Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Polêmica em torno da regulamentação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual e da criação do Conselho Federal de Jornalismo.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. POLITICA CULTURAL.:
  • Polêmica em torno da regulamentação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual e da criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2004 - Página 26847
Assunto
Outros > IMPRENSA. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, EXCESSO, CRITICA, AUTORITARISMO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, ENCAMINHAMENTO, PROJETO, CRIAÇÃO, CONSELHO, JORNALISMO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, POSSIBILIDADE, APROVAÇÃO, REJEIÇÃO, PROPOSTA.
  • ESCLARECIMENTOS, DEBATE, CONSELHO NACIONAL DE CINEMA (CONCINE), PROPOSTA, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, CINEMA, AUDIOVISUAL, ANTERIORIDADE, REMESSA, APRECIAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EFETIVAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PRODUÇÃO, AUDIOVISUAL, PAIS, GARANTIA, EXIBIÇÃO, FILME NACIONAL, TELEVISÃO, CINEMA, BRASIL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada fiz um pronunciamento a respeito de uma certa dificuldade que algumas personalidades na Oposição estão tendo face ao novo momento político e econômico do nosso País. E até para que não pairasse qualquer dúvida sobre a análise, usei uma frase da coluna da semana anterior do Deputado Delfim Neto: quando se perde o rumo e o discurso, realmente, às vezes, fica um pouco difícil trabalhar. E já brinquei também - está nos jornais -, que algumas pessoas na Oposição estão querendo fazer canja sem pé de galinha. Com pé de galinha já é difícil, sem pé de galinha fica mais difícil ainda.

Tivemos que ouvir, nos últimos dias, um discurso batendo numa tecla do autoritarismo, do autoritarismo e do autoritarismo... Junto com esse discurso do autoritarismo - inclusive é capa de uma das revistas nacionais do final de semana - vieram várias desinformação, de desvirtuamento e de declarações que não colaboram para o esclarecimento do que está posto em diversos assuntos que estão sendo apresentados, ou debatidos, ou encaminhados ao Congresso Nacional. Queria citar aqui três. Um deles é a questão dos jornalistas, do Conselho, projeto que só foi encaminhado ao Congresso Nacional por uma solicitação, um pedido, uma reivindicacão antiga, de muitos anos, da Federação Nacional dos Jornalistas. E ainda vem como projeto, para que este Congresso, soberanamente, depois do debate, faça a apreciação, a alteração, a votação, a aprovação ou a rejeição. Portanto, taxaram uma iniciativa de encaminhar o projeto como algo autoritário. Foi grande o volume de declarações e a repercussão, inclusive quem leu o projeto, muitas vezes, não consegue identificar o viés de várias críticas com o que está escrito, posto no Conselho. De qualquer forma, dizer que é autoritário encaminhar um projeto para ser debatido, apreciado e votado no Congresso nos parece um pouco de exagero.

Na semana passada, veio também a público a proposta que estava sendo debatida no Governo de um decreto para facilitar o envio e a troca de informações de dados sigilosos entre os diversos órgãos do governo. Veio também uma saraivada de declarações, de questionamentos. O Governo agora quer quebrar sigilo por decreto, não quer respeitar. Assim, vai-se atrás, tentando descobrir qual é o motivo e por onde as coisas estão passando.

É interessante, porque essa flexibilização de sigilo, de alguma forma, já trouxe grandes benefícios, porque já vem acontecendo. Por exemplo, no ano passado - com isso, vem toda a questão da CPMI do Banestado -, o repasse do sigilo quebrado pela CPMI para a Receita Federal permitiu que a Receita autuasse em algumas centenas de milhões e pudesse ter arrecadação, fruto desse cruzamento dos dados. Existem outros membros aqui da CPMI que sabem que isso foi permitido.

Lembram-se da briga do CPMF: se a Receita poderia ter acesso aos dados da CPMF, exatamente para poder fiscalizar aqueles que têm grandes movimentações bancárias, mas não declaram Imposto de Renda e fazem sonegação? Foi uma briga para poder permitir que a Receita acessasse os dados da CPMF. Houve uma séria de diz-que-diz-que, de conversas. Os sigilos que podem ser transferidos para fazer o cruzamento de outros crimes são os sigilos que estão sendo propostos, são os sigilos já quebrados por ordem judicial. Mas, de qualquer forma, isso ainda está em debate.

A outra questão - autoritarismo e tal - diz respeito à agência nacional para regular cinema e audiovisual. Presidente Sarney, estou cada vez mais indignada porque essa nem sequer ao Congresso chegou, é um pré-projeto que está em debate no Conselho Nacional de Cinema, com o site do Ministério da Cultura aberto para que todas as propostas, alterações e sugestões possam ser feitas. Só depois da deliberação do Conselho Nacional de Cinema e desse levantamento aberto pelo site do Ministério é que vem aqui para o Congresso Nacional, para que possamos debater, alterar, aprimorar e votar. Também foi apelidado de autoritário e de que seria dirigismo cultural. E lá vem um monte de viés de coisas! Ficamos tentando entender por onde está passando a lógica dos que, com falta de discurso e com perda de rumo, agora ficam querendo achar os pés de galinha para tentar fazer as canjas.

Eu não poderia deixar de tratar desses assuntos e queria me dedicar um pouco mais a esta questão do audiovisual, da absoluta necessidade de termos efetivamente a regulamentação da produção audiovisual no nosso País. Esse não é um assunto qualquer, de menor importância. Não nos venham distrair e tirar a atenção do que está por trás desse debate com essa questão de dirigismo. Houve jornalista que teve a ousadia de dizer que era um viés autoritário stalinista. Desta tribuna quero dizer que quem desviar o assunto do foco dessa questão do audiovisual é imperialista e está fazendo a defesa dos interesses que querem dominar corações e mentes pela comunicação.

Na segunda-feira, último dia do Festival Catarina, terceira edição do Festival do Documentário no Balneário Camboriú, participei de uma atividade, e fizemos um debate excelente sobre essa questão da Ancinav, sobre o que está por trás desse tema, a importância, os dados e as informações necessárias a serem colocadas.

O Senador Gerson Camata fez um belíssimo discurso a respeito do petróleo, parabenizando o resultado da atuação da Petrobras nessa licitação vitoriosa, toda a potencialidade e possibilidade que temos de alcançar autonomia em termos desse combustível, provavelmente no próximo ano. O debate que fizemos no Balneário Camboriú seguiu exatamente essa lógica.

Presidente José Sarney, se na década de 50 a campanha “O Petróleo é Nosso” teve um papel fundamental como divisor de águas em termos da potencialidade de soberania nacional, neste início de século o tema, o assunto que faz a divisão de águas é a comunicação. Só quem tiver controle e só quem puder regulamentar e colocar a serviço dos interesses de seu país a comunicação terá condições de, efetivamente, disputar soberania.

No debate, dissemos que, da mesma forma que, na década de 50, foi fundamental e estratégica para o nosso País a campanha “O Petróleo é Nosso”, estamos agora numa situação em que devemos fazer a campanha “A Tela é Nossa”.

A tela já não é mais tela; ela é uma teia, uma rede, é TV, vídeo, computador, telefone, tudo interligado. Quem domina isso, quem tem o controle da veiculação do que passa por esses instrumentos de comunicação, efetivamente, têm ou não condição de dominar.

Quando falamos de tela, estamos falando do domínio das cabeças, da mente das pessoas, domínio do comércio porque, embutidos no filme americano, estão os valores, o merchandising de seus produtos, de sua moda, de suas opiniões, de sua visão de mundo. Obviamente, não temos condição de nos contrapor se esse debate não for colocado efetivamente para a sociedade brasileira.

Para exemplificar, lembro que, nas negociações do Nafta, do qual participam os Estados Unidos, o Canadá e o México, o Canadá não permitiu que questão cultural entrasse no acordo. Cultura é interesse nacional de soberania. De forma diferente, o México permitiu. O que aconteceu a esse país? Sua produção cultural anual, que era de aproximadamente 100 filmes ao ano, caiu para apenas 17 atualmente. Além disso, não tem onde exibir seus filmes, pois, para o cinema mexicano, não há salas disponíveis. O México, que tinha a autonomia do livro didático, passou a importá-los. Esse foi o resultado da inclusão desse tema no Nafta.

Quero ainda citar alguns dados que recebi do Congresso Brasileiro de Cinema. São informações que considero pertinentes para esse debate sobre a Ancinav, a Agência Reguladora do Audiovisual no nosso País.

Nelson Pereira dos Santos e Orlando Senna, em 21 de outubro de 2002, no Canecão, disseram:

Nas próximas décadas, as maiores atividades econômicas estarão relacionadas às indústrias cultural e de telecomunicações.

Das dez maiores indústrias francesas, seis são culturais.

Das dez maiores indústrias inglesas, cinco são culturais.

A maior receita dos Estados Unidos é a indústria bélica e, em seguida, vem a indústria audiovisual, que ocupa 80% do mercado de cinema no mundo. O audiovisual é a segunda, mesmo sem levar em conta sua capacidade de anunciar e vender produtos, inclusive as armas.

O país que não desenvolver o seu audiovisual estará fadado a importar não só mídias, mas produtos e comportamentos que incidirão direta e gravemente na economia.

O Presidente Lula fez uma declaração absolutamente pertinente para este momento: “O cinema brasileiro tem que ser acolhido no regaço do seu povo. À semelhança do Fome Zero, o povo brasileiro tem o direito de ver o seu cinema, nem que seja a custo zero”.

E o custo zero para o povo brasileiro acessar o cinema é exibição na televisão. Porque só a televisão alcança 41,5 milhões de domicílios no Brasil. Portanto, a melhor a maneira de atingir a população brasileira com os nossos valores, com os nossos produtos, com o nosso interesse, com a nossa cultura é pela televisão.

E, por estranho que pareça, é exatamente o artigo que mexe na produção das TVs que está criando a maior polêmica no pré-projeto da Ancinav. Coincidência? Não acredito nesse tipo de coincidência.

Hoje, no Brasil, 80% do que é veiculado em cinema é de filmes americanos, mas, na TV, é 90%. Portanto, exatamente o instrumento, o veículo que poderia fazer com que o povo brasileiro acessasse a produção cultural brasileira é ainda mais restrito do que as salas de cinema. E não é porque não tenham audiência. Estão aqui os dados apurados pelos institutos de audiência do mês de outubro do ano passado:

O filme “Xuxa Requebra” teve 37 pontos no canal em que foi exibido. A audiência do outro canal foi de apenas 6 pontos.

“Eu, Tu e Eles” - aquele filme belíssimo - teve 27 pontos de audiência. O outro veículo teve apenas 14, no mesmo horário.

“Amores Possíveis” obteve 21 pontos, enquanto que o outro canal, 10.

Portanto, não é porque o povo brasileiro não gosta do cinema brasileiro, muito pelo contrário. Não é pela pouca qualidade do filme brasileiro, porque ele é reconhecido internacionalmente, ele tem respaldo, tem disputado prêmios de forma até discriminada porque, obviamente, quem domina mais de 80% do mercado mundial, de produção cinematográfica, domina absolutamente esse mercado e também as premiações.

Eu quero ainda apresentar alguns dados extremamente graves: no Brasil, existe uma sala de cinema para cada 110 mil brasileiros. Essas salas de cinema estão concentradas em apenas 7% dos Municípios, e o filme brasileiro é veiculado em, no máximo, 1% apenas de nossas cidades. O mercado brasileiro de vídeo e DVD, significativo para o cinema americano, é quase inexistente para produções nacionais. O filme brasileiro, infelizmente, fica praticamente inédito. E os dados, os custos e a arrecadação são assustadores: nos Estados Unidos, o custo médio de um filme é de US$50 milhões - qualquer filme lá tem, no mínimo, US$30 milhões de investimento de divulgação em mídia, ou seja, há um custo médio de US$50 milhões para fazer o filme mais US$30 milhões, portanto são US$80 milhões; no Brasil, a produção de um filme de qualidade custa algo em torno de, no máximo, R$500 mil. Esse é o valor médio com produção aqui em nosso Brasil. E, para se ter uma idéia da arrecadação, o filme Homem-Aranha arrecadou US$822 milhões! Então, estamos falando de domínio econômico, de domínio cultural, de soberania nacional, de uma situação que não pode ser debatida em hipótese alguma pelo viés - como alguns querem dar - de autoritarismo, de estalinismo, de dirigismo cultural, porque o que está em jogo neste debate é o equivalente, volto a dizer, ao debate da década de 50 sobre o petróleo. Na época, americanos assinaram o famoso Relatório Link, em que se afirmava não existir petróleo no Brasil. No entanto, vamos alcançar a soberania no setor no próximo ano.

Portanto, esse debate todo que estamos fazendo tem de ser sobre a lógica do interesse do nosso País, da nossa cultura, dos nossos produtos, do emprego dentro do Brasil, porque a indústria audiovisual emprega e tem um potencial de empregar muito mais se for valorizada, regulamentada, se houver percentuais obrigatórios de exibição, tanto na TV quanto nas salas de cinema, garantido, obviamente, o mercado produtor e o de veiculação.

Para terminar, Presidente José Sarney, registro aqui algo que pode indignar não só brasileiros, mas qualquer ser humano neste mundão de Deus. O Presidente Bush homenageou o presidente da MPAA - Motion Pictures American Association (Associação Americana de Produtores de Filmes), Sr. Jack Valenti, porque os Estados Unidos alcançaram a seguinte cifra: 85% de tudo o que é veiculado nos cinemas do mundo são filmes americanos. E, nessa homenagem, o Sr. Jack Valenti respondeu assim: “Presidente, não estou satisfeito; 85% é pouco; eu quero 100%”. Ou seja, não vão se conformar enquanto não dominarem tudo e todos, e daí decorre o debate da Ancinav e da Frente Parlamentar em Defesa do Cinema Brasileiro, que o Senador Heráclito Fortes já assinou. E apelo para que todos que temos interesse na defesa da indústria cinematográfica nacional também assinemos. Essa é a resposta que podemos dar de imediato a esse debate, que tem que se transformar, sim, em uma grande campanha nacional, com o mote: “A tela é nossa”.

Muito obrigada, Presidente. Agradeço a gentileza da tolerância por alguns minutos que ultrapassei.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2004 - Página 26847