Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Desmandos do Poder Judiciário no Estado de Mato Grosso.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Desmandos do Poder Judiciário no Estado de Mato Grosso.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2004 - Página 43748
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • REPUDIO, HOMICIDIO, MAGISTRADO, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, ACUSAÇÃO, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, JUDICIARIO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, OCIOSIDADE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), JUDICIARIO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, REGIÃO CENTRO OESTE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
  • REGISTRO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, SENTENÇA JUDICIAL, FAVORECIMENTO, FAMILIA, PREJUIZO, INVENTARIO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1999 lá no meu querido estado de Mato Grosso uma instigante estória envolvendo um Magistrado, expôs de forma definitiva, os desmandos do Poder Judiciário. Daria um filme de ficção, não fosse real, não fosse a mais crua e dura realidade. Ocorre senhor Presidente que no dia 7 de Setembro de 1999, foi morto, no Paraguai o Juiz Leopoldino do Amaral, que segundo investigações da PF, buscava provas para comprovar o suposto envolvimento de alguns Desembargadores e juízes de Mato Grosso com o narcotráfico.

O juiz denunciou vários desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso à CPI do Judiciário no Senado, ao STJ e ao STF. As acusações são de venda de sentenças, extorsão, corrupção, tráfico de influência, nepotismo, fraude em concursos públicos e assédio sexual para contratação de funcionárias.

Única condenada até agora por envolvimento na morte do juiz Leopoldino Marques do Amaral, a escrevente do Fórum Cível de Cuiabá Beatriz Árias está cumprindo a pena de 12 anos a qual foi condenada em maio de 2001 em regime fechado. Beatriz foi condenada no dia 11 de maio de 2001 a 12 anos de prisão pelo Tribunal do Júri. A sentença foi proferida pelo então juiz da 2ª Vara Federal, Jeferson Schneider. O Tribunal entendeu que ela participou e teve responsabilidade na morte de Leopoldino, crime cometido em Concepción, Paraguai, onde o corpo de Leopoldino foi encontrado com dois tiros na cabeça e semicarbonizado em 7 de setembro de 1999. Leopoldino foi para o Paraguai junto com Beatriz e o tio dela, o motorista de táxi Marcos Peralta, que foi quem dirigiu a caminhonete S-10 do juiz até aquele país. Peralta nunca mais voltou ao país. O empresário Josino Guimarães, acusado de intermediar as vendas de sentenças, também foi indiciado e responde a processo na Justiça Federal.

Em três depoimentos prestados a membros da CPI do Judiciário, testemunhas confirmaram as denúncias de venda de sentenças por magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Segundo a advogada Elizabeth Lima Miranda Rocha, o advogado Lucídio de Mello Filho e o ex-deputado estadual Elarmin Miranda, o acordo para pagamento de R$100 mil ao desembargador Athaíde Monteiro da Silva teria sido fechado com o empresário Josino Guimarães. A proposta de venda da sentença, segundo Lucídio, partiu de Josino, de modo "espontâneo e voluntário". Elarmin, por sua vez, disse que a Polícia Federal dispõe do comprovante do depósito do dinheiro.

Ocorre que o Juiz Amaral também estava sendo acusado pela Corregedoria do TJ de desvio de recursos de depósitos judiciais sob a tutela da Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, da qual era titular. Inquérito policial já confirmou o desvio das verbas e foram indiciados por crime de peculato a ex-assessora de Leopoldino, Márcia Campos, e a viúva de Amaral, Rosemar Monteiro. O tribunal de Mato Grosso investigava o envolvimento do juiz no desvio de mais de R$200 mil em depósitos judiciais e falsificação de alvarás na Vara de Família.

Em conversa com a viúva, que teve acesso a outros documentos, esses desvios podem atingir até R$10 milhões.

E aí estamos diante de revelações bombásticas: de um lado temos um juiz, que, de acordo com sentença já transitada em julgado, desviou depósitos judiciais e por outro, temos este mesmo juiz, denunciando as mais pesadas acusações jamais vistas contra o judiciário de Mato Grosso.

A respeito a revista Isto É, fez extensa matéria sobre o assunto: dizia a jornalista Sônia Figueiras;

“Foi preciso a morte do juiz Leopoldino Marques do Amaral para quebrar o marasmo instalado na CPI do Judiciário”

A Comissão recebeu graves denúncias contra os desembargadores da Justiça de Mato Grosso capazes de fazer corar o juiz paulista Nicolau dos Santos Netto, conhecido pelas falcatruas no Tribunal do Trabalho de São Paulo.

“Havia de tudo um pouco no caso do Centro-Oeste: acusações de assédio sexual, venda de sentenças, nepotismo, fraude de concurso público e aposentadorias irregulares. O material foi apresentado pelo Juiz Leopoldino Marques do Amaral, da Vara de Família de Cuiabá. Para evitar que suas denúncias caíssem no esquecimento, Leopoldino as protocolou na Procuradoria Geral da República, endereçando ao procurador-geral, Geraldo Brindeiro, o mesmo calhamaço levado à CPI. Tudo em vão. Nos dois casos, os relatos do juiz ficaram dormitando nos escaninhos. Enquanto isso, Leopoldino insistia, obstinado, na busca de novas denúncias, costurando o destino trágico que ele mesmo previra”.

O caso Sr. Presidente é tenebroso, há época o Presidente da CPI do Judiciário Senador Ramez Tebet admitiu que se não tivesse ocorrido a morte do juiz Leopoldino, “demoraríamos mais para examinar o caso dele".

O juiz investigava nova e explosiva denúncia: o possível envolvimento de magistrados de Mato Grosso com o narcotráfico.

Os membros da organização criminosa que matou Leopoldino agem dos dois lados (Brasil e Paraguai). A metodologia do crime obedece aos padrões do sindicato, ou seja: se a vítima for brasileira, o corpo é deixado no Paraguai e vice-versa.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu uma representação por abuso de poder contra desembargadores de Mato Grosso feitas por Leopoldino. Uma outra acusação feita anteriormente ao STJ liga o desembargador Wandyr Clait Duarte (já falecido) e outros magistrados, ao narcotráfico. Na representação, que a burocracia fez chegar após a sua morte, o juiz acusava o presidente, o vice, Munir Seguri, e o corregedor Paulo Inácio Dias Lessa de terem, devido às denúncias, tentado intimidá-lo e coagi-lo. Eles puseram quatro oficiais de justiça e três PMs armados o seguindo dia e noite.

Leopoldino informou ainda ao STJ que o alto comando da PM teria explodido o barco de um desembargador que transportava éter e acetona, produtos químicos usados no refino da cocaína.

Na mesma denúncia, ele acusava o juiz Geraldo Palmeira e o desembargador Flávio Bertin de usarem aeronave apreendida por tráfico de drogas para fazer uma viagem à Bolívia. Eles, afirmou o juiz na representação, teriam pousado na fazenda do maior traficante boliviano, seguindo dali para Santa Cruz de La Sierra para visitarem uma feira de automóveis. Dias antes de ser assassinado, Leopoldino mergulhou em apurações tenebrosas: as supostas ligações de Bertin com traficantes bolivianos.

O triste dessa história macabra é o seu desfecho: Leopoldino (denunciante e denunciado) morto, e o desembargador Flávio Bertin (denunciado) foi premiado como o grande condutor do processo eleitoral nas últimas eleições para prefeito em Mato Grosso em 2004. Foi sob o seu comando que assistimos a maior e mais absurda atuação da justiça eleitoral. Foi sob o seu comando que, embasbacada, vi as mais parciais e absurdas decisões em Cuiabá.

Quanto ao juiz Geraldo Palmeiras, foi “punido”, diante das mais cristalinas evidências, pasmem os senhores e senhoras senadoras, com uma polpuda aposentadoria.

Vejam que, diante dos absurdos evidenciados o Senador Antonio Carlos Magalhães, idealizador da comissão para investigar o Judiciário, de forma dura disse "Eu iria a Mato Grosso e enfrentaria até mesmo os óbices constitucionais, com unhas e dentes. A situação do Judiciário é gravíssima e, se não forem tomadas as providências, teremos a impunidade como lema e a anarquia instalada."

Contra Wandyr Clait Duarte, há uma peça no dossiê do juiz que, segundo ele, serviria "para qualificar o comportamento dos desembargadores do tribunal". Trata-se de uma fita cassete integrante do processo de separação litigiosa de Wandyr e sua ex-mulher Rosângela Cardoso.

Na gravação, o então presidente do tribunal, com linguagem chula, confessa a um colega o desapontamento ao saber do casamento de uma funcionária de seu gabinete. "Era uma menina que eu estava cevando (...)", diz ele na fita.

A CPI foi informada que, no estacionamento do tribunal, a alguns passos dos gabinetes do governador e do secretário de Segurança, davam plantão permanente dois "corretores" especializados em vender sentenças ao gosto dos clientes. O juiz afirmava ter uma testemunha que deu R$250 mil a um deles para garantir no tribunal a confirmação de uma sentença favorável. O desembargador beneficiado seria Odiles Freitas de Souza, hoje aposentado, que segundo outras denuncias seria o virtual proprietário do barco explodido.

Outra grave denuncia, atingiu, também, o então governo do PSDB. A existência de uma indústria de indenizações milionárias na Justiça do Estado. Segundo as denuncias, o desembargador Clait Duarte teria sido um dos agraciados.

“Ainda, segundo a reportagem da revista Isto É, o governo do Estado de Mato Grosso foi condenado a pagar RR$578 mil ao presidente do tribunal como reparação moral. Ocorre que o desgoverno do PSDB atrasou os repasses aos poderes, não pagando os salários da burocracia, e o presidente Clait emitiu cheques sem fundos entre janeiro e junho de 1995”.

Ou seja, o desembargador emitiu cheques sem fundo, causou prejuízos a terceiros, e mesmo assim conseguiu direito ao equivalente a 29 meses de salário, com um detalhe sórdido: “O Estado perdeu o prazo para recorrer, e o Desembargador não precisou buscar “direitos” no STJ aqui em Brasília.”

Outro caso estranho foi da Shell que foi condenada a pagar uma indenização superior a R$4 milhões a um posto de gasolina, por ter rompido o contrato de fornecimento exclusivo de combustível. Segundo cálculos da multinacional, a indenização representa quatro vezes o valor do posto, que, coincidentemente, pertence a nada mais, nada menos que, ao Sr. Fernando Bertin, filho do desembargador Flávio Bertin. E o pior, o posto tinha como cliente o próprio tribunal de Mato Grosso.

Foi dito à CPI que o posto da família Bertin forneceu por anos a fio o combustível que movia carros de desembargadores - particulares e oficiais - a título de "auxílio transporte".

A insegurança jurídica foi tamanha que diretores da Shell e das cervejarias Brahma e Antarctica procuraram o então governador Dante de Oliveira, ameaçando retirar os negócios do Estado. A Shell já não se encontra mais em Mato Grosso.

Quero, finalizando, relatar a saga, da família Gatti. É de cortar o coração a peregrinação feita pela senhora Maria Goreth, mãe de dois herdeiros, em busca de resgatar o valor de 72.299,32 (setenta e dois mil duzentos e noventa e nove reais e trinta e dois centavos), fruto de depósito de parte de um acordo com sócios do pai - Sergio, que foram sacados irregularmente em cumprimento de determinação do Magistrado Leopoldino Marques do Amaral, segundo sentença prolatada pelo Dr. Marcio Guedes - Juiz de Direito da 1a Vara Especializada da Fazenda Pública no Estado de Mato Grosso, prolatada em 09 de setembro de 2004.

Essa família, em que o Sr. Sergio Octávio de Cerqueira Gatti, desbravador que chegou em Mato grosso por volta de 1950, era uma família de posses, bem estabelecida, e que em função dos desmandos da justiça de Mato Grosso, e decisões reiteradas do Juiz Leopoldino, em seu desfavor na condução do inventário, ficou definitivamente arruinada.

Os prejuízos são irreparáveis já que existia no processo de inventário interesses de sócios, que mancumunados com o judiciário, deixaram prejuízos a família Gatti, que vão desde perda de ações de empresas, impedimento de que a família tomasse posse em terras de sua propriedade, despejo de moradia, culminando até mesmo com o abandono escolar de um filho por falta de recursos, e somado a tudo isto, o filho mais novo Diogo Nóbrega Gatti sofre processo de depressão tendo que recorrer a tratamentos caros que não tem acesso. “Diogo foi o que mais sentiu e agora com apenas 20 anos de idade está ficando precocemente careca, relata a mãe.”

Essa sentença, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está muito longe de restabelecer a injustiça sofrida pelos Gatti, e a depender do Governador Blairo Maggi, terá que percorrer um longo caminho. O Estado, através do ajudante de ordem do Governador, respondeu que recorrerá da decisão, indo até o STF, e mesmo perdendo, só pagará por meio de precatório. Fica claro que o Governador Maggi fará de tudo para na reparar os danos, ainda mais agora em que, respaldado em liminar não se encontra obrigado a pagar momentaneamente precatórios.

Sr. Presidente, a família Gatti já sofreu todo o tipo de humilhação, além de, por estes fatos, ter sido submetida a todas as privações. Seus filhos tiveram que abandonar os estudos, e agora a Srª Maria Goreth - suporte de toda a família encontra-se desempregada.

A Srª Goreth procurou o meu gabinete, desesperada, e imediatamente solicitei audiência com o Ministro da Justiça Márcio Tomaz Bastos que de pronto exigiu do TJ de Mato Grosso explicações. Solicitei audiência com o Ministro Nilmário Miranda, dos direitos humanos, que receberá a Srª Goreth.

A Sentença, finalmente deu ganho de causa à família Gatti. O drama é o cumprimento pelo governo de Mato Grosso.

Acontece, senhor presidente, que o mesmo tratamento a senhora Goreth não está merecendo do Governador Blairo Maggi. Hoje ela reside no entorno de Brasília, e tentou, em vão, por mais de quinze dias, ser recebida pelo governador de Mato Grosso, hospedada em uma pensão em Cuiabá. Foi mais uma humilhação, ou seja, ela conseguiu ser recebida por dois Ministros de estado, pelo presidente do STJ mas não foi recebida pelo governador de seu estado, berço de seus filhos.

Desesperada os Gatti, sem qualquer amparo ou consideração do Governador Maggi, deverão recorrer a organismos internacionais de direitos humanos para tentar fazer direitos que foram subtraídos. O absurdo senhor Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é perceber que, o cidadão comum, honesto, não enxerga no estado, que deveria ser o grande desaguadouro das esperanças, qualquer possibilidade de se fazer justiça, e isto é, no mínimo, perigoso para as instituições democráticas.

É com este cenário que o TJ de Mato Grosso quer aumentar - de 20 para 30 - o número de desembargadores. Segundo dados do Judiciário, os gastos como a nova estrutura funcional já estão previstos no orçamento para 2005 e enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2004 - Página 43748