Discurso durante a 10ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória do ex-Ministro Celso Furtado, falecido em 20 de novembro de 2004.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do ex-Ministro Celso Furtado, falecido em 20 de novembro de 2004.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/2005 - Página 3916
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CELSO FURTADO, ECONOMISTA, EX MINISTRO DE ESTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INICIATIVA, PLANO, TRIENIO, DESENVOLVIMENTO, OBJETIVO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, EX MINISTRO DE ESTADO, INCENTIVO, CULTURA, GOVERNO, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a honra, ao lado dos Senadores Tasso Jereissati e Sérgio Guerra, em nome dos quais falo à Casa e à Nação neste momento, de ser um dos signatários da solicitação desta sessão de homenagem a Celso Furtado.

Grande economista, Celso Furtado é visto pelo mundo, do ponto de vista de sua geração, como à altura de Ragnar Nurkse, Raul Prebisch e Gunnar Karl Myrdal, importantes, e sua obra foi importante na formação de mais de uma geração de economistas.

Celso Furtado se liga ao planejamento do Nordeste. Para Juscelino, compôs o Plano Estratégico para o Nordeste, que desaguou na Sudene. Sua história se confunde com a história da Sudene. Celso Furtado apresentou ao Presidente João Goulart, Senador Mão Santa, o Plano Trienal de Desenvolvimento, que, muito mencionado enquanto clichê, tem sido muito pouco estudado pelos brasileiros.

O Plano Trienal de Desenvolvimento de Celso Furtado, apresentado ao Presidente João Goulart, foi incorporado ao governo deste, que se preocupava - e muito - com a estabilidade da economia. Visava construir uma economia com inflação baixa, com perspectiva de crescimento a altas taxas e, portanto, com perspectiva de crescimento sustentável. O Plano Trienal basicamente pedia que o Governo, em algum momento, não concedesse reajustes acima de determinado percentual para a indústria automobilística nascente. E o Governo, marcado pela instabilidade, apesar do espírito público e do senso de responsabilidade do Presidente Jango, não teve como segurar a pressão das montadoras. Preconizava que os gastos públicos fossem contidos e, portanto, se tornassem gastos de melhor qualidade.

O Governo atual gasta mal e gasta muito. Celso Furtado já preconizava que o Governo João Goulart gastasse melhor e gastasse menos. Também a instabilidade que cercava aquele período não permitia que o Presidente seguisse, com seu Governo, a diretriz de Celso Furtado. Da mesma maneira, em relação a outros dados que comporiam a inflação. Celso Furtado pregava que João Goulart, apenas após a consolidação do Plano Trienal e da obtenção de resultados palpáveis - apenas após isso, Sr. Presidente -, partisse para as tais Reformas de Base.

A João Goulart, uma ilha cercada de inimigos por todos os lados, muitos dos quais querendo, na verdade, corroer o próprio tecido da democracia brasileira, não foi permitido perseverar no Plano Trienal, que acabou soçobrando, não por não ser um grande plano, mas por não ter sido seguido à risca, é a minha crença. E João Goulart se lançou à pregação, que era mobilizadora da sociedade - o que supostamente o ajudaria a se manter no cargo, já que os golpistas estavam nas ruas -, da proposta de reforma de base. Mas reformas de base sem preocupação com a estabilidade econômica, preconizada por Celso Furtado, não seriam factíveis, não seriam realizáveis.

Passo a idéia de que Celso Furtado foi um homem do seu tempo, com a lucidez máxima dentro da perspectiva que aquele tempo apontava. Convivi bastante com ele, durante todo o ano de 1993, quando freqüentei a Escola de Altos Estudos em Ciência Sociais de Paris, estando eu ao lado do professor Ignacy Sachs, no Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo. Naquela época, a Escola de Altos Estudos Sociais de Paris era dirigida pelo professor Alain Touraine. Compareci a inúmeros seminários de que participava o brilhante economista.

Ao final de sua vida, eu não tinha muitas coincidências em relação a seu pensamento econômico. O que não deixei de ter nunca é um enorme respeito por sua figura pública e por sua capacidade de acreditar no que dizia.

Ainda há pouco, ouvia o Senador Pedro Simon, figura que me faz acreditar, com muita clareza, no que pensa e no que diz, que sugere absoluta transparência e seriedade intelectual. Celso Furtado merece de mim idêntico respeito. Se concordam ou não, não é o mais importante. O importante é que ele acreditava no que fazia, e o mais importante é que suas idéias, à época em que podia colocá-las em prática, eram absolutamente atualizadas para o mundo que o acolhia.

Celso Furtado era um homem efetivamente culto. Não era apenas um grande economista, e ser grande economista não é pouco, era um homem muito culto, extremamente cultivado - utilizando um certo galicismo. Não gosto de galicismos, mas digo no sentido francês de cultive - culto, ilustrado. Um homem ilustre, tanto que, nomeado pelo Presidente José Sarney como Ministro da Cultura, saiu-se muito bem, inclusive na convivência com a inteligência brasileira. É dele o Projeto de Incentivos Fiscais à produção cultural. A idéia saiu de sua cabeça organizada e a assinatura veio pelas mãos do intelectual de renome e de refinamento que era Celso Furtado.

Portanto, Sr. Presidente, Celso Furtado merece desta Casa todos os elogios, todas as loas, todas as louvações. Merece desta Casa que representa a Nação todo o respeito. Afinal de contas, o Brasil perdeu o homem que foi assimilado como um intelectual do mundo. Perdeu um grande economista da escola estruturalista, perdeu o grande planejador da Sudene, perdeu o grande articulador e intelectual do Plano Trienal de João Goulart, perdeu o Ministro da Cultura do Governo Sarney, perdeu aquela figura que não precisava de cargos para ser importante como sempre foi na vida e para a vida do Brasil e dos brasileiros.

Celso Furtado serve como exemplo.

Eu dizia hoje ao Senador Efraim Morais que, por incrível que pareça, tendo acompanhado a vida e lido tanto dos textos dele durante toda a minha vida, nunca soube que Celso Furtado tivesse nascido na Paraíba. Eu o ligava a Pernambuco, talvez por ele ter concluído seus estudos universitários naquele Estado, ou por não ter como desligá-lo da figura da Sudene, que tinha sede em Pernambuco. A Paraíba tem que se orgulhar muito de seu filho tão ilustre, e Pernambuco também do filho que soube acolher tão bem, no caso de Celso Furtado.

O Brasil inteiro gostaria de ter um pedaço do coração, da alma, e todos nós, muito da inteligência de Celso Furtado, que no fundo é reivindicado pela América Latina, é reivindicado pela Europa, extremamente respeitado nos meios intelectuais na França. Celso Furtado, portanto, pertence a nós, e o Brasil, por generosidade, se dispõe, a partir daí, a dividi-lo com o mundo. O Brasil não sai perdendo. Celso Furtado é tão grande que o mundo pode ter, sim, direito a também ele próprio ser um pouco dono da alma criadora, do preparo intelectual e da capacidade genial de interpretar a realidade do mundo à época em que ele produzia para valer como agente público, como intelectual à época em que viveu.

Portanto, Sr. Presidente, ao encerrar esta homenagem, digo-lhe que Celso Furtado me passa a clara noção da imortalidade. Sabemos com muita clareza que, fisicamente, Celso Furtado passou, mas sua obra haverá de ser discutida, criticada, haverá de ser o tempo inteiro lembrada, o tempo inteiro estudada. A obra faz de Celso Furtado - e a sua vida se divide na obra da sua vida e nas obras que sua vida permitiu serem geradas - um imortal pelo que escreveu, pelo que pensou, pelo que gerou de polêmica, pelo que polemizou, pelo que quis fazer, pelo que conseguiu fazer, pelo que não conseguiu fazer. Celso Furtado é imortal. Fisicamente nos deixou; intelectualmente, continua sendo uma das mais bonitas preocupações de todos aqueles que querem pensar e repensar a realidade brasileira.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/2005 - Página 3916