Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Seqüestro no Iraque do brasileiro João José Vasconcelos Júnior. Estágio em que se encontra a reforma agrária no País.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TERRORISMO. REFORMA AGRARIA.:
  • Seqüestro no Iraque do brasileiro João José Vasconcelos Júnior. Estágio em que se encontra a reforma agrária no País.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2005 - Página 4760
Assunto
Outros > TERRORISMO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APOIO, COLABORAÇÃO, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMBAIXADOR, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, LIBERDADE, ENGENHEIRO, VITIMA, SEQUESTRO, TERRORISMO, IRAQUE.
  • SUGESTÃO, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), CONGRESSO NACIONAL, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPOSIÇÃO, PROPOSTA, COLABORAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, SOLUÇÃO, SEQUESTRO, ENGENHEIRO.
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ANALISE, HISTORIA, LEGISLAÇÃO, SISTEMA FUNDIARIO, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, INDICE, CONCENTRAÇÃO, TERRAS.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O VALOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador César Borges, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de apoiar a iniciativa do ex-Presidente da República e hoje Embaixador do Brasil na Itália Itamar Franco, que anunciou ontem sua intenção de colaborar com o Governo brasileiro e com a família do engenheiro João José Vasconcelos Júnior, para que possa ser libertado esse cidadão de Juiz de Fora conhecido pelo Embaixador Itamar Franco desde quando este foi Prefeito daquela cidade. Esperamos que S. Exª possa envidar todos os esforços em prol da libertação do engenheiro, que, como Diretor-Chefe de Obras da Odebrecht, estava no Iraque e acabou sendo seqüestrado.

            Justificou o Embaixador Itamar Franco que a Itália mantém contingentes militares, serviços secretos e uma sede diplomática no Iraque e que, além disso, os italianos tiveram êxito nas negociações com os iraquianos relativas ao seqüestro da jornalista italiana, que recentemente foi libertada, depois de estar naquele país sob o domínio dos insurgentes iraquianos por um bom tempo, e que acabou sendo objeto de tiroteio por parte de uma guarda militar norte-americana. Propõe o Embaixador Itamar Franco que se crie um núcleo de ação no Brasil com base na Itália, dando maior autonomia à Embaixada em Roma, que poderia contar com a colaboração do Governo italiano. Itamar Franco ressaltou que o Serviço Secreto Italiano se dispõe a colaborar com o Brasil.

            No caso de João José Vasconcelos Júnior, o problema é a falta de informação praticamente total. Ainda hoje conversei com Isabel Vasconcelos, irmã de João José Vasconcelos Júnior, que me informou que, de fato, a família está com ausência de informações desde o seqüestro, ocorrido em 19 de janeiro. Eles não têm certeza nem mesmo se o engenheiro está vivo, embora esperem, obviamente, que esteja vivo. Mas não houve qualquer informação. Inclusive, amigos da família estiveram com a jornalista italiana libertada e confirmaram pessoalmente que ela não obteve qualquer informação a respeito do cidadão brasileiro João José Vasconcelos Júnior.

            Conversei há pouco com o Embaixador Itamar Franco, que me disse ter sido convidado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados para, na próxima quinta-feira, expor a respeito de sua proposição. Inclusive, o Presidente Severino Cavalcanti telefonou para S. Exª para transmitir-lhe o convite.

Gostaria, Sr. Presidente Renan Calheiros, que, como o ex-Presidente Itamar Franco, ex-Senador, membro desta Casa informou-me há pouco ter sido convidado pela Câmara dos Deputados para expor na próxima quinta-feira, dia 17, a respeito da sua iniciativa de tentar colaborar para que João José Vasconcelos Júnior, o engenheiro seqüestrado no Iraque, possa vir ao Brasil, gostaria de sugerir que seja feito um convite conjunto da Câmara e do Senado, pois, no caso de S. Exª expor sobre os seus esforços, que se reúnam ambas as Comissões de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Senado para ouvi-lo.

O Senador Hélio Costa teve hoje o seu requerimento aprovado para que seja solicitado ao Itamaraty o envio de todas as informações ao Senado Federal relativas ao conhecimento que porventura tenham as autoridades e aos esforços realizados junto aos diversos segmentos iraquianos, inclusive junto aos insurgentes, sobre como poderemos ter de volta para sua família, com vida, o Sr. João José Vasconcelos Júnior.

Assim, a minha sugestão, Senador Renan Calheiros, é que possa V. Exª também transmitir o convite, juntamente com o Senador Cristovam Buarque, Presidente da Comissão de Relações Exteriores, para que, caso o Embaixador Itamar Franco venha ao Brasil falar desse tema, o faça em reunião conjunta nas Comissões do Senado e da Câmara.

Dedico o restante do meu pronunciamento para ressaltar a importância dos trabalhos de hoje da comissão presidida pelo Senador Alvaro Dias, que tem como Relator o Senador João Alfredo, pois tivemos a oportunidade de ouvir a apresentação do Presidente do Incra, Rolf Hackbart, sobre o estágio em que se encontra a reforma agrária no Brasil.

Rolf Hackbart explicou a evolução da legislação relativa à estrutura fundiária no Brasil desde os tempos em que a propriedade era comum entre os índios que residiam em nosso território.

Em 1494, houve o Tratado de Tordesilhas, assinado por Portugal e Espanha, por meio do qual as terras das Américas foram distribuídas entre os dois reinos.

Em 1504, houve o regime das sesmarias. Descoberto o Brasil, o colonizador português instituiu o regime das sesmarias, garantindo a cessão de grandes glebas aos amigos do rei, dando origem ao que poderia ser qualificado de uma verdadeira reforma agrária às avessas. As sesmarias duraram até 1822. A distribuição da terra era feita aos chamados amigos do rei.

Em 1822, houve o regime das posses. Às vésperas da Proclamação da República, por proposta de José Bonifácio, foi instituído o regime das posses, pouco alterando o sistema anterior de distribuição de terras. Esse regime das posses durou até 1850, quando houve a Lei de Terras.

Lembro que, nesse século, houve o Homestead Act nos Estados Unidos, do Presidente Abraham Lincoln, que, em grande parte, contribuiu para que naquele país houvesse uma distribuição bem mais eqüitativa das terras.

No Brasil, no dia 10 de setembro de 1850, foi promulgada a Lei nº 601, primeira Lei de Terras do País, regulamentada pelo Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que, entre outras providências, revalidou as sesmarias e outras concessões de terras feitas até então.

No que diz respeito à legislação mais atual, cabe destacar que a Constituição Federal de 1988 instituiu, no Título VII, Capítulo III, diretrizes de grande importância. Houve o Decreto-Lei nº 9.760/46, muito importante, e o Estatuto da Terra.

Relembrou Rolf Hackbart, Presidente do Incra, que, após um grande movimento social, que incluiu as Ligas Camponesas, e um movimento pela reforma agrária apoiado pelo Presidente João Goulart, o que levou muitos conservadores a realizarem manifestações de preocupação quanto à propriedade da terra, coube ao regime militar, especificamente ao Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, instituir o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), contando com a colaboração, entre outras, de José Gomes da Silva.

Houve, ainda, a Lei Agrária (Lei nº 8.629/93), a Lei do Rito Sumário (Lei Complementar nº 76/93), a Lei do Registro Público de Terras (Lei nº 10.267/01) e as Normas e Regulamentos do Incra.

Chamou a atenção Rolf Hackbart para a tramitação no Congresso Nacional da Proposta de Emenda à Constituição, já aprovada pelo Senado Federal, que estabelece que as áreas em que for identificada a utilização de trabalho escravo poderão ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária. S. Sª instou a Câmara dos Deputados a aprovar logo a matéria já aprovada por esta Casa.

Uma informação de grande importância fornecida pelo Presidente do Incra é que houve, recentemente, no Brasil, uma evolução moderada, mas em direção positiva, com relação ao índice de concentração de terra. Cabe lembrar a evolução do Coeficiente Gini, indicador de desigualdade que varia de zero a um, sendo que zero significa perfeita igualdade entre todos, e um significa que apenas um detém toda a riqueza ou toda a renda; no caso, a propriedade da terra. Pois bem. Existem indicadores de concentração da estrutura fundiária extremamente concentrados.

Em 1992, o índice de concentração era de 0,831. Em 1998, havia se agravado para 0,843. Comparando com outros países, é altíssimo. Em 1998, no Brasil, era de 0,843. Em 1980, no Canadá, era de 0,60. No México, em 1960, era de 0,62. Nos Estados Unidos, em 1987, era de 0,75. Na Bolívia, em 1989, de 0,77. E na Colômbia, em 1990, de 0,77.

Obviamente, existe uma forte concentração de riqueza. Dados apresentados pelo Sr. Rolf Hackbart indicam uma evolução para melhor, do ponto de vista de atingirmos maior equidade, ainda que em um estágio muito alto de concentração da riqueza, sobretudo de propriedade da terra.

Os indicadores de concentração fundiária no Brasil demonstram que, em 1998, o número de imóveis cadastrados pelo Incra, de mil hectares e mais, correspondiam a 57.881, o equivalente a 1,6% de todas as propriedades, com uma área total de 219,824 milhões de hectares, ou seja, 52,9% da área total.

Em 2003, o número desses imóveis passou para 68.381, correspondendo a 1,6% de todas as propriedades, com uma área total de aproximadamente 195,7 milhões de hectares, o que representa 46,8% da área total.

O número dessas grandes propriedades evoluiu de 52,9%, em 1998, para 46,8%, em 2003. Portanto, pode-se registrar uma melhoria moderada, mas no sentido de maior eqüidade na distribuição da propriedade da terra. É importante saudar isso.

Ressalto aqui que, se a concentração de riqueza acumulada evolui no sentido de maior eqüidade, de maior igualdade, é de se esperar que também a evolução da concentração de renda, ou do grau de desigualdade, seja no sentido de maior eqüidade, de maior justiça. Os dados de 2003 do IBGE relativos à distribuição da renda indicam que houve uma melhoria do Coeficiente de Gini.

Mencionarei aqui o que foi divulgado, na semana passada, pelo IBGE e pelo economista da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Côrtes Neri, no artigo “A Desigualdade Desencalhou?” para O Valor, de 1º de março de 2005.

Diz Marcelo Neri:

A nossa desigualdade de renda tem se mantido alta e estável, desde que é medida. No intervalo compreendido entre os Censos de 1960 a 2000, as medidas estatísticas sociais publicadas nos colocam no pódio mundial da desigualdade. Por outro lado, as últimas edições da PNAD do IBGE apontam uma redução da desigualdade. Será que a iniqüidade inercial brasileira está finalmente desencalhando?

Começamos com um retrato da população brasileira segmentado em três estratos de renda per capita: o décimo mais rico que se apropria de quase metade da renda (mais precisamente, 45,7%); a metade mais pobre que se apropria de pouco mais de um décimo da renda nacional (13,5%); e os 40% intermediários, cuja parcela na população e na renda praticamente coincide (40,8%), uma espécie de classe média no sentido estatístico.

Se olharmos as flutuações econômicas recentes dessas fatias no bolo distributivo, verificamos que o período de lua-de-mel com a estabilidade (1994-1996) e o de crises externas (1997-2001) apresentam, tanto para o bem como para o mal, mudanças relativas pouco pronunciadas.

Já no último período (2001/2003), observamos um movimento de redução da desigualdade. Começando pelo topo da distribuição, a parcela dos 1% mais ricos cai de 13,7% para 12,8%, dado inédito nos últimos 10 anos. A parcela apropriada pelos 5% mais ricos cai nesse período de 33,7% para 32,4%. Já a fatia dos 10% mais ricos cai de 47,3% para 45,7%.

Se os ricos perderam fatia no bolo, quem ganhou? Os 40% intermediários passaram de 40,4% para 40,8%. Na base da distribuição, a parcela dos 50% mais pobres sobe de 12,4% para 13,5%. Vale a pena verificar a robustez dessa queda da desigualdade. Será que ela é válida para um conjunto mais amplo de indicadores?

Tomemos a medida mais usual entre os analistas: o índice de Gini, que varia entre zero e um. Numa situação utópica, em que a renda de todos fosse exatamente igual, o índice de Gini seria zero. No extremo oposto, se um único indivíduo concentrasse toda a renda da sociedade, ou seja, todos os demais teriam renda zero, o índice de Gini seria um. Para entender a inaceitável extensão do 0,585 correspondente...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - V. Exª tem mais dois minutos para concluir seu raciocínio e, conseqüentemente, seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado.

Para entender a inaceitável extensão do 0,585 correspondente ao nosso Gini de 2003, não precisa ser gênio: estamos mais próximos da perfeita iniqüidade do que da perfeita igualdade.

Quero ressaltar que começou a haver progressos. É possível que os diversos programas, sejam os direcionados à melhor realização da reforma agrária, sejam os programas de transferência de renda, incluindo bolsa-família e outros, comecem a dar resultados modestos, porém em uma direção positiva.

Quero aqui cumprimentar o Presidente Rolf Hackbart pela seriedade com que conduziu hoje a sua exposição.

Avalio que estamos pelo menos em uma direção positiva, envolvendo a melhor distribuição da propriedade da terra e da renda no Brasil. E nossos votos são de que os programas que contribuam para esse caminho possam ser aperfeiçoados e implementados com maior força.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2005 - Página 4760