Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas as propostas do governo federal para o combate antidrogas.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DROGA.:
  • Críticas as propostas do governo federal para o combate antidrogas.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2004 - Página 16041
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DROGA.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.
  • CRITICA, PROPOSTA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DISCRIMINAÇÃO, CONSUMO, DROGA, ALEGAÇÕES, PRIORIDADE, COMBATE, TRAFICO, EXPECTATIVA, ORADOR, ATUAÇÃO, SENADO, ALTERAÇÃO, MATERIA.
  • DETALHAMENTO, ERRO, PROJETO DE LEI, RETIRADA, PENA, CRIME, USUARIO, DROGA, OPINIÃO, ORADOR, EFEITO, AUMENTO, VIOLENCIA, INCENTIVO, TRAFICO, REGISTRO, DADOS, CRESCIMENTO, CONSUMO, ENTORPECENTE, CRIANÇA, TRABALHADOR, JUVENTUDE.
  • CRITICA, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, COMBATE, DROGA, TENTATIVA, REDUÇÃO, OFERTA, DEMANDA, PRE REQUISITO, LIBERAÇÃO, CONSUMO, PREVISÃO, ORADOR, MOBILIZAÇÃO, PODER, CRIME ORGANIZADO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “é necessário acutilar o mundo oficial e, com todo o respeito pelas instituições, que são de origem eterna, destruir falsas interpretações”. Eça de Queirós.

Antes de me deter no tema principal do meu pronunciamento, gostaria de registrar que os excessos correlatos continuam em alta na agenda presidencial. Ontem, no Extremo Oriente, durante uma palestra para empresários, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, demonstrou, mais uma vez, que a sua “imensa superficialidade” não tem cura e que o ridículo não respeita nem a mais longínqua fronteira.

Em um lampejo nativista, retomou a retórica do Brasil-Grande, o maior entre os emergentes morenos do “hemisfério ocidental” e anunciou que a China é um “shopping de oportunidades”. Eu, sinceramente, gostaria de saber de onde procede a felicidade que contagia o Presidente nas missões internacionais. A sensação que se tem é da pontual prática das inebriantes folganças da paisagem. A informalidade e o improviso fazem parecer que o Governo Lula está participando de uma excursão com o pessoal do sindicato, sempre que vai ao exterior.

Srªs e Srs. Senadores, no começo do ano, a Câmara dos Deputados, por ordem do Ministério da Justiça, aprovou espécie de descriminação indireta do uso de drogas no Brasil. O projeto acatou antigo entendimento da sociologia criminal de que o Estado deve consentir o consumo de entorpecentes e se dedicar ao combate do narcotráfico. A medida de comprovada ineficácia e duvidosa doutrina está em pauta no Senado, onde precisa ser modificada, embora no ânimo do Governo Lula a proposta já é lei promulgada, sancionada e publicada.

A convite do Senado, o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, declarou, nesta Casa, que a vontade do Governo era de liberação explícita do consumo de drogas. Mas, para não chocar a sociedade, preferiu-se a criação de um subterfúgio. Para que não permaneça qualquer dúvida a respeito da intenção do Governo Lula de promover a descriminação indireta das drogas no Brasil, vou reproduzir textualmente a resposta do Ministro Márcio Thomaz Bastos a uma indagação que fiz sobre a orientação do Ministério da Justiça acerca do Projeto da nova Lei Antidrogas.

Em audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta Casa, realizada no dia 19 de abril de 2004, para debater a escalada da violência no Rio de Janeiro, e que contou com brilhante exposição do Prefeito César Maia, o Dr. Márcio Thomaz Bastos, declarou: “Quanto à observação de V. Exª sobre a Lei Antidrogas - observação aguda e precisa - a descriminação que se encontra ali realmente não é a ideal, não é a que gostaria que fosse, não é a que a maioria dos pensadores penais gostaria que fosse. Mas foi aquela possível na Câmara dos Deputados, elaborada dentro do Processo Legislativo, sujeito ainda a modificações”. Com todas as letras, o Ministro da Justiça declarou que queria a descriminação total do consumo de drogas, mas optou-se por uma solução à brasileira, com disfarce das intenções.

É como afirmou Godofredo Alves, o Alves, personagem de Eça de Queirós, que fez da falta de atitude para com a própria desonra uma “filosofia” e um tema para “reflexões usuais”: “Que coisa mais prudente é a prudência!”

Para conseguir escamotear a autorização do uso de drogas no Brasil, o Ministério da Justiça moldou a esdrúxula figura jurídica do “crime sem pena”. Ou seja, depois de sancionado e publicado o novo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), portar e cultivar substância entorpecente para o uso próprio continua sendo uma conduta formalmente criminosa, mas sem a correspondente pena de privação da liberdade. Pilhado em flagrante pela autoridade policial, o usuário ficará submetido à advertência, à prestação de serviço à comunidade e ao comparecimento a programa educativo.

De acordo com o texto aprovado, como não há uma pena de prisão definida, também não haverá regressão para regime mais grave caso o agente do delito não cumpra a medida imposta, como a advertência de não voltar a fumar maconha. Vamos ao caso mais severo de um notório usuário a quem foi determinado, pelo prazo máximo de cinco meses, prestar um serviço social, mas que se recusou a fazê-lo. Diz o projeto, que será imputada outra medida de restrição de direito prevista no Código Penal pelo prazo máximo de três meses, dois a menos do que a primeira imposição. Se o agente insistir em não se submeter à ordem estará, finalmente, incorrendo em crime de desobediência.

Isto, Senador Romeu Tuma, V. Exª que é da área sabe muito bem, não tem cabimento no mundo do direito, uma vez que se confunde pena com ordem. A primeira é uma sanção que se cumpre, determinada por uma sentença judicial, em razão da prática de um ato ilícito. A outra, o objeto jurídico do crime de desobediência é o não atendimento de uma determinação de um funcionário público, sem nenhuma relação com o delito.

Trata-se de um erro elementar introduzindo no texto do projeto com o propósito claro de criar fases procedimentais para tumultuar o processo penal e nunca se alcançar a punição do usuário. O pior é que, por analogia, autores de outros crimes poderão avocar em seu favor a figura criada da “ordem facultativa” e se livrar da cadeia. O princípio da pena de restrição de direito em substituição à privação da liberdade, em tese é bom, mas tem que ser alternativo e aplicado conforme as condições subjetivas do beneficiado e não uma regra que não comporta regressão para um regime penal mais grave. Isto é deixar o cumprimento da pena ao alvedrio do réu.

Ao tratar o usuário com “coitadismo” e excluí-lo do ciclo criminal do narconegócio, o Governo brasileiro estará varrendo para debaixo do tapete um dos maiores problemas sociais deste País e que comprovadamente está associado ao incremento da violência. Trata-se de mais uma medida do Governo Lula, sob a orientação da teoria do “abandono ético”. De acordo com o entendimento, os bandidos devem ser colocados nas ruas porque a cadeia não recupera e é inexorável considerar o consumidor de entorpecentes uma vítima do sistema.

Sr. Presidente, não adianta os apologistas da lei da droga livre afirmarem que a tendência é irresistível e foi consagrada com sucesso na Europa. Isso não é verdade! Na Inglaterra, por uma questão de economia processual, está sendo testada a hipótese de o Estado renunciar à ação penal contra o usuário de drogas leves. A Holanda, país vanguardista da chamada “liberação contida”, está revendo o conceito, pois o uso de entorpecentes cresceu exponencialmente após a adoção de medidas liberalizantes. Já na Suíça foi um desastre os tais territórios autorizados de consumo de drogas. Apesar do desenho estratégico e do rigoroso controle social do Estado nesses países, as tentativas fracassaram. E o Brasil está apontando a proa na direção de uma aventura.

Srªs e Srs. Senadores, no Brasil, os custos decorrentes do uso indevido de substâncias psicoativas são estimados em cerca de US$28 bilhões ao ano, considerando-se os gastos com o tratamento médico, a perda de produtividade dos trabalhadores e as perdas sociais decorrentes de mortes prematuras. Os gastos diretos em internações decorrentes do uso dessas substâncias em hospitais do Sistema Único de Saúde ultrapassam R$600 milhões ao ano. Conforme dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), coletados em 1997, o percentual de crianças que já consumiram drogas entre os 10 e os 12 anos de idade é altíssimo: 51,2% usaram álcool; 11%, tabaco; 7,8%, solventes; 2%, ansiolíticos, e 1,8% já se utilizaram de anfetamínicos. Isso entre 10 e 12 anos de idade!

Estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apontou que de 10% a 15% dos empregados têm problemas de dependência e que o abuso é responsável por três vezes mais licenças médicas do que outras doenças; aumenta em cinco vezes as chances de acidentes de trabalho e, por fim, leva a família a utilizar três vezes mais os planos de assistência médica e social. De acordo com o Relatório do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes, de 2003, nos últimos dez anos, o consumo de drogas entre os estudantes brasileiros cresceu na seguinte ordem: anfetaminas, aumentou 150%; maconha, 325%, e a cocaína, Senador Maguito Vilela, 700%.

Quando for sancionar a descriminação disfarçada do uso de drogas, com certeza, o Presidente Lula vai anunciar um programa espetacular de prevenção ao consumo, apoiado em fantástica campanha publicitária e na maior política mundial de recuperação de usuários. Tudo providência de retórica, tendo por base o texto de uma lei confusa, que encerra a completa balela de um discurso sem nenhuma capacidade de efetivação. Demandas mais legítimas, como as políticas de atendimento previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, não saíram do papel 14 anos após a sua edição.

Observem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que já estamos na metade do ano e, no Orçamento da União de 2004, o Governo Lula conseguiu executar apenas 4,43% do Fundo Nacional Antidrogas (Funad). Foram previstos no Programa Nacional de Redução da Demanda e Oferta de Drogas R$9.953.522,00, mas foram efetivamente aplicados R$438.273,00. Vejam, Srs. Senadores, que não estão sendo aplicados os recursos destinados à principal diretriz da Política Antidrogas do Brasil, qual seja, a redução da oferta e demanda, que seria um pré-requisito para as propostas liberalizantes do consumo.

O Brasil está tateando o abismo ao promover a liberação tácita do uso de drogas e pode considerar como certo o aumento da mobilização e do poder de fogo do crime organizado. O Governo Lula já demonstrou que não vai investir em Segurança Pública, portanto não irá sufocar a oferta da droga, que vai crescer com a livre demanda. Definitivamente, Senador Mão Santa, sob qualquer aspecto, seja de capacidade de controle policial, de atuação do Poder Judiciário e de atendimento do Sistema Único de Saúde, o Brasil não está preparado para o dia seguinte à liberação das drogas. No momento oportuno, o Senado, com a sabedoria e experiência, deverá corrigir os erros de um projeto de lei irresponsável e pôr fim à sandice de permitir o uso de drogas no Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2004 - Página 16041