Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso do centenário de nascimento de Lourenço da Fonseca Barbosa, compositor pernambucano.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso do centenário de nascimento de Lourenço da Fonseca Barbosa, compositor pernambucano.
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/2004 - Página 36515
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, COMPOSITOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), IMPORTANCIA, OBRA MUSICAL.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Sr. Presidente, solicito de V. Exª a autorização para dar como lido o pronunciamento que preparei em homenagem ao pernambucano Lourenço da Fonseca Barbosa, famoso compositor, conhecido como Capiba, que, se estivesse vivo, completaria cem anos no dia 28 de outubro próximo passado.

Muito obrigado.

 

*********************************************************************************

SEGUE NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SR. SENADOR JOSÉ JORGE.

*********************************************************************************

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Pernambuco celebrou, em ritmo de grandes homenagens, no dia 28 do mês de outubro passado, o Centenário de Lourenço da Fonseca Barbosa, que traz a alcunha de “Capiba”, reconhecido pela historiografia nacional da música, como um dos maiores compositores e instrumentistas da música popular brasileira.

Considero as homenagens de Pernambuco ao seu filho Capiba, como gestos de reconhecimento e da maior justiça ao artista plural que foi aquele mestre da música e, também, como forma de perpetuar a sua memória entre nós, pelo exemplo de cidadania que nos legou e pela sua imagem nunca esmaecida de uma pessoa com admirável sensibilidade humana.

Por isso, na condição de representante de Pernambuco no Senado Federal, quero me associar, com grande honra e também muita alegria, a todos os que lhe rendem homenagens, para registrar nos anais desta Casa alguns aspectos referentes à sua história, à sua pessoa e à sua obra musical.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Lourenço da Fonseca Barbosa, que herdou do seu avô a alcunha de "CAPIBA", nasceu na antiga Vila de S.José do Surubim, no dia vinte e oito de outubro de 1904. A vilazinha se originara de uma fazenda no agreste setentrional de Pernambuco, que na segunda metade do século XIX era ponto de parada dos boiadeiros, que tangiam gado do sertão para o litoral, para venda e abate em Recife e noutras cidades da zona do açúcar.

A vila prosperava como entreposto comercial e já possuía uma bonita capela dedicada a S.José, mas começou a ganhar mais fama e prestígio na região ao criar uma banda de música e contratar para dirigi-la um músico da capital, o mestre de banda Severino Atanásio de Souza Barbosa, pai de Capiba.

Tenho certeza, Srªs e Srs. Senadores, de que cada um de nós e, sobretudo V. Exª, Sr. Presidente - que é nordestino e conhece por experiência própria o interior do Nordeste, além de ser homem afeito à contemplação estética dos bens da arte -, pode parar no tempo e imaginar o impacto social daquela banda de música, no final do século XIX, na pequena S.José do Surubim !

Para aqueles homens fortes, sertanejos valentes, vaqueiros rudes, que varavam as veredas de nosso Estado, do litoral aos sertões do Rio S.Francisco, estar na Vila de S.José do Surubim e ver a banda tocar, era, sem dúvida, entrar no deslumbramento da vida, mergulhar na fantasia dos sonhos e banhar-se de novas esperanças.

Pois bem, nobres Srªs e Srs. Senadores, foi neste berço de encantamento, que nasceu e cresceu Lourenço, nosso Capiba, nono filho do Mestre Atanásio.

É certo que ao longo da vida Capiba tornou-se um artista multifacetado, de muitos gêneros musicais, de muitos ritmos e de ampla diversidade de fontes de inspiração, mas foi a banda de música seu primeiro berço artístico. Ao longo da vida, a qualquer tempo e em qualquer lugar, Capiba se transformava em criança ao ouvir uma banda e era seu maior orgulho, ele mesmo, ter sido músico de banda, desfilando sob aplausos em tantas comunidades nordestinas.

Hoje, a ele que já está na eternidade, bem lhe cabem os versos de Mário Quintana:

No céu vou ser recebido com uma banda de música

tocarão um dobradinho daqueles que nós sabemos.

pois, nada mais celestial do que a música que um dia

ouvimos no coreto municipal de nossa cidadezinha.

A Vila de S.José, atual cidade de Surubim, torrão natal também do saudoso apresentador de televisão Abelardo Barbosa, nosso Chacrinha, era o primeiro dos elos da corrente migratória daquela família nordestina.

De Surubim a família de Capiba migrou para a vila de Floresta dos Leões, hoje cidade de Carpina. Ele tinha apenas 6 anos. De lá o Mestre Atanásio, após um breve intervalo morando em Recife, migrou para a hoje cidade de Taperoá, terra do escritor Ariano Suassuna, para dirigir a banda Lira da Borborema. Depois, fugindo da seca de 1915, migrou para Campina Grande para dirigir a Charanga Afonso Campos. De lá Capiba foi com o irmão Antônio estudar em João Pessoa em 1924, de onde e por fim migrou para Recife, sua última estação, já em 1930.

Recife adotou definitivamente o Mestre Capiba, até o dia 31 de dezembro de 1997 quando faleceu e, na mesma cumplicidade, ele se tornou, com seus méritos e seu talento, um ícone da música pernambucana. 

Sr. Presidente, a história de Capiba, como músico, se dá de forma sempre ascendente, desde o início, quando ainda criança aprende a tocar diversos instrumentos de banda em sua família, onde todos os irmãos e irmãs tocavam vários instrumentos.

Conquistou seu primeiro emprego de artista em 1920, tocando piano no Cine Fox de Campina Grande, nos áureos tempos do cinema mudo, enquanto era feita a projeção dos filmes. Em 1925 já tocava piano no famoso Cine Rio Branco da capital da Paraíba.

Seu primeiro trabalho editado, segundo pesquisadores, foi a valsa "Meu Destino", em 1923. Em 1924 usa pela primeira vez o nome Capiba, na edição da valsa "Lágrimas de Mãe".E na Paraíba, em 1926, compõe a primeira música para carnaval, como faria depois até quase o fim de sua vida.

Ganhou seu primeiro concurso fora do Nordeste em 1929 com o tango "Flor das Ingratas", promovido pela revista Vida Doméstica do Rio de Janeiro. Ainda em 1929 classificou-se em 4º lugar no grande concurso para o carnaval de 1930 do Rio de Janeiro, com o samba de roedeira "Não quero mais...", feito em parceria com seu amigo João dos Santos Coelho. O concurso promovido pela Casa Édison teve como vencedor o grande compositor Ary Barroso, com a marcha "Dá Nela...".

No carnaval de 1931 o Recife canta sua primeira marchinha de carnaval, intitulada "Dona, não grite...". Desde então Pernambuco canta os seus sucessos de carnaval: "Tenho uma cousa pra lhe dizer", "É de amargar", "Sei lá se é", "Quando eu passo em sua porta","Quem vai pra farol é bonde de Olinda", "Pergunte aos canaviais", "Casinha Pequenina", "Linda Flor da Madrugada", "Morena cor de canela" e tantos outros.

No mesmo ano de 1931 fundou a orquestra Jazz-Band Acadêmica, com a intenção de angariar fundos para a construção da Casa do Estudante de Pernambuco. Na estréia da orquestra, na formatura dos concluintes do curso de medicina, no Derby, apresentou pela primeira vez a sua famosa "Valsa Verde", composição que caiu no gosto do povo e se tornou música obrigatória em todas as festas e solenidades. Era o começo do reinado de Capiba em Recife.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil musical reconhece a admirável obra de Capiba. No entanto, o que faz dele um musicista singular, me parece, foi o compromisso que assumiu consigo mesmo de se tornar pesquisador das raízes musicais de nossa cultura, em cada vertente das raças miscigenadas em nosso país. Era Capiba um apaixonado admirador da música genuinamente nordestina.

Por isso despertavam-lhe o maior interesse todas as cantigas populares, profanas e sacras, que ouvia nas feiras, nas festas, nas serenatas. Observava e estudava, com a maior atenção, os cantadores e repentistas, as músicas de danças de roda, o aboio triste dos vaqueiros nas pegas de boi, o batuque das senzalas e o samba dos morros. Estudava todas as melodias e todos os ritmos das bandinhas de pífano e das zabumbas até as orquestras, os conjuntos, as bandas e charangas que executavam música erudita em desfiles, nos clubes ou nos coretos das cidades.

O povo, a comunidade, os artistas populares eram seu laboratório. E ao povo procurava devolver as suas descobertas, ao fazer em suas composições toda uma releitura do universo musical popular apreendido, no intuito de construir a verdadeira música brasileira e nela espelhar a alma de nosso povo, sua originalidade, sua beleza, sua filosofia de vida.

Capiba constitui, em vida, uma grande obra musical: são suas inúmeras canções, sambas, sambas-canções, choros, modinhas, baiões, xotes, maracatus e, sobretudo frevos, todos os tipos de frevo, como frevo-de-bloco, frevo-de-rua e frevo-canção. Para Capiba o frevo é uma privilegiada forma musical, que calha na alma do povo, pela sua alegria, pelo seu envolvimento, pela cumplicidade de todos os foliões na igualdade de quem cai no passo.

Capiba também executava a música erudita e ritmos estrangeiros, sobretudo após seu encontro com o Maestro Guerra Peixe e compôs musicas de raízes européias do Brasil colonial, como operetas, valsas, dobrados, missas, polcas e tangos. Participou também, na década de setenta, do movimento armorial, liderado pelo dramaturgo e romancista Ariano Suassuna, compondo a peça em 3 atos "Sem lei nem rei" e "A Grande Missa", que ele considerava sua obra mais bonita.

Musicou também poemas de grandes poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, João Cabral de Melo Neto e Mauro Mota. Neste eixo, obteve o maior sucesso a música "A mesma rosa amarela", feita para o poema do seu amigo Carlos Pena Filho.

Esteve também ao lado de Hermilo Borba Filho no movimento teatral, após a redemocratização do pais em 1945, compondo músicas para peças do Teatro do Estudante de Pernambuco e do Teatro Popular do Nordeste.

Capiba foi presença constante nos grandes festivais de música popular brasileira e também nos festivais internacionais da canção popular realizados no Rio de Janeiro, onde foram celebrizadas a "Canção do negro amor" e "Festa de Cores".

Obra de maior repercussão nacional foi, sem dúvida, a sua canção "Maria Betânia", imortalizada pela voz de Nelson Gonçalves. Mas outras canções também ultrapassaram as fronteiras do tempo e continuam sendo cantadas pela população, como a trilogia de canções a Recife, Olinda e Igarassu: "Recife, cidade lendária", "Olinda, cidade eterna" e "Igarassu, cidade do passado".

Por todas essas razões, o homem que hoje homenageamos nesta Casa ficou imortalizado em nossa música e como "as cousas que não conseguem ser olvidadas, continuam acontecendo".Capiba continua acontecendo nos festivais de música popular, nos bailes, nos clubes e nas ruas, frevando ao som de músicas imortais de nosso carnaval.

Quem privou da sua amizade, quem estudou a sua obra, quem cantarolou os seus frevos, as suas marchas, as suas canções, as suas valsas, ou pelo menos quem simplesmente o viu durante seis décadas, cantando e caindo no passo ao som dos seus próprios frevos, nas ruas e nos salões de Recife, jamais poderá esquecer o famoso Mestre Capiba, de tantos e velhos carnavais, ele, seguramente, o melhor compositor brasileiro de músicas enraizadas na cultura nordestina.

Por isso quero registrar nos Anais desta Casa a admiração, o respeito e a gratidão que o povo pernambucano dedica ao seu filho artista, Lourenço Barbosa Batista, o famoso Capiba.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/2004 - Página 36515