Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do Círio de Nazaré, no Pará.

Autor
Luiz Otavio (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA CULTURAL.:
  • Comemoração do Círio de Nazaré, no Pará.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2004 - Página 31764
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, CERIMONIA RELIGIOSA, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), OBJETO, TOMBAMENTO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), PATRIMONIO CULTURAL, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, TRADIÇÃO, CRENÇA RELIGIOSA, POPULAÇÃO, SANTO PADROEIRO, REGIÃO.

O SR. LUIZ OTÁVIO (PMDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            Círio de Nazaré

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao se aproximar de mais um ciclo comemorativo do Círio de Nazaré, não me poderia furtar a mais uma oportuna declaração de meu apreço à cultura paraense e ao povo do Pará. Devemos entender tal homenagem como um tributo à devoção e à religiosidade do povo paraense, que faz da romaria a expressão maior de sua fé àquela que é considerada a Mãe Soberana e Senhora de todos os cristãos.

Para se conhecer o significado profundo que o Círio de Nazaré imprime na alma paraense, devemos recorrer a um sucinto relato sobre sua origem, acontecida lá nos idos de 1700, nas proximidades do riacho que desaguava na antiga Estrada do Maranhão. Na ocasião, um matuto encontrou, às margens do igarapé Murucutu, uma imagem da santa. Era uma réplica da estátua que se encontrava em Portugal, esculpida em madeira, com aproximadamente 28 centímetros de altura.

Deslumbrado com o achado, levou a imagem para casa, improvisando ali um humilde altar para venerar a santa. No dia seguinte, a imagem desaparecera de seu improvisado altar, sendo novamente reencontrada à beira do mesmo rio. Sabedor do fato, o governador da província, à época, mandou levar a imagem para o palácio, mantendo-a sob severa vigilância. Na manhã seguinte, sem que se pudesse explicar, a santa voltara ao seu nicho primitivo.

Nessas condições, os devotos então entenderam que o desejo da santa era ficar às margens do Murucutu. E lá construíram a primeira ermida. Desde então, o povo invoca as bênçãos da Santa e lhe atribui o recebimento de muitas graças.

Como me é de costume confessar, não me inquieto, nessas ocasiões, em discernir se se trata de estórias fundadas em fatos reais ou não. Mesmo em se tratando de mero fruto do imaginário popular, sua sobrevivência como lenda ou narrativa poética, sua exuberância e permanência já nos bastam. Afinal de contas, estamos a celebrar a fé, que é real, visível, concreta - fé e devoção a que o povo paraense se prende por força de sua santa, não só na época do Círio, mas em todos os dias do ano.

Lenda e fatos se entrelaçam, se mesclam e constroem uma corrente de fé, que domina e cativa corações e mentes paraenses. Por isso mesmo, o Círio sofreu modificações ao longo do tempo, mas a movimentação da imagem por ocasião dos festejos reproduz, de forma simbólica, o milagre de trezentos anos atrás, quando a santa, trasladada de seu lugar de aparecimento, sempre reaparecia na mesma cavidade das pedras em que fora descoberta. Tal trajeto se repete todo ano, em três momentos: a Trasladação, o Círio e o Recírio.

Com duração de 15 dias, o Círio se inicia na noite de sexta-feira, antevéspera da grande procissão, quando o arcebispo metropolitano de Belém promove a abertura oficial da quadra nazarena, ao presidir a cerimônia que inaugura o ciclo da festividade. A Basílica de Nazaré reaparece com todo o esplendor de luzes a lhe delinear o contorno.

No sábado à noite, véspera do Círio, acontece a Trasladação, que implica o transporte da imagem da Santa da Capela do Colégio Gentil Bittencourt, em Nazaré, até a Catedral Metropolitana, na Cidade Velha. Trata-se das mais belas procissões noturnas de que se tem notícia, com a berlinda da Virgem intensamente iluminada, destacando-se sobre a massa de fiéis que a conduzem, em meio a orações e cânticos.

No dia seguinte, a cidade acorda antes do sol nascer e se prepara para o grande acontecimento religioso e festivo do povo paraense. Tal é o dia do Círio, da majestosa procissão que, saindo da Catedral, conduzirá a imagem da milagrosa Santa até o Largo onde se situa a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.

O percurso, com dois quilômetros e meio de extensão, é percorrido em cerca de quatro horas. Em pouco tempo, milhares de pessoas formam uma massa compacta a acompanhar a romaria, enquanto outras milhares se espalham pelas ruas de Belém, num espetáculo impressionante de fervor e devoção.

É a representação da solidariedade a unir milhares de anônimos numa mesma expressão de fé. Para os devotos, é o momento sublime, em que se alcança o elevado significado da palavra "religião", que traduz um sentimento comunitário de pertencimento a um mundo externo, na transcendência do divino. O encerramento dos festejos ocorre após o quarto domingo do mês, quando se dá a procissão de retorno, chamada Recírio. A imagem da Santa é devolvida ao seu nicho na Capela do Colégio Gentil Bittencourt e ali fica até o próximo Círio.

Sr. Presidente, às vésperas de mais um ciclo comemorativo, chegaremos à abertura das festividades do Círio de 2004, com a mesma expectativa de solidariedade, paz e reflexão existencial. E, para satisfação dos brasileiros longe do Pará, a colônia paraense em Brasília festejou há poucos dias a data religiosa, mobilizando católicos em torno da berlinda de Nossa Senhora. Neste ano, o Círio de Brasília atraiu cerca de três mil fiéis à Igreja de Nossa Senhora de Nazaré. A procissão percorreu alguns quilômetros de vias no bairro do Lago Sul.

Na capital federal, os organizadores da festa religiosa ficaram entusiasmados com a calorosa recepção dada ao evento pelos paroquianos, e também pela quantidade de paraenses, moradores de Brasília e das cidades-satélites. Criado por um pequeno grupo de católicos do Pará, o Círio em Brasília foi o primeiro passo para a instalação da paróquia de Nossa Senhora de Nazaré na capital do Brasil. Deve-se acrescentar que as Organizações Rômulo Maiorana (ORM) estiveram presentes no evento, com estande, e distribuíram cortesias do jornal O LIBERAL, bem como, fitas de Nossa Senhora de Nazaré para os devotos de Brasília.

Sr. Presidente, no Pará, neste ano, cerca de 900 jornalistas - entre brasileiros e estrangeiros - vão cobrir o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Pelo menos esse é o número de credenciamentos que já foram distribuídos até meados de setembro. A responsabilidade do credenciamento é da Diretoria da Festa de Nazaré, em parceria com a Paratur. Para se ter uma idéia, de acordo com a coordenadoria dos trabalhos, a Diretoria da Festa credenciou, em 2003, 730 jornalistas para o Círio de Nazaré. No ano passado, vale lembrar, foram credenciados jornalistas da França, Alemanha, Itália, Japão, Inglaterra e Estados Unidos.

Sr. Presidente, não sem propósito, há bem poucos dias, o venerado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, anunciou, no Rio de Janeiro, o tombamento do Círio de Nazaré como patrimônio cultural brasileiro, atendendo a um pedido feito em 2001. Os procedimentos de instrução do processo consistiram no inventário da manifestação, cujo resultado encontra-se sistematizado em banco de dados.

Todo esse trabalho foi executado por equipe multidisciplinar, envolvendo técnicos do Iphan de Belém, Brasília e Espírito Santo, além de contratados. Participaram antropólogos, historiadores, arquitetos, arquivistas, um teólogo, um filósofo, técnicos em edificação e estagiários de arquitetura. A elaboração do dossiê sobre o Círio também contou com as contribuições do fotógrafo Luiz Braga, do arquiteto Mário Barata II e da Fundação Curro Velho.

Desse modo, a festa paraense se afigura como a primeira manifestação religiosa tombada como celebração. Portanto, a edição de 2004 adquire significado especial para os dois milhões de romeiros que se dispõem a acompanhar a imagem da santa pelas ruas de Belém. Isso resulta de um pedido de registro da Arquidiocese de Belém e das Obras Sociais dos Arrumadores do Estado do Pará.

Tal modalidade de registro foi instituída pela Lei nº 3.551, de agosto de 2000, e pode ser pedido por instituições públicas ou privadas, associações civis e organizações não governamentais. Para tanto, levam-se em consideração a natureza imaterial, as criações culturais de caráter dinâmico e processual, fundadas na tradição e manifestadas por indivíduos ou grupos de indivíduos como expressão de sua identidade cultural e social.

Além de estimular a continuidade da procissão religiosa, a instituição do registro de bens culturais de natureza imaterial abre novas e mais amplas possibilidades de reconhecimento das contribuições dos diversos grupos formadores da sociedade brasileira. Em larga medida, isso se justifica pelo legado memorial e cultural, enraizado no cotidiano das comunidades, que deve ser repassado de geração para geração.

De maneira muito peculiar, a equipe do Iphan tratou o Círio não como uma tradição estática, mas sim como uma herança cultural em constante movimento. Na realidade, a instrução do processo de pedido de registro na categoria "celebração" constou de descrição pormenorizada de 44 bens associados, acompanhada da documentação correspondente, que menciona todos os elementos culturalmente relevantes.

Para confeccionar o inventário de referências culturais, foi feita identificação geral das manifestações associadas ao Círio. Foram arroladas, entre outras atividades ritualísticas, a devoção, o arraial, o almoço, a berlinda e a corda. Coordenado pela 2ª Superintendência Regional do Iphan, o inventário teve a supervisão e o acompanhamento do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI).

Segundo fontes seguras, o relator do Iphan designado para o processo do Círio deu parecer totalmente favorável, o que nos alegrou imensamente. Um resumo do parecer foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 25 de agosto, dando um prazo de 30 dias para questionamentos dos interessados. Não houve qualquer manifestação contrária ao reconhecimento do Círio como patrimônio cultural do Brasil, o que reforça ainda mais sua relevância como procissão religiosa.

Sr. Presidente, no Pará, à beira da nova edição, a imprensa local não deixa de noticiar as novidades da celebração, sublinhando, por exemplo, o tradicional traslado dos 13 carros dos milagres, sob a escolta da Guarda de Nazaré. A partir do próximo sábado, os carros partirão do arraial de Nazaré e seguirão pela travessa 14 de Março, Antônio Barreto, Doca de Souza Franco e Boulevard Castilhos França. A bem da verdade, todos os carros passaram por uma reforma, desde a revisão mecânica e pintura até o trabalho de fibragem de vidro além de reparos nos pneus, soldagem e outros pequenos trabalhos. Vale mencionar, por último, que quatro carros dos milagres ficarão disponíveis para exibição pública no Boulevard das Artes, na Estação das Docas.

A maior novidade, no entanto, fica por conta do retorno do carro "Cesta de Promessas", que fez parte das primeiras procissões do Círio e retorna agora para compor o cenário da festa religiosa, recebendo os votos dos promesseiros. No total, serão 280 guardas de Nazaré envolvidos na organização, no dia da romaria, para garantir a ordem e a segurança dos promesseiros.

Diante do exposto e concluindo o meu pronunciamento, nada mais natural que estender o convite da festa do Círio para além da esfera do Senado Federal, na convicção de que o povo brasileiro deve aproveitar a oportunidade ímpar de comparecer e prestigiar o evento. Cabe enfatizar, por fim, que o povo do Pará é mundialmente reconhecido como um povo hospitaleiro e gentil, pronto para bem receber seus visitantes e apresentar o potencial turístico do Estado. Em suma, o Pará aguarda ansiosamente pela presença de todos, para que juntos festejemos nossa santa e saudemos mais um ano de mútua alegria e cordialidade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2004 - Página 31764