Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização da quarta Reunião Mundial de Educação, em Brasília. Considerações sobre o Programa Universidade para Todos (ProUni).

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.:
  • Realização da quarta Reunião Mundial de Educação, em Brasília. Considerações sobre o Programa Universidade para Todos (ProUni).
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2004 - Página 35609
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, REUNIÃO, AMBITO INTERNACIONAL, DISCUSSÃO, DIRETRIZ, MELHORIA, EDUCAÇÃO, LEITURA, PROPOSTA, DETERMINAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO).
  • CRITICA, SISTEMA, AVALIAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRIAÇÃO, PROGRAMA, DISPONIBILIDADE, VAGA, UNIVERSIDADE PARTICULAR, ESTUDANTE, BAIXA RENDA, INEFICACIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ENSINO, AGRAVAÇÃO, CRISE, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, PRIORIDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou dedicar esses vinte minutos para falar sobre Educação. O Presidente do nosso Partido, Senador Jorge Bornhausen, já falou sobre o assunto, mas eu, por coincidência, também já havia escolhido esse tema, assim, abordarei três questões específicas.

Primeiramente, eu gostaria de saudar o início, no dia de hoje, da IV Reunião Mundial de Educação. Trata-se de um encontro de alto nível que está ocorrendo no Itamaraty, cuja abertura ocorreu às 15h, com a presença do Presidente Lula. Trinta Ministros da Educação, basicamente da América Latina, mas também de outros países, para cá vieram no intuito de discutir as chamadas Metas do Milênio, um conjunto de diretrizes para melhoria da Educação que países do mundo inteiro estabeleceram para serem alcançadas até 2015.

São elas:

1.     expandir e melhorar a Educação e cuidados com a infância;

2.     assegurar educação gratuita, obrigatória e de qualidade;

3.     assegurar que as necessidades básicas de aprendizagem de jovens sejam satisfeitas de modo eqüitativo, por meio de acesso a programas de aprendizagem apropriados;

4.     atingir cerca de 50% de melhoria nos níveis de alfabetização de adultos;

5.     eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária e alcançar igualdade de gênero até 2015 [o que já existe no Brasil], como foco no acesso de meninas à educação básica de qualidade;

6.     melhorar a qualidade da Educação.

Portanto, são metas gerais. A Unesco, responsável pela parte de Educação da ONU, realizou a reunião em que se fixaram essas metas e praticamente todo ano há uma reunião ministerial no sentido de acompanhar e verificar onde isso será atingido. Neste ano, ela está ocorrendo no Itamaraty, em Brasília, e, em nome do Senado, eu gostaria de saudar a todos os participantes, manifestando minha alegria pelo fato.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, ontem, houve a realização do chamado Enade, que, na realidade, é o substituto do Provão.

Já discutimos esse tema. O Provão foi uma grande iniciativa do Governo anterior, na gestão do Ministro Paulo Renato, porque não existia no Brasil a cultura da avaliação. Evidentemente, como qualquer avaliação, o Provão não era perfeito, mas criou uma tradição e os alunos estavam acostumados com ele: já não havia mais protestos, tudo funcionava de forma ordenada e os resultados estavam sendo levados em conta pela sociedade.

Senador Osmar Dias, Presidente da Comissão de Educação, V. Exª deve-se lembrar que, quando era divulgado pelo Ministério da Educação o resultado do Provão, toda a mídia nacional o apresentava com destaque, algumas revistas semanais até na primeira página. No entanto, o Ministério da Educação resolveu, como se diz, reinventar a roda. Então, encerrou o Provão e resolveu fazer outro teste, o Enade.

Com relação a esse sistema de avaliação, houve novamente protestos, exatamente porque as pessoas não sabem muito bem como vai funcionar esse novo critério de avaliação. Inclusive, as principais universidades de São Paulo, as melhores do Brasil em muitos cursos, não participaram.

As suas mudanças principais são: primeiro, deixou de ser obrigatório para ser feito por amostragem obrigatória, o que, ao meu ver, é um erro. Sou um ex-professor de Estatística, portanto posso falar disso com algum conhecimento. Se se pretende apurar o resultado global, pode-se fazê-lo por amostragem, mas se se quer apurar o resultado curso por curso, faculdade por faculdade, universidade por universidade, o teste deve ser aplicado em todos.

Por outro lado, o teste do Ensino Fundamental, que, esse sim, deveria ser feito por amostragem, como já ocorria, agora vai ser feito para toda a população, ou seja, milhões de alunos em todo o Brasil.

Então, na realidade, a questão não é politicamente errada, mas tecnicamente equivocada.

Em segundo lugar, aplicou-se o mesmo teste em quem está na primeira série e em quem está na última. Ora, quem está na primeira série não sabe nada sobre seu curso. Quem está no primeiro ano de Medicina não entende nada do assunto. Isso só vai acontecer quando terminar o curso.

Então, os rapazes e as moças do primeiro ano, evidentemente, responderam apenas as perguntas de caráter geral, porque as de caráter específico elas não sabiam. Das 40 questões, 10 eram de caráter geral e 30, de caráter específico. Esse é outro erro e, na verdade, está-se jogando dinheiro fora e incomodando esses jovens sem necessidade.

Em terceiro lugar, Sr. Presidente, eu gostaria de falar um pouco sobre o Ensino Superior.

Não faz muito tempo, tomei lugar nesta tribuna com o objetivo de, mais uma vez, como tenho feito, criticar o uso excessivo de medidas provisórias pelo Governo do Presidente Lula. Ninguém ignora os preceitos constitucionais que regem a edição desses instrumentos; ninguém ignora os atropelos que a sua edição sucessiva provoca nos trabalhos legislativos; ninguém ignora, por fim, que tal abuso pode vir a causar um desequilíbrio entre os Poderes da República.

Tudo isso é muito grave. Tudo isso é verdadeiramente injustificável, embora sobejamente conhecido. Em conseqüência, peço desculpas a V. Exªs para, neste momento, deixar um pouco de lado a análise de tais questões - da mais absoluta relevância, se bem que genéricas - para me deter nos efeitos da edição de uma medida provisória em particular.

Dos debates atualmente em curso no Brasil, talvez nenhum seja mais controverso e indefinido do que a chamada reforma universitária. Ao que parece, nenhum analista duvida da sua necessidade e premência, mas poucos conseguem delinear com exatidão quais são os desafios a enfrentar, os objetivos de se reformar e o modelo de universidade que se almeja.

Em meio ao cenário ainda nebuloso da reforma, é possível definir alguns elementos centrais: a autonomia universitária, as questões da avaliação, do funcionamento, da interface com a sociedade e o mercado, e da inclusão social. A última reforma universitária já dista 36 anos no tempo, o que se reflete na própria estrutura administrativa e orgânica da universidade, a requerer também ela uma profunda reestruturação a fim de se adequar a um tempo de extremo dinamismo e mutação.

V. Exªs não tenham, porém, dúvidas quanto à urgência de se enfrentar especificamente um problema: o do acesso ao Ensino Superior. O Brasil possui uma das mais baixas “taxas de escolarização superior bruta” (isto é, proporção de estudantes de nível superior em relação à população de 18 a 24 anos) da América Latina. Atualmente, apenas 9% dos jovens brasileiros nessa faixa de idade conseguem uma vaga no Ensino Superior. O objetivo declarado do MEC é chegar a um índice de 30%, cumprindo, assim, a meta proposta pelo Plano Nacional de Educação.

Desde meados dos anos 90, especialistas em Educação vêm alertando para o fato de que o País precisaria de, pelo menos, duplicar o tamanho da Educação Superior. O Governo anterior tomou para si a tarefa, mas, dadas as limitações de financiamento, teve de fazê-lo com o auxílio da iniciativa privada. O Partido dos Trabalhadores não se fartou, então, de criticar as políticas do então Ministro Paulo Renato, acusando o que seria um privilégio ao setor privado em detrimento do ensino público.

O que fez o Governo do Presidente Lula? Anêmico na área social, viu-se premido a apresentar resultados. Na Educação, ao invés de investir no nível fundamental, que deveria ser prioridade, o Ministro Tarso Genro propõe para o Ensino Superior, sem debater com a comunidade acadêmica, um projeto polêmico, confuso, e que parece, pôr fim, este sim, beneficiar demasiadamente o setor privado.

E que projeto é esse? Trata-se do Programa Universidade para Todos - ProUni, instituído pela Medida Provisória nº 213, de 2004, depois de o próprio Ministro ter afirmado na Comissão de Educação desta Casa que não iria se valer do expediente de editar medida provisória para matéria tão relevante. Em linhas gerais, o Programa prevê a destinação de vagas de instituições privadas com e sem fins lucrativos para estudantes de baixa renda, pessoas portadoras de necessidades especiais e professores da rede pública. É opcional para as instituições com fins lucrativos, que, em troca, teriam isenção de alguns tributos, mas é obrigatório para as instituições filantrópicas, pois estas já se beneficiam de isenção tributária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não estamos falando aqui de um projeto qualquer, mas sim de um programa da ordem de R$488 milhões e que envolve a sempre polêmica renúncia fiscal. Os impostos que deixarão de ser cobrados são: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Segundo estimativas do Ministério da Educação, entre 280 e 320 mil vagas seriam criadas. Estamos diante, portanto, de um Programa a um só tempo complexo, delicado e vultoso.

O Projeto de Lei da Universidade para Todos foi apresentado na Câmara dos Deputados no dia 18 de maio deste ano e tramitava em regime de urgência constitucional. Pelos trâmites normais, deveria passar por três Comissões Permanentes: Finanças e Tributação; Educação e Cultura e a de Constituição e Justiça. Mas houve o pedido para a inclusão da Comissão de Seguridade e Família. Por isso, foi criada uma Comissão especial, composta por 60 Deputados, entre titulares e suplentes, para analisar o Projeto. Como se vê, o Poder Legislativo estava exercendo o seu papel, quando se deu a edição da medida provisória.

Alguns jornais declararam que havia pressão de instituições com fins lucrativos para a retirada do texto, de vez que estas queriam tentar ampliar benefícios para o setor. Se é esta a motivação da medida provisória, tanto mais torpe é a iniciativa. Ficaremos, no entanto, por precaução, com a hipótese de que o Governo desejava estruturar melhor o Programa. Se, de outro lado, é essa a motivação, ainda assim falhou o Governo Federal, pois são inúmeras as arestas que ainda vicejam nas premissas e no desenho do Projeto, o que lhe assegura a reputação de mal-estruturado.

O ProUni conseguiu a façanha de desagradar os mais diversos setores: primeiro o Congresso Nacional se viu desrespeitado pelo atropelo do Executivo; segundo, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou manifesto em que questiona a falta de investimento na estrutura pública já constituída das Universidades Federais e se posiciona por uma ampliação do sistema; terceiro, as universidades comunitárias e filantrópicas disseram que já atendiam sobejamente aos objetivos do ProUni; quarto a União Brasileira (UNE) externou sua preocupação com o fato de as instituições que já aderiram ao ProUni não terem sido positivamente avaliadas; quinto, setores da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acusaram o Governo de estar “prostituindo o instituto da Medida Provisória”; sexto, mesmo as instituições privadas com fins lucrativos temem o desequilíbrio financeiro e a vinculação do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies) com o ProUni, alegando, assim, que não há livre adesão a este último, mas antes uma vinculação indireta e forçada.

A arbitrariedade, ao que tudo indica, é a verdadeira marca do Programa. A seleção dos alunos, por exemplo, segundo o art. 3º da Medida Provisória, ficará a cargo do Ministério da Educação, com base no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, sem qualquer interveniência das instituições de ensino, o que fere de morte o princípio da autonomia universitária.

E o que dizer, Sr. Presidente, da fiscalização do ProUni? Segundo o Ministro Tarso Genro, a fiscalização será feita pelo MEC. É o caso de se questionar, portanto, a estrutura de que dispõe o Ministério para este fim. Segundo informações divulgadas pela assessoria de imprensa do MEC, será utilizado o chamado Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) que, diga-se de passagem, ainda patina nos seus aspectos técnicos e operacionais.

Além disso, a condução do Programa está a cargo da Equipe do Fies. Pois bem, é novamente o caso de se perguntar: de que estrutura dispõe o Fies? Respondo, Sr. Presidente, que o Fies não conta, hoje, com mais de 20 funcionários. Trata-se de uma equipe séria e competente, mas extremamente acanhada, sobretudo quando se considera que apenas quatro ou cinco são técnicos. Contudo, ainda que o sistema funcionasse a contento e o Fies dispusesse de equipe eficiente para tocar os dois Programas, restaria grave equivoco: um curso somente seria desqualificado do Programa após ser considerado insuficiente por três vezes seguidas. Enquanto isso, os alunos seriam prejudicados e o Erário pagaria por um produto ruim.

Como se depreende, a preocupação com a qualidade não orientou a formulação desta política. A lista das instituições aderentes ao Programa constitui outro problema. Como se não bastasse o anúncio ter sido feito pelo Ministério da Educação em hora imprópria, antes mesmo de ele ser aprovado no Congresso, o que prejudicou os trabalhos da Comissão Provisória, verificou-se em seguida que 75% das instituições ainda não haviam sido avaliadas pelo MEC. Já em relação aos cursos daquelas faculdades, dentre os 68 cursos avaliados, a grande maioria obteve conceitos C, D e E, os piores do Provão.

Portanto, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na realidade, o objetivo do ProUni é exatamente o desejo de colocar os alunos que têm mais dificuldades, os que têm menos preparo, nas piores faculdades. Assim, aproveitam-se vagas naquelas universidades ou faculdades para onde ninguém quer ir. De certa forma, o Governo vai comprar essas vagas, beneficiando diretamente as piores faculdades e universidades do Brasil.

Especialistas da comunidade acadêmica e a mídia em geral têm apontado como um dos mais graves problemas do ProUni a sua falta de transparência. Criticam-se as condições de total mistério em que foi forjado; critica-se a edição de Medida Provisória, o que acabou cerceando o debate democrático no seio do Legislativo; criticam-se as brechas para certas instituições que perderam o status de filantrópicas; critica-se, por fim, a possibilidade de o ProUni simplesmente fraudar a intenção manifesta de seus criadores, pois em algumas instituições há o risco ponderável de haver diminuição das bolsas concedidas. O Reitor da PUC do Rio de Janeiro, Padre Jesús Hortal Sánchez, afirma que a universidade estuda a possibilidade de entrar na Justiça contra o Programa, pois um de seus efeitos será diminuir o número de bolsas parciais, haja vista que o ProUni cria regras mais rígidas com o objetivo de garantir um mínimo de bolsas integrais. Com isso, as universidades perdem margem para oferecer mais bolsas parciais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero ter contribuído para pôr a nu alguns dos problemas estruturais de que padece o ProUni. Todavia, no melhor interesse público, é bom que se diga ao cabo que o pior defeito do Programa é de origem, pois além de não contribuir eficazmente para sanar o grave problema de acesso ao Ensino Superior, abre espaço para que um mito se perpetue: o de que é possível resolver a situação do ensino no Brasil sem atacar a base do sistema, promovendo a educação fundamental de qualidade.

Sr. Presidente, na realidade, este é um Programa inócuo e que acarretará muito mais riscos do que benefícios. Enquanto isso, não se faz nada com relação ao Ensino Fundamental. O Fundef, desde que foi criado - e prestou um grande serviço ao Brasil - a atual base do Governo, principalmente o PT, sempre o criticou, alegando que o Fundef atendia apenas o Ensino Fundamental, em detrimento da pré-escola e do 2º Grau. Diversos Deputados e Senadores apresentaram, em nome do Partido, projetos no sentido de ampliar o Fundef e também seus valores. No entanto, já são passados quase dois anos do atual Governo, e não se tomou nenhuma iniciativa a fim de melhorar o Ensino Fundamental no Brasil. Dois Ministros já ocuparam o cargo, e o Fundef funciona com recursos muito baixos, como anteriormente, e não existe medida efetiva no sentido de melhorar o Ensino Fundamental do País.

Saúdo a realização do encontro, patrocinado pela Unesco hoje no Brasil, e espero que ele sirva para alertar o Governo brasileiro de que a prioridade essencial na educação tem de ser o ensino fundamental.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2004 - Página 35609