raposa Serra do Sol, há ouro, há diamante. Na verdade, as reservas indígenas, no Brasil, estão plotadas em cima de reservas minerais.

Precisamos ver que, nesse caso, buscar culpados entre índios e garimpeiros é buscar os mais pobres e os menos poderosos. Na verdade, se isso acontece, como em Rondônia, é porque os grandes compradores internacionais de diamantes agenciam pessoas que lá vão para incentivar os índios e os garimpeiros a explorarem ilegalmente as jazidas e vender os minerais por preço vil. Lá era vendido por um preço insignificante o diamante, que no mercado internacional valia uma fortuna imensa.

Fiz questão de registrar esses dados sobre o caso de Roraima, porque vamos produzir relatórios com a mesma consistência em relação a Mato Grosso do Sul, em relação a Santa Catarina, onde já estivemos. Em Rondônia, começamos a investigação há pouco em virtude de requerimento do Senador Valdir Raupp, que está no plenário, e do Senador Paulo Elifas. Quando formos a Rondônia, iremos à reserva indígena, para constatar o que está ocorrendo.

Queremos fazer um trabalho digno do Senado Federal e colocar ordem nessa questão de reservas indígenas. Faço um apelo no sentido de que a Casa aprove emenda constitucional de minha autoria - que já esteve aqui para votação em primeiro turno, mas voltou para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania -, que inclui entre as competências privativas do Senado Federal a de analisar os processos de demarcação de terras indígenas e de reservas ecológicas.

É preciso que a Nação esteja alerta, porque, realmente, por trás de muitos desses movimentos, há o objetivo de muitas instituições internacionais de roubar nossas riquezas, seja minerais, seja da biodiversidade, seja outras que nem sabemos às vezes que temos.

O importante é deixar frisado que o Senado Federal está atento, está trabalhando. Estamos agora procedendo a investigações em Rondônia, depois vamos ao Mato Grosso do Sul, em seguida ao Rio Grande do Sul e ao Pará, onde já foi requerida nossa presença.

Quero, portanto, Sr. Presidente, fazer esse registro e dizer que a Comissão vai concluir seu trabalho e apresentar não só soluções para as questões imediatas, mas também uma legislação que permita que a problemática indígena seja tratada de forma nacionalista, de forma a trazer o comando dela para o Governo brasileiro e não para ONGs internacionais, como hoje é feito. Hoje, na verdade, a Funai não comanda coisa nenhuma nessa questão; quem comanda são as ONGs, especialmente o Conselho Indigenista Missionário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2004 - Página 14585