Discurso durante a 71ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posse do Ministro Nelson Jobim na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. JUDICIARIO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Posse do Ministro Nelson Jobim na Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2004 - Página 17467
Assunto
Outros > HOMENAGEM. JUDICIARIO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, POSSE, NELSON JOBIM, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ANALISE, PRONUNCIAMENTO, DIRETRIZ, TRANSFORMAÇÃO, JUDICIARIO, SEPARAÇÃO, JUSTIÇA, POLITICA, BENEFICIO, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, IMPERIO, REPUBLICA, PODER MODERADOR, IMPERADOR, FORÇAS ARMADAS, DESENVOLVIMENTO POLITICO, MODERNIZAÇÃO, DEMOCRACIA, DEFINIÇÃO, FUNÇÃO, DIREITO, MAGISTRATURA.
  • DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, PLANO, DESENVOLVIMENTO, ENTORNO, PARQUE NACIONAL MONTANHAS DO TUMUCUMAQUE, DEFESA, PROJETO, INCENTIVO FISCAL, EXTENSÃO, AMAZONIA OCIDENTAL, BENEFICIO, ZONA FRANCA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), PRODUTO, ELABORAÇÃO, MATERIA-PRIMA, RECURSOS FLORESTAIS.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não posso perder o tema que acaba de ser tratado pelo Senador Tião Viana. E, na esteira de outros pronunciamentos feitos nesta Casa a respeito da posse do Ministro Nelson Jobim no Supremo Tribunal Federal, quero também dizer que considerei notável o discurso proferido pelo atual Presidente da nossa Suprema Corte.

            Realmente, é uma diretriz que nos acena para um momento novo, compreendendo as transformações ocorridas no Brasil e que devem atingir a Magistratura brasileira.

Quero assinalar um ponto que entendo extremamente importante. Quando o Ministro Nelson Jobim fez uma análise de que durante o período ditatorial, o período de arbítrio, a política, sem ter espaços para resolver os seus conflitos, rumou um pouco para os tribunais, a fim de que eles servissem como uma instância política, disse S. Exª que esse tempo felizmente já passou. Agora é momento de compreendermos que a Justiça não pode ser uma terceira instância do debate político porque, se recorrermos a ela para resolver conflitos políticos estaremos dando um complicador para o qual ela não está, nem deve e nem foi preparada, o que é um desserviço à Justiça e, ao mesmo tempo, uma disfunção do processo político. Penso ser esse um ponto sobre o qual devemos meditar. Que a Justiça fique na sua área, assim como a política também. É assim que funciona a democracia. Nas colocações do Ministro Nelson Jobim encontramos grande lucidez sobre o rumo que o Poder Judiciário deve tomar.

No Brasil, durante o Império, havia um Poder que arbitrava as questões políticas para que o País sobrevivesse. Esse árbitro das lutas políticas, do jogo político para assegurar a unidade nacional - e os historiadores, hoje, estudam e constatam, ao longo do tempo - foi o Imperador, por um processo de responsabilidade. E também o Senado Federal que, naquele tempo, era vitalício e dava uma certa noção de perpetuidade. Portanto, essa noção de perpetuidade fazia com que os conflitos políticos fossem resolvidos. Por isso, não tivemos rupturas. Foi um período sem rupturas, o do Império, porque o Imperador, quando tirava, às vezes violentamente, um partido do poder, colocava outro. Com isso, ele conseguiu fazer com que as situações políticas do País se acomodassem e que todos encontrassem espaço para exercer aquilo que a política tem como alto objetivo exercer. Devo acrescentar, o Conselho de Estado, que era também um órgão da maior importância, composto por homens notáveis, graças aos quais construímos este País. O Brasil é uma construção do Poder Civil. O Brasil é uma construção da genialidade política dos homens públicos, que o fizeram durante aquele tempo.

Com a República, que infelizmente foi um golpe militar, feito sem povo, sem amadurecimento, o que ocorreu? Desapareceu aquele centro do Poder Moderador.

Se formos verificar a história da América Espanhola, constataremos que ela foi toda constituída mediante batalhas sangrentas, cada uma dividindo suas partes. O Brasil, não. Conseguimos fazer com que as instituições nascessem dentro do Congresso. Pouco a pouco, foram sendo feitas, adaptadas. Veio a Constituinte, a nova Constituição, o Ato Adicional. O Imperador Pedro I não consegue resolver seus problemas, vem a abdicação. E se consegue atravessar tudo isso numa construção política na qual pudemos, dentro das nossas Casas, fazer as instituições básicas do País.

            Como eu ia dizendo, com a República, aconteceu o seguinte: desapareceu o poder de equilíbrio, o poder de harmonia, e esse poder foi substituído pelas Forças Armadas, pelo Exército, pela Marinha - naquele tempo não havia a Aeronáutica. Eles exerceram o poder de interferência. Cito o livro do Almirante Custódio José de Melo, A Destinação Histórica das Forças Armadas do Brasil, em que estuda esse fenômeno no qual elas interferiam. Quando achavam que o jogo político estava errado, eles se arvoraram em poder que tinha que interferir para que as coisas pudessem ser colocadas no lugar. E aí vêm todos os nossos sofrimentos com a República. Como não era um processo que tinha nascido e fermentado dentro da sociedade, passou a ser um processo que necessitava de intervenções arbitrárias. Com isso, começa a divisão das próprias Forças Armadas. A divisão de Floriano e de Deodoro. A Revolta da Armada. Sai a Campanha Civilista, no sentido de restaurar o sentido do poder civil. Há um certo tempo com Prudente de Morais, com Campos Sales, com Rodrigues Alves em que isso se renova e depois voltam os militares, por meio de Hermes da Fonseca. Começam as intervenções militares, a fermentar as questões militares para servir como equilíbrio dentro desse processo, dos processos salvacionistas.

            Não vim aqui tratar disso. Foi um tema que surgiu a partir da deixa do Ministro Nelson Jobim. Por meio disso, então, há as intervenções salvacionistas, pois foi dentro da juventude militar que nasceu a questão social no Brasil. Foram os jovens militares que saíam das academias que levantaram a questão social, porque a estratificação das elites dirigentes do País, elites rurais, tinham uma mentalidade de permanência, de não mudar nada, a área social não participava. São eles que vêm Levantar essa questão. Quando Getúlio Vargas chega para receber o apoio dos tenentes, eles vêm com o manifesto que pedia a criação do Ministério do Trabalho. Aquela juventude que não se fermentava dentro da área civil se fermentou dentro da área militar. Por isso, vieram as intervenções salvacionistas. Não devemos nos esquecer de que, entre os tenentes, a maioria era socialista. Daí saiu Prestes para ser socialista, Siqueira Campos, o próprio Joaquim Távora, irmão do Juarez Távora, eram socialistas Eles todos eram socialistas e forçaram essa mudança para enfocar a questão social.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é por acaso que Prestes sai dali para ser chefe do Partido Comunista. Todos os tenentes eram socialistas e se dividiam a partir do governo de Getúlio e, dessas últimas revoluções salvacionistas, vem a Revolução de 1964. Mas esse é um episódio que passou.

Para pegar a deixa do Ministro Nelson Jobim, quero dizer que, numa democracia moderna, cujas instituições funcionam, não tem mais poder moderador nenhum, nem militar, nem imperial. Esse poder é totalmente exercido pelo povo e só há uma maneira de dirimir os conflitos não políticos, de uma sociedade democrática: é a lei, o direito, a magistratura.

Então, no momento em que não se tem uma magistratura organizada, de acordo com a lei, respeitada, apolítica, para manter a perpetuidade democrática, temos um braço quebrado dentro do sistema que construímos para que tenhamos e aprofundemos uma democracia moderna.

Nesse sentido, vi no discurso do Ministro Nelson Jobim um ponto extremamente importante, porque toca numa ferida que é nossa, de hoje: nós, políticos, temos que tirar a Justiça para resolver os nossos problemas. Temos que resolvê-los, mesmo que seja de maneira dolorosa, dentro das nossas Casas, porque, no momento em que chamamos a Justiça para resolver os problemas políticos, estamos quebrando a estrutura que faz uma democracia moderna.

Agradeço que o Senador Tião Viana tenha me dado oportunidade para fazer essa digressão aqui na Casa, porque eu ia falar sobre o meu Estado, o Amapá, a que pertenço e para o qual apresentei um projeto, criando o Parque do Tumucumaque, que é hoje o maior parque contínuo do mundo e que o Brasil apresentou como sendo uma grande dádiva de sua posição ecológica. No Amapá foi dito que - já que ontem no discurso do Dr. Fonteles, também no Tribunal, S. Exª falou na cabeça de São João Batista -, o Parque do Tumucumaque também foi entregue, na Conferência da África do Sul, como se fosse a cabeça de São João Batista numa bandeja para que tivéssemos o maior parque do mundo.

O Governo prometeu compensações para as populações do entorno desse parque, que ocupa hoje cerca de 27% da área do Estado, é extraordinário., é uma virgem que devemos preservar. O plano era mirabolante e dizia que o Governo ia tomar todas as providências necessárias a esse plano para assegurar a sobrevivência do Parque do Tumucumaque. Infelizmente, já se passaram cinco anos e não fizeram absolutamente nada.

Calculem, para uma nota curiosa, que tive o gosto de ler toda a documentação relativa à proposta sobre a criação do Parque do Tumucumaque. Governo brasileiro coloca, entre as coisas que tinha feito pelo parque do Tumucumaque - no computador, chamaram uma palavra-chave “tumucumaque”, e veio aquela relação toda: “Foi autorizado o trânsito de um avião das forças aéreas da Venezuela para passar no Parque do Tumucumaque e levar o Presidente da Venezuela, que estava...” E vem outra adiante: “Foi autorizada a passagem no Parque do Tumucumaque do avião tal, que conduzia as forças...” Então, grande parte dessas coisas que tinham sido feitas a favor, estavam ali colocadas. É algo curioso, que nos faz ver como as nossas coisas tão importantes são, às vezes, tratadas com tamanho descuido.

Sei que, quando falamos da Amazônia, em termos econômicos, podemos dizer que só o capital não resolve, porque se exige muito mais: patriotismo, planificação, vontade política, tempo. Verificamos isso nos grandes empreendimentos da Amazônia. Vemos o último deles, para citar o velho Ludwig, que era um grande bilionário. Ele saiu da sua terra, meteu-se lá no interior do Pará, às margens do rio Jari, sonhou fazer ali grandes experiências sobre madeira, gastou US$1 bilhão da sua fortuna, saiu do Brasil como se quisesse dilapidar o País e faliu, acabou, fracassou naquele tempo. Vem a Fordlândia também, para falar um pouco mais do passado, naquela época, que também faliu e desapareceu. O rio Tapajós foi invadido por várias empresas sem experiência naquele ramo. Quebraram todas. Além disso, os grandes advindos do surto da borracha, que poderiam ter dado início a uma sociedade próspera e justa, foram perdidos.

Está presente o Senador Tião Viana. Quando falamos no surto da borracha, lembro que li Louis Agassiz, que descreve sua missão pelo rio Amazonas em busca da classificação dos peixes desconhecidos no mundo inteiro. Com grande felicidade, interrompia suas viagens e dizia que aqui conseguira 150 espécies, a maior diversidade do mundo, e que seu museu ficaria com peças extraordinárias, além de se admirar da entrada dos seringueiros.

Quando falo da borracha e de leituras que fazemos ao longo da vida, lembro-me de Euclides da Cunha, que pensou que tinha ido para lá, quando desempregado, para fazer a delimitação do rio Purus, por ocasião do levantamento das fronteiras. O Barão do Rio Branco resolveu dar-lhe um emprego, para que delimitasse os limites do rio Purus com uma comissão peruana. Seguiu para essa aventura extraordinária e desejou escrever um livro que pensou denominar Paraíso Perdido.

Nas cartas que endereçou a seus companheiros de Academia falou muito sobre o livro que pretendia escrever sobre a Amazônia. Os Sertões é um livro extraordinário, monumental, e Euclides da Cunha é um escritor que não tem igual, que é um mundo em ebulição. Quando penso que ele poderia ter escrito um livro sobre a Amazônia, acredito que seria ainda mais notável, porque o tema era bem mais fascinante para ele do que o abordado em Os Sertões. Infelizmente, a tragédia que o levou tão cedo não permitiu que terminasse o livro.

Contudo, ele deixou um esboço do que seria esse livro. São páginas memoráveis sobre a Amazônia. Algumas delas foram publicadas, e, em seu discurso de entrada na Academia, as primeiras palavras que pronunciou foram sobre o momento em que entrou no rio Amazonas, quando deparou com ele. Como descreve aquela imensidão! No princípio, com certa decepção, porque achava que a concepção que tinha sobre o Amazonas era maior. Há certa decepção, porque vê a monotonia da floresta e das águas. Mas, de repente, vai-se empolgando, crescendo, enfronhando-se, e suas palavras se transformam. Quando começamos a ler o que Euclides da Cunha escreve sobre a Amazônia, sentimo-nos como se estivéssemos no meio daquele turbilhão, como ele mesmo disse, do primeiro dia da criação, em que a terra se separa das águas.

Sobre a borracha, descreve os primeiros caucheiros, que eram os peruanos que derrubavam a árvore para extrair o caucho; depois fala da seringueira. Ele foi quem primeiro denunciou a grande exploração do homem, que significava a escravização branca, conforme chamava, por meio da exploração dos seringais da Amazônia. E teve o cuidado de descrever as estradas em que o homem pagava para ser escravo, porque já saía devendo certa quantia para se transformar em ser escravo. Pagava a sua vida inteira, dia e noite, a sua escravatura, para ser escravo, cada vez mais. Essa é a primeira vez em que Euclides fala nisso.

Mas estou saindo por caminhos diversos, está parecendo que estou entrando naqueles igarapés da Amazônia também. Saio pelo rio, entro no igarapé e me perco por outro igarapé e vou adiante.

Eu estava tratando do meu projeto do Tumucumaque e lembrando a minha idéia do Projeto Calha Norte, durante a Presidência. Esperava que o Calha Norte fosse aquele da defesa das nossas fronteiras. As ameaças não estavam mais no sul, nas nossas lutas com a Argentina, mas vinham do norte e, portanto, tínhamos que defender as nossas fronteiras, torná-las fronteiras vivas. O Calha Norte depois foi esquecido; agora, vejo, com grande satisfação, que está renascendo.

Não vou ler todas as palavras que tinha alinhavado a respeito do Parque do Tumucumaque , mas solicito a V.Exa., Sr. Presidente, que faça constar na íntegra. Vou dizer apenas que o projeto que apresentei para criar uma política nacional para a Amazônia tinha, entre outros objetivos, a sinergia dos empreendimentos naturais da região com o psicossocial dos amazônidas e do restante da Nação; a maximização das ações de desenvolvimento, tendo em conta os levantamentos regionais existentes, hídrico, geológico e cobertura vegetal; a adaptação das ações extra-Amazônia e suas resultantes locais à cultura e às vocações regionais, por meio de ações positivas no manejo florestal, na pesca, na caça, na aquacultura, na mineração, na pecuária, na agricultura permanente e cíclica e no turismo.

Propunha também a consolidação dos núcleos urbanos para apoio às periferias rurais e como bases logísticas de apoio aos povoamentos distantes e isolados, satélites naturais daqueles núcleos. Os recursos seriam de natureza orçamentária, destinados pela União, pelo Estado do Amapá e pelos Municípios abrangidos, e de operações de crédito internas e externas.

Esse projeto do Parque do Tumucumaque - dentro da visão que tive como Senador do Amapá, quando lá cheguei - tem como objetivo criar a infra-estrutura de um Estado novo, que não tinha uma vocação. Qual era a sua vocação?

Minha preocupação foi realmente fazer um esforço no sentido de criar um porto, no Estado do Amapá, como entrada para a Amazônia - hoje, é o maior terminal de contêineres da Amazônia - e, em seguida, a área de livre comércio e o Parque do Tumucumaque. E, no desdobramento dessa visão de infra-estrutura, assegurar não somente essas coisas do dia-a-dia - que somos obrigados a fazer e são importantes -, mas também uma visão de futuro, de perenidade.

Nesse sentido, apresentei aquele meu projeto, que foi tão discutido, tão mal visto e tão mal defendido - coitado do projeto - porque tive a ousadia e a infelicidade de apresentá-lo e, em seguida, entrar num processo pessoal difícil, que foi o da morte da minha mãe e quando estive, de certo modo, adoentado. Não pude, não tive sequer oportunidade de defendê-lo. Indefeso, assisti à bateria nacional contra o projeto que desejava - diziam - estender a Zona Franca de Manaus para a Zona Franca de Macapá. Nada disso! Absolutamente inverídico tudo! Os jornais publicam. Com um certo preconceito que se tem no Brasil contra o Norte e o Nordeste, levanta-se todo mundo e se cria um mundo de inverdades que passa a ser verdade.

Na realidade, o que queríamos, o que queremos e que vamos ter que fazer é uma política para a Amazônia, não para a área de livre comércio nem para o Estado do Amapá, mas para todas as Áreas de Livre Comércio da Amazônia, de utilização de seus recursos naturais.

Acontece o seguinte absurdo: se em Manaus eles produzem telhas de barro, eles pagam impostos locais; mas, se vierem de fora as telhas de amianto, não pagam, porque é uma zona franca. O que se quer é que os produtos regionais, a madeira que se colhe no local, as essências que só podem ser utilizadas para os produtos farmacêuticos possam ser comercializadas no Brasil inteiro, tendo aquilo que já têm, justamente a extensão das isenções de impostos, que não são grandes, são pequenas.

Vejam o Estado do Amapá, que é exportador de minério. Levaram uma montanha de manganês do Estado. Toda ela, como minério estratégico, foi para os Estados Unidos. Eles não estão consumindo, mas acumulando para fazer reservas estratégicas para o futuro. Isso significou para o Brasil um saldo comercial de mais de US$1 bilhão além de tudo. E quando se vem pedir uma isenção para os pobres homens daquela área que fazem as suas cadeirinhas de madeira, que procuram fazer as suas telhas de barro, que procuram desenvolver um passo adiante nas suas indústrias, diz-se que com isso queremos destruir o centro-sul.

São coisas dessa natureza que nos deixam perplexos. E acontecem no Brasil. Voltarei a este assunto para dizer como se podem cometer equívocos dessa natureza, e muitos deles por motivos políticos. Penso que o projeto pagou porque era do Presidente Sarney, e todos caíram em cima, quando, na verdade, era uma política para a Amazônia. A própria Zona Franca teve seu projeto assinado não por mim, mas pelos Senadores Arthur Virgílio, Jefferson Peres e Gilberto Mestrinho, do Amazonas, porque S. Exªs não seriam prejudicados. Era a extensão de uma política para todos os Estados, pequenas localidades, pequenas coisas. E a reação nacional de não querer de maneira alguma a menor concorrência, com medo de que de um mosquito possa sair um mundo, então se desencadeia uma coisa dessa natureza.

Sou daquela região, nascido ali, nas fraudas da Floresta Amazônica - o Maranhão é um Estado que chamam Meio-Norte, uns dizem que tem uma parte do Nordeste, outra parte da Amazônia. Enfim, antigamente, todos nós éramos de uma região só: Estado do Brasil, Estado do Grão- Pará. Muitos diziam do GrãoPará e Maranhão. Depois, com a mudança da capital, trocou-se; em vez de GrãoPará e Maranhão, Maranhão e GrãoPará. Ficava-se assim, qual era o primeiro que se dizia. Dessa área inteira, imensa, fazia parte também o Estado do Amapá.

Quando deixei a Presidência da República, tive a oportunidade, o convite de vários Estados em que eu pudesse ser candidato, já que no meu Estado o PMDB, naquele tempo, não me permitiu ser candidato, negou a legenda. Por que o Amapá? Porque estava naquela região e eu me sentia muito mais ligado, teluricamente, pela história que conhecia, que conheço e que, portanto, me ligava ao Amapá.

Vim aqui para falar, Sr. Presidente, sobre o Parque do Tumucumaque, mas entrei no Amazonas, saí por igarapés e estou terminando aqui, agora, nessa mágoa, que não é mágoa. O Brasil deve pensar como um todo, sabendo que os problemas do Nordeste, problemas da Amazônia, problemas das regiões mais pobres, não são problemas dessas regiões, são problemas nacionais.

Os nossos antepassados nos deram esse País unido, sonhando com ele. Não vamos dividi-lo por interesses materiais subalternos que não interessam à felicidade do povo brasileiro.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY

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O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Plano de Desenvolvimento Regional dos Municípios do Entorno do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em termos econômicos, pouco se consegue na Amazônia apenas com capital. A magnitude e as peculiaridades da região exigem muito mais que dinheiro. Exigem patriotismo, planificação, vontade política e tempo, muito tempo. Ludwig quebrou. A Fordlândia também. O rio Tapajós foi invadido por várias empresas sem experiência no ramo. Resultado: quebraram todas. Antes disso, os ganhos advindos do surto da borracha, que poderiam ter dado início a uma sociedade próspera e justa, foram perdidos em desperdícios.

O "Projeto Calha Norte", elaborado durante a minha Presidência em estreita relação com o que se esperava de sua integração com o projeto da "Ferrovia Norte-Sul", como este, foi incompreendido e deturpado, sem uma visão de futuro. Hoje, diante da atual conjuntura internacional, caracterizada pelo desrespeito unilateral às resoluções e normas da ONU, é inquestionável a sua importância para a segurança da Amazônia e o bem-estar de seu povo.

Mas, o maior sinal de menosprezo ao planejamento regional do País foi consolidado com a extinção da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene, e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - Sudam. Antes, no governo Collor, já tinha sido extinta a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste - Sudeco. Assim, as superintendências regionais sofreram, durante os anos 90, progressivamente, um desgaste técnico, financeiro e administrativo, culminando com a destruição de qualquer planejamento regional no Brasil. Em todos estes casos, além da óbvia ausência de uma preocupação patriótica e republicana, houve falta de planejamento de longo prazo, de continuidade das políticas públicas para com a região.

Uma CPI da Câmara dos Deputados, instalada em 1991 para apurar as intenções de forças estrangeiras de internacionalizar a Amazônia, já havia feito advertências quanto a este processo de destruição dos mecanismos de planejamento. Por isso, fez uma proposta que, se implementada na época, teria evitado muitos problemas na região. Os parlamentares propuseram, por meio de projeto de lei, apenas minutado, a criação de uma Política Nacional para a Amazônia. A proposta tinha entre os objetivos gerais:

1)     a sinergia dos empreendimentos naturais da região com o psicossocial dos amazônidas e do restante da Nação;

2)     a maximização das ações de desenvolvimento, tendo em conta os levantamentos regionais existentes (hídrico, geológico e cobertura vegetal);

3)     a adaptação das ações extra-Amazônia e suas resultantes locais à cultura e às vocações regionais através de ações positivas no manejo florestal, na pesca, na caça, na aquacultura, na mineração, na pecuária, na agricultura - permanente e cíclica - e no turismo;

            Propunha também:

4)     a consolidação dos núcleos urbanos para apoio às periferias rurais e como bases logísticas de apoio aos povoamentos distantes e isolados, satélites naturais daqueles núcleos;

5)     a ocupação seletiva de áreas-chave, indispensável à  consolidação dos eixos principais da articulação ecopolítica da Amazônia; e

6)     a garantia de infra-estrutura energética e operacionalidade das hidrovias, vias terrestres e vias aéreas indispensáveis às movimentações necessárias à logística dos núcleos e de áreas-chave.

            Hoje, o Senado Federal volta a discutir estas questões, daí a importância em se criar a Comissão de Desenvolvimento Regional, que poderia servir para aprimorar a interação e o planejamento regionais em todo o País. Com o Governo Lula, já se fala em planejar e em empreender um projeto de desenvolvimento para o Brasil. A situação, portanto, se altera quanto à vontade política. Por isso, é imperioso que se coloque na agenda do Parlamento a discussão sobre os meios pelos quais esta perspectiva de crescimento seja materializada. A partir dos necessários ajustes macroeconômicos, implementados pelo Governo Federal, o crescimento virá com toda força. Por isso, devemos estar preparados, criando a infra-estrutura e os planejamentos necessários para que não haja mais desperdícios e para que o alavancamento das forças produtivas não encontre obstáculos estruturais.

É justamente com este espírito comprometido com o resgate do planejamento regional, Sr. Presidente, que enviei à apreciação do Senado o "Plano de Desenvolvimento Regional dos Municípios do Entorno do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque", no Estado do Amapá, conforme previsto nos arts. 21- inciso IX - e 48 - inciso IV-, da Constituição Federal. O projeto abrange os Municípios de Calçoene, Laranjal do Jarí, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio, mas terá efeitos benéficos para todo o Estado e poderá servir de experiência para que se elabore, finalmente, um Projeto Nacional de Desenvolvimento Regional, principalmente para as áreas de preservação e as áreas indígenas, hoje tão conturbadas por conflitos.

No meu projeto há uma preocupação em se abordar o desenvolvimento do Parna do Tumucumaque de uma forma global, que procure resgatar o que foi proposto no relatório final da CPI da internacionalização, em 1991. Os programas e projetos prioritários para a execução do Plano de Desenvolvimento Regional, com especial ênfase para os relativos a recursos hídricos, turismo, meio ambiente, sistemas de transportes e infra-estrutura básica, serão financiados:

a)     com recursos de natureza orçamentária, que lhe forem destinados pela União, na forma da lei;

b)     de natureza orçamentária, que lhe forem destinados pelo Estado do Amapá e pelos Municípios abrangidos;

c)     e de operações de crédito internas e externas.

            Esses recursos serão geridos por um Conselho Deliberativo, presidido pelo Governador do Estado e integrado por representantes dos órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos - e da sociedade civil -, que deverá ser ouvido na elaboração e gestão do Plano de Manejo do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.

As instituições de assistência técnica e de crédito federais, bem como aquelas que recebam recursos da União, darão tratamento preferencial aos programas e empreendimentos ecologicamente sustentáveis localizados nos Municípios do Entorno do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Os juros cobrados em empréstimos oficiais destinados a programas e empreendimentos ecologicamente sustentáveis, receberão desconto de 50% do valor normalmente cobrado pela instituição financeira.

A União, o Estado do Amapá e os Municípios poderão, ainda, firmar convênios e contratos entre si, com o propósito de:

1) estimular a agroindústria;

2) realizar o ordenamento das atividades produtivas;

3) realizar pesquisas direcionadas ao desenvolvimento tecnológico;

4) apoiar as atividades relacionadas com a pesca;

5) ampliar e recuperar a malha viária;

6) combinar diferentes modalidades de transporte, integrando o trânsito terrestre e fluvial;

7) expandir o sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica, especialmente nas áreas rurais;

8) estimular o turismo;

9) incentivar o manejo sustentável na extração de madeira;

10) estimular e apoiar formas de organização da produção e de comercialização da matéria-prima local, com base no associativismo e no cooperativismo;

11) expandir o Distrito Industrial de Macapá rumo ao interior do Estado;

12) implantar sistemas agroflorestais nas pequenas e médias propriedades;

13) criar linhas de crédito para a reestruturação dos setores produtivos, com ênfase para a pequena produção;

14) ofertar cursos profissionalizantes e implantar núcleos universitários para formação de nível superior;

15) promover treinamentos visando melhorar o padrão de organização empresarial, por meio dos serviços de aprendizagem;

16) fortalecer o ensino médio, visando ao aumento do nível de escolaridade da população;

17) ampliar a oferta de serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo;

18) substituir as moradias em favelas e em palafitas;

19) dotar a rede ambulatorial e hospitalar de infra-estrutura básica e de alta complexidade.

Enfim, com todas estas providências, teremos condições institucionais e financeiras para que se realize um verdadeiro programa de desenvolvimento regional que respeite a natureza, mas que valorize e proteja o homem que nela trabalha.

É importante não se esquecer, Sr. Presidente, que o Amapá possui hoje 90% de área ainda preservada. Ou seja, o Estado está congelado, pagando caro por isso. O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque tinha sido criado sob pressões internacionais e sem a devida consulta junto à comunidade amapaense, pelo Decreto S/N de 23 de agosto de 2002, abrangendo territórios dos Estados do Amapá e Pará. Desde então, vinha-se prometendo compensações por impor ao Amapá o congelamento de uma área tão grande em plena fronteira com a Guiana francesa. Mas, até agora, nada tinha sido feito neste sentido. Os municípios amapaenses que têm área nos limites do Parna Montanhas do Tumucumaque ficaram impedidos de dispor de parte considerável de seus territórios para a implementação de atividades produtivas fundamentadas na exploração direta dos recursos naturais, tais como os extrativismos mineral e vegetal, bases da economia da região.

O Parque do Tumucumaque é hoje a maior unidade de conservação contínua de floresta tropical do mundo. A área prevista para a unidade de conservação é de 3,8 milhões de hectares, equivalente ao território da Bélgica. O Amapá já abriga outras 9 unidades de conservação federais, totalizando 2,99 milhões de hectares ou 21% do território amapaense. Somadas com as Terras Indígenas, estas áreas sob responsabilidade federal corresponderiam a 54,5% do território estadual, sem contar as unidades de conservação estaduais. Esses dados, Sr. Presidente, trazem-nosuma reflexão importante: será que o Estado do Amapá não merece ajuda? Será que a criação de um plano nacional de preservação sério poderá prescindir da experiência que se poderá obter com a efetiva implementação do Parna do Tumucumaque?

Nunca é demais lembrar, Srªs e Srs. Senadores, hoje, mais de 10 mil estrangeiros trabalham na Amazônia. Nossa biodiversidade está sendo roubada a cada dia e sem nenhum controle por parte das autoridades. Este verdadeiro exército de ocupação compõe uma comunidade de jornalistas, executivos, estudantes, militares, ambientalistas e principalmente cientistas, pesquisando as características e os benefícios que podem obter da biodiversidade da nossa floresta. Quase não existe projeto sem um ou dois estrangeiros na equipe. Sem que façamos nós mesmos um plano efetivo de ocupação e desenvolvimento da Amazônia, a presença destes estrangeiros, que é bem-vinda, poderá tornar-se instrumento eficiente na conquista de nossa Hiléia.

Há alguns meses, o jornal Folha de S.Paulo denunciava que: "Estados Unidos financiam PF, PMs e ONGs." Ilustrando sua matéria, a Folha fez um mapa do Brasil, "Mapa do dinheiro americano no Brasil", com um círculo mostrando as "áreas de investimento dos Estados Unidos". O círculo abrange exatamente os estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará e Amapá.

Segundo o jornalista Sebastião Nery, essa é uma "estranhíssima coincidência". Em artigo publicado no Tribuna da Imprensa, comentava: "Pouco antes dessa matéria, os porta-lobby dos interesses norte-americanos no Congresso e na imprensa ficaram excitados e furiosos com o projeto do senador Sarney, já aprovado no Senado, estendendo exatamente a esses estados os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus. Censuraram que o governo vai perder receita e a Amazônia sugar o Sul", o que não é verdade. Segundo ainda Nery: "mas o que está por trás da ira deles é que querem que só os americanos invistam na Amazônia, porque empresas nacionais iriam ajudar a defendê-la. Da mesma forma que tanto criticam as Forças Armadas quando se instalam lá."

Srªs e Srs. Senadores, num tempo em que se fala tanto de ecologia, ambientalismo e preservação da natureza, o meu outro projeto de fomento para a Amazônia Ocidental prevê a agregação de valores às riquezas regionais numa área extremamente delicada em termos geopolíticos, vulnerável à rapina internacional e de grande potencialidade não só para a região, mas inquestionavelmente relevantes para o futuro do Brasil. Potencialidades estas que poderão servir a toda a Nação se idéias mesquinhas não vingarem no seio da opinião pública nacional. Os estímulos que propus no meu projeto sobre a extensão dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus para a Amazônia Ocidental são extremamente importantes para que se possa integrar e ocupar racionalmente a Região Amazônica por brasileiros. São providências fundamentais para que projetos, como o que agora proponho para os municípios no Entorno do Parque do Tumucumaque, possam vingar.

O projeto sobre a Amazônia Ocidental, que tramita há 5 anos no Congresso, estende à Amazônia Ocidental e à ALCMS benefícios fiscais vigentes na Zona Franca de Manaus, somente para os bens elaborados com matérias-primas de origem regional. Portanto, as isenções de IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados - seriam aplicadas a bens elaborados com matérias-primas típicas da Amazônia, não representando nenhuma ameaça aos produtos eletrônicos e eletroeletrônicos da atual Zona Franca de Manaus, muito menos ao poderoso parque industrial de São Paulo.

Tanto o projeto sobre os estímulos fiscais na Amazônia Ocidental, quanto o que agora envio para apreciação do Senado, referente ao Parque da Montanhas do Tumucumaque, são dois lados de uma mesma moeda. Fazem parte de um esforço conjunto para se transformar a preocupação ecológica, de mera retórica internacionalista, em planejamento sério, eficiente e nacional de desenvolvimento para a Região Norte.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2004 - Página 17467