Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativas a projeto de lei de autoria de S.Exa. que regulamenta a publicidade de bebidas alcoólicas.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Justificativas a projeto de lei de autoria de S.Exa. que regulamenta a publicidade de bebidas alcoólicas.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2004 - Página 40453
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, PUBLICIDADE, BEBIDA ALCOOLICA, OBJETIVO, REDUÇÃO, CONSUMO.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para falar de um tema muito importante para o Brasil, para os brasileiros. Como médico que é, Sr. Presidente, espero de V. Exª total apoio a este projeto de lei que acabo de apresentar ao Senado da República e que altera a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, para ampliar as restrições à propaganda das bebidas alcoólicas e modificar sua definição e normas relativas às advertências sobre o seu consumo.

O meu projeto considera bebida alcoólica, para os efeitos da lei, os líquidos potáveis com teor alcoólico superior a meio grau Gay-Lussac.

Art. 4º A propaganda comercial de bebidas alcoólicas somente poderá ser efetuada por meio de pôsteres, painéis e cartazes, localizados na parte interna dos locais de venda, e não poderá:

I - incentivar o consumo excessivo;

II - associar o produto, mesmo que de maneira indireta, à prática desportiva, à condução de veículos, à condição de maior êxito das pessoas e a imagens ligadas à sexualidade;

III - ser dirigida a crianças ou adolescentes;

IV - incluir crianças ou adolescentes;

V - anunciar propriedades medicinais ou relaxantes das bebidas alcoólicas.

Parágrafo único. Em relação aos produtos de que trata o caput deste artigo, são vedados:

I - o patrocínio de eventos culturais e esportivos;

II - a realização de visitas promocionais;

III - a distribuição gratuita em locais públicos;

IV - a propaganda indireta contratada, denominada merchandising;

V - a propaganda por meio eletrônico, inclusive pela Internet.

E continua:

Art. 4º-A. A embalagem, o rótulo e a propaganda das bebidas alcoólicas deverão exibir advertência sobre os malefícios do seu consumo e sobre a proibição da venda a menores de dezoito anos.

§ 1º Os locais de comercialização das bebidas alcoólicas devem exibir, no seu interior, painel ou cartaz que informe ser proibida sua venda a menores de dezoito anos.

§ 2º A advertência de que trata o caput deste artigo deverá ser acompanhada por imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem.

§ 3º As demais especificações relativas à forma e ao conteúdo das advertências de que trata este artigo serão definidos em regulamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o álcool é uma das principais causas de morbimortalidade em todo o mundo. Dessa forma, nos debates sobre as conseqüências do álcool para as pessoas, freqüentemente as questões de saúde, particularmente aquelas ligadas à dependência, são as que predominam. No entanto, não se pode esquecer dos outros problemas sociais causados pelo consumo de bebidas alcoólicas, ainda que seja muito mais difícil mensurar esses aspectos. Como exemplos de problemas não relacionados diretamente à saúde, podemos citar: violência, desordem pública, vandalismo e problemas financeiros, ocupacionais, educacionais, familiares e de relacionamento interpessoal.

Em relação às internações hospitalares provocadas pelo uso de álcool, levantamento realizado junto a clínicas psiquiátricas brasileiras detectou que 90% das internações por dependência de substâncias psicoativas são atribuídas a bebidas alcoólicas.

Para dimensionar a situação entre álcool e acidentes de trânsito, a Associação Brasileira dos Departamentos de Trânsito realizou um estudo em quatro capitais brasileiras (Brasília, Curitiba, Salvador e Recife). A pesquisa revelou que quase 30% das vítimas de acidentes de trânsito apresentavam alcoolemia superior ao permitido pelo Código Nacional de Trânsito.

O consumo de bebidas alcoólicas por um determinado grupo populacional é influenciado por diversos fatores, com destaque para os aspectos da informação e do acesso à bebida.

Dos fatores de informação fazem parte a propaganda e as campanhas de controle do consumo, entre outros. Já há bastante tempo sabe-se que a publicidade tem importante influência na manutenção de um clima social favorável ao consumo do álcool. Apenas recentemente, contudo, tivemos a comprovação empírica da influência direta da propaganda também na iniciação e no aumento do consumo do álcool.

Uma pesquisa realizada com crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos de idade revelou que assistir a propagandas com freqüência provoca a expectativa de consumir bebidas no futuro. Muitos dos meninos entrevistados, com idades entre 10 e 13 anos, disseram que as propagandas de álcool os encorajavam a beber.

Corroborando as informações acima, estudos americanos que avaliaram o consumo de bebidas por estudantes mostram que a propaganda tem efeito positivo sobre o consumo anual de álcool e sobre o uso abusivo. Segundo estimativas, a eliminação completa da publicidade de bebida alcoólica nos Estados Unidos reduziria em 24% o consumo de álcool por adolescentes e em 42% o consumo abusivo nessa faixa etária.

No Brasil, a situação não é diferente. Os comerciais associam o consumo de bebidas alcoólicas a momentos gloriosos, a conquistas esportivas, à sexualidade e ao orgulho de ser brasileiro. E o gasto anual de milhões de dólares permite que as propagandas sejam extremamente criativas e atraentes. Nesse contexto, a cerveja possui papel de destaque. Dos cerca de US$106 milhões investidos em propaganda de álcool nos meios de comunicação, em 2001, 80% foram gastos em promoção de cervejas.

A publicidade de bebidas alcoólicas é regulada pela Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996. Contudo, tal diploma legal não alcança a propaganda de cerveja, visto que o seu art. 1º define bebida alcoólica como a bebida potável com teor alcoólico superior a treze graus Gay-Lussac. Do ponto de vista da legislação brasileira, portanto, as cervejas são tratadas da mesma forma que sucos de fruta ou refrigerantes, com respeito à sua propaganda.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, por sua vez, traz regras especiais para as propagandas de bebidas de baixo teor alcoólico, que proíbem o apelo à sexualidade e o direcionamento aos menores de idade. Não obstante, qualquer pessoa que assista a alguma peça publicitária de álcool na televisão brasileira pode identificar a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas, especialmente no caso da cerveja. Também é fácil verificar que os menores são alvos preferenciais das propagandas, com temas voltados a eles, a exemplo de desenhos animados, festas rave, shows e eventos esportivos.

Ademais, a indústria alcooleira tem desenvolvido produtos voltados para essa faixa etária - com destaque para as bebidas ice, destilados, misturados com refrigerantes ou sucos - e tem oferecido patrocínio a festas para este público-alvo, os adolescentes.

Não bastassem as estratégias descritas acima, a publicidade se utiliza da imagem do Brasil e de símbolos nacionais para a venda de álcool. Os exemplos mais contundentes ocorrem durante a realização da Copa do Mundo de Futebol, quando as marcas de cerveja se colocam como símbolos da torcida brasileira. Quem não se recorda da tartaruga de desenho animado, boa de bola e apreciadora de uma determinada marca de cerveja, que fez enorme sucesso entre as crianças brasileiras?

Esse tipo de associação das bebidas alcoólicas com o que temos de mais característico do País objetiva tornar o álcool parte integrante da vida das pessoas. Passa a idéia de que o álcool só traz alegria e bem-estar e que seus efeitos adversos são restritos a uma minoria de “pessoas problemáticas”, criando um ambiente hostil e ridicularizador às mensagens e medidas de saúde pública.

O segundo grupo de fatores a influenciar o consumo de álcool, os chamados fatores de acesso ao produto, incluem, entre outros, o preço, a densidade de locais de venda e o número de horas de funcionamento dos pontos de venda de bebidas alcoólicas. Há sólidas evidências científicas indicando que, quanto menor o preço das bebidas alcoólicas e quanto mais fácil comprá-las, maior o consumo. No Brasil, onde o preço de um litro de cachaça é comparável ao do litro de leite, e é raríssimo um menor de idade ter dificuldades em adquirir qualquer bebida alcoólica, o consumo do produto tem apresentado tendência de crescimento e mais crescimento.

Cabe salientar que a venda de bebidas alcoólicas a menores de dezoito anos é proibida pela Lei nº 8.069, de 13 julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). No entanto, o seu descumprimento é generalizado no País. Para reverter essa situação, é necessário advertir consumidores e comerciantes a respeito da proibição, por meio de mensagens de advertência apostas nos rótulos e embalagens de bebidas alcoólicas.

Aliás, é o mesmo tratamento que se dá à propaganda do cigarro, do fumo, no Brasil. Não vejo por que dar tratamento diferenciado à bebida alcoólica, até porque o vício do fumo do cigarro prejudica muito mais a quem o consome. Quem consome a nicotina, o alcatrão, vai-se matando aos poucos. Mas quem consome bebida alcoólica em excesso - isso é lógico - causa problemas ainda maiores para a sociedade, como acidentes de trânsito, e até mesmo para os ambientes familiares, onde há muitos maus-tratos do marido à esposa em função da bebida alcoólica. Há ainda vandalismo, estupro de menores e muitos outros delitos e crimes cometidos sob o efeito de bebidas alcoólicas. Dessa forma, a bebida alcoólica provoca muito mais prejuízos à sociedade do que o próprio consumo de cigarros. Quantos acidentados se encontram nos hospitais especializados ou não do País? A recuperação dessas pessoas gera enormes gastos à saúde pública. Quantos paraplégicos e tetraplégicos estão no Sara Kubitschek em função do uso de bebida alcoólica?

Entendo que o Congresso Nacional, o Senado da República e a Câmara dos Deputados, deve conceder o mesmo tratamento que se dá às propagandas de fumo e cigarro às propagandas da bebida alcoólica. Não há justificativa para haver dois pesos e duas medidas. Essa regulamentação deve estender-se a todas as bebidas alcoólicas, inclusive à cerveja, objeto das propagandas mais bonitas da televisão brasileira hoje.

Espero que este projeto de lei de minha autoria, que está tramitando na Casa, seja aprovado, para que possamos inibir o consumo de bebidas alcoólicas. Devemos buscar evitar o crescente aumento desse consumo, que vem ocorrendo no nosso País, principalmente entre adolescentes e jovens, que ainda não têm o organismo completamente formado.

Do exposto, pode-se concluir que o Brasil deve adotar, em relação à publicidade do álcool, posição semelhante à adotada em relação à propaganda de cigarro que acabei de mencionar, ou seja, o País deve restringir a publicidade à parte interna dos pontos de venda e veicular advertências nos produtos. É o que pretendemos com a apresentação deste projeto de lei.

Tenho certeza de que muitas pessoas deixaram de fumar com esse tipo de publicidade. Inclusive eu deixei de fazê-lo, quando era Constituinte, justamente por perceber, por meio das propagandas, o mal que o cigarro faz à saúde humana. Com relação à bebida alcoólica, também acontecerá o mesmo. Muitos não sabem o enorme prejuízo que as bebidas alcoólicas trazem à saúde e podem deixar esse vício terrível em função das propagandas negativas que o Congresso Nacional vai fazer veicular, exatamente como fizemos com relação ao uso do cigarro.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dar minha contribuição à juventude brasileira, aos adolescentes e às crianças, fazendo aprovar esse meu projeto de lei que proíbe terminantemente a propaganda escandalosa de bebidas alcoólicas, principalmente de cerveja, nos eventos esportivos. Aliás, em todos os momentos em que se liga a televisão, vê-se propaganda de cervejas no Brasil, às vezes até numa concorrência descomunal entre as diversas marcas.

Agradeço muito a atenção de V. Exªs, das Srªs e Srs. Senadores, mas quero encerrar pontualmente o meu pronunciamento para que outros também tenham a oportunidade de se manifestar.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2004 - Página 40453