Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia. (como Líder)

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. PECUARIA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia. (como Líder)
Aparteantes
Ana Júlia Carepa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2005 - Página 15831
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. PECUARIA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, AGROPECUARIA, EXPORTAÇÃO, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, ANALISE, EFEITO, PASTAGEM, LAVOURA, SOJA, GRILAGEM, TERRAS, DETERIORAÇÃO, FLORESTA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS.
  • PROTESTO, INFERIORIDADE, RECURSOS, DESTINAÇÃO, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, COMPARAÇÃO, LIBERAÇÃO, VERBA, BANCO DO BRASIL, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), AGROPECUARIA, EXPORTAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DADOS.
  • REPUDIO, GRILAGEM, TERRAS, COMENTARIO, VINCULAÇÃO, VIOLENCIA, CORRUPÇÃO, HOMICIDIO.
  • DEFESA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ANALISE, PERIODO, GESTÃO, ORADOR, GOVERNO, ESTADO DO AMAPA (AP), APRESENTAÇÃO, DADOS, CRESCIMENTO, ECONOMIA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), QUALIDADE DE VIDA, REDUÇÃO, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, MODERNIZAÇÃO, ATIVIDADE AGROPECUARIA, INVESTIMENTO, PESQUISA, BENEFICIO, REDUÇÃO, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago a esta Casa uma notícia que não é alvissareira, não é feliz, principalmente para quem vive na Amazônia.

O Governo Federal divulgou hoje, Senadora Ana Júlia Carepa, os dados sobre o desmatamento no nosso País. E os números mostram que o Brasil perdeu 26.130 km2 de florestas, uma área do tamanho do Estado do Presidente desta Casa, o que aumenta evidentemente a preocupação de todos os brasileiros com a soberania do Brasil. Esses dados, comparados aos de 2002/2003, representam 1.533 km2 a menos no maior patrimônio natural do planeta. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe, que analisou imagens de satélites com cobertura de 93% da área onde o desmatamento está concentrado.

Coincidência ou não, o agronegócio brasileiro e a pecuária avançaram no mesmo ritmo que os desmatamentos e, pior do que tudo isso - pasmem Srs. Senadores e Srªs Senadoras! -, financiados pelo Estado brasileiro. O mesmo Estado que cria mecanismos de defesa da Floresta financia a sua destruição por intermédio do Banco do Brasil e do Banco da Amazônia. Informa o Basa que, de 1998 para cá, firmou 54.533 contratos com empreendimentos de pecuária bovina na região amazônica. Esses financiamentos atingem R$707 milhões, o correspondente a 27,15% do total aplicado por este Banco, o Banco da Amazônia. Esses empreendimentos somam um 1 milhão, 364 mil e 985 cabeças de gado. Por outro lado, o Basa concorreu, durante o mesmo período, com R$188 milhões para a formação de 327 mil hectares de pasto para gado de corte e de leite. O financiamento total da pecuária, pelo Basa, incluindo a formação de pastos, alcançou R$896 milhões entre 1998 e 2004.

Os dados do Banco do Brasil, banco oficial da República, indicam que, em financiamentos para pecuária, aquela instituição aplicou um total de R$513 milhões. Isso significa que 8,5% de todo o custeio da pecuária bovina feito pelo Banco do Brasil se destinou à Amazônia. No entanto, o orçamento para realização de pesquisas e de capacitação de profissionais com o olhar voltado para a nossa biodiversidade é ínfimo. Linhas de crédito para financiar empreendimentos sustentáveis não existem, nem no Basa nem no Banco do Brasil, com a dimensão que existem para o desflorestamento.

A soja está chegando ao coração da nossa Floresta Amazônica. Precisamos despertar para isso. A conversão direta da Floresta em pastagem também continua crescendo de forma preocupante. A pecuária tem sido responsável por um aumento anual de 1,4% no desmatamento na região, de acordo com o Instituto de Pesquisa da Amazônia. A expansão da plantação de soja e o desflorestamento para pastagem não é apenas um dado a mais na dinâmica do desmatamento. Em apenas um ano, de 1997 a 1998, houve plantio de soja em uma área de 597 mil hectares em nossa região. Entre 2000 e 2002, o desflorestamento na Amazônia cresceu 40%, sendo que a expansão da agricultura na Amazônia Legal é quase o dobro do que no restante do País. São também dados do Inpa.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab, a área total plantada com soja no Brasil, entre 2000 e 2001, era de 13.970 mil hectares. Em 2002 e 2003, saltou para 18 mil e 88 hectares. Já o rebanho bovino brasileiro, na Região Norte, em 2000, segundo o Ministério da Agricultura, era de 24 milhões e 518 mil cabeças. Saltou para 27 milhões e 284 mil cabeças.

Além disso, a idéia de que o avanço da fronteira agrícola trará para o País mais mercado e divisa, aumento do PIB, essas idéias de produção para o mercado internacional fazem com que a grilagem de terras aumente a cada dia. Do total de 850 milhões que compõem o espaço físico do nosso País, só 418 milhões estão devidamente registrados. Descontando-se as áreas de cidades, rios, lagos, estradas, ainda sobram 200 milhões de hectares cujos títulos de propriedade estão sob suspeita. A probabilidade de que mais da metade disso seja de terras griladas é enorme, uma demonstração clara de que o Estado brasileiro não tem controle sobre o seu espaço físico.

A face mais visível da grilagem é a violência - quando o grileiro contrata pistoleiros para expulsar posseiros, seringueiros, índios, quilombolas e outros moradores que se encontram na área pública da qual pretende se apropriar. Cito o caso da Irmã Dorothy: tombou com seis tiros por defender esses moradores e também por defender a idéia de um outro modelo de desenvolvimento, um modelo de desenvolvimento harmonizando economia com ecologia.

A face menos visível desse processo é a corrupção. Ao mesmo tempo em que expulsam antigos moradores, os grileiros falsificam documentos de propriedade para, mais tarde, venderem as terras a produtores rurais interessados, de boa-fé, na produção agrícola, especialmente nas áreas de fronteira agrícola. Para isso, sempre contaram com a cumplicidade de cartórios de registro de imóveis e até mesmo de autoridades, muitas das vezes também envolvidas em grilagem de terras da União.

Isso precisa parar. A situação é grave, delicada e precisa ser enfrentada e combatida, antes que vejamos apenas cinza e fumaça na nossa Floresta. Mais do que isso, antes de vermos a substituição da vida pela pobreza social.

Desenvolvimento não precisa e não pode ser acompanhado de desmatamento. O Brasil precisa romper o cordão umbilical que o mantém ligado ao colonialismo. Precisamos deixar para trás o extrativismo pelo extrativismo e seguirmos o caminho do desenvolvimento sustentável. Economia e ecologia devem caminhar de mãos dadas, lado a lado. Se formos ver o significado das duas palavras do grego, vamos ver que elas se complementam. Economia e ecologia têm que caminhar, lado a lado, de mãos dadas.

As políticas de desenvolvimento sustentável propostas devem ser imediatamente implantadas. Existe o Programa Amazônia Sustentável que está no papel e que precisa ser implantado pelas diversas esferas de Governo, capacitando o nosso povo para a utilização sustentável da nossa biodiversidade, percorrendo um novo caminho do desenvolvimento. É possível, sim, uma mudança nesse modelo predador, destruidor.

Durante o meu Governo, de 1995 a 2002, implantamos ações que garantiram sustentabilidade à biodiversidade do nosso Estado, em suas dimensões econômica, social, ambiental, cultural e político-institucional. E os resultados estão aí para quem quiser conferir. Tivemos apenas 1,9% de alteração da cobertura vegetal original do nosso Estado. A taxa de desflorestamento ficou em 0,14%, ou seja, quase nada. No entanto, o nosso PIB, se é essa medida que nos interessa, cresceu 56,4%, enquanto o crescimento médio do PIB brasileiro era de 26,66%. A nossa taxa de crescimento foi o dobro da taxa de crescimento nacional. Geramos mais empregos e renda, agregando valor aos produtos da cadeia produtiva da floresta, como a castanha do Brasil, produtos madeireiros, resinas, frutos e outros, incluindo os setores do turismo e da pesca.

O melhor resultado veio a seguir, com a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, que subiu de 13º lugar em 1999 para 12º em 2000. Houve, portanto, uma repercussão positiva, em todos os indicadores sociais.

Esses resultados são concretos, Srªs e Srs. Senadores. O Amapá é um exemplo de que podemos claramente aliar desenvolvimento com sustentabilidade, eqüidade e justiça social. Vários outros projetos implantamos no Amapá, mas, infelizmente, o Governo que me sucedeu deixou o povo abandonado à sua própria sorte, sem rumo.

Penso eu, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, que é hora de uma grande mobilização em direção à Amazônia, que representa mais de 50% do território nacional e que deve ser preocupação constante desta Casa.

Senadora Ana Júlia, concedo-lhe um aparte.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador João Capiberibe. Eu queria, primeiramente, cumprimentá-lo e parabenizá-lo por esse pronunciamento. V. Exª é um Senador que se tem pautado, aqui nesta Casa, pela defesa de um desenvolvimento sustentável para a nossa região amazônica. Como V. Exª aqui registrou, mesmo não havendo uma linha de crédito que seja específica e mais clara, já existe, nos nossos bancos públicos, uma preocupação evidente com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Eu queria citar, inclusive, a resolução do Banco do Brasil, que orienta não liberar créditos e suspender financiamentos para aqueles que cometem crime ambiental, crime do trabalho escravo e crime do trabalho infantil. Portanto, essa é, sim, uma diretriz desse Governo. Mas, como é, por enquanto, uma diretriz de Governo, estamos tentando inserir isso na legislação do nosso País. Não sei se V. Exª tem conhecimento de que, nesta Casa, apresentei projeto - que já se encontra na Comissão de Assuntos Econômicos e cujo Relator é o Senador Eduardo Suplicy; espero que seja votado e aprovado, pois tenho certeza de que vai contar com o apoio de todas as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores - proibindo financiamento, incentivo fiscal, participação em licitações de todos aqueles que cometerem crime ambiental e crime de trabalho escravo na última instância de recurso administrativo. Creio que não podemos financiar com uma mão o que combatemos com a outra. Parabéns a V. Exª! Comungo com a defesa do desenvolvimento sustentado para a nossa região. Nossas riquezas devem ser aproveitadas pelo povo, mas não só nesta geração, como também nas gerações futuras.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigada, Senadora Ana Júlia. O que mais me preocupa é que reproduzimos o mesmo modelo colonial. Seguimos produzindo monoculturas, como a de soja. Exportamos soja in natura, em grão, sem valor agregado. Isso faz com que destruamos nosso patrimônio ambiental e vendamos nossa natureza sem resultado efetivo do ponto de vista social.

No caso específico da Amazônia, um banco como o Basa, por exemplo, deveria começar a transitar para um novo modelo. Por cada real investido na pecuária, investiria um real em atividades industriais ou de serviço, tendo em vista equilíbrio nos investimentos, porque o que observamos é que são altíssimos ainda os investimentos na mesma direção econômica da conversão de floresta em pastagem ou na conversão de floresta em produtos monoespecíficos.

Então, essa é a preocupação. As mudanças no nosso País são extremamente lentas, e, nessa lentidão, parece-me que a geração dos nossos filhos e dos nossos netos não vai mais alcançar a floresta, o que poderia gerar riqueza econômica, satisfação social e orgulho para todos os brasileiros de ter podido construir um novo modelo econômico.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Concordando com V. Exª, somente gostaria de dizer rapidamente o seguinte: esse é um modelo que não deu certo por vários motivos. Simplesmente derrubar florestas para colocar pastos não deu certo. É interessante que há quem questione a área indígena, dizem que não se respeita a tradição, uma cultura diferente da nossa. Perguntam: para que tanta área? Mas ninguém questiona latifúndios imensos de pastagens que nem são para gente, mas para boi, normalmente nessa cultura primária, sem agregação de valores. Hoje, discutimos o assunto na Comissão de Desenvolvimento Regional: não podemos ter o mesmo modelo de Sudam e Sudene, não só por conta dos desvios, não; não podemos ter o mesmo modelo porque não podemos ter o mesmo tipo de financiamentos. É preciso haver financiamentos que apostem nessa capacidade de mudança de modelo de desenvolvimento, que não seja só pecuária, que não seja só a indústria madeireira - ela é importante, mas não é a única solução. Com certeza, é preciso investir na agricultura. E sei que V. Exª, no seu governo, fez esses investimentos. O povo do Amapá sabe disso. E são desenvolvimentos como esses, são propostas como essas, são projetos como esses que precisam ser incentivados. Mas há uma diferença grande de quem é produtor de soja e pecuarista, porque eles têm um grande poder econômico, inclusive em relação à mídia e à sociedade. Os que defendem um outro modelo, infelizmente, são minoritários. Mas temos a felicidade de contarmos cada vez mais com adeptos que acreditam que é melhor o desenvolvimento de forma sustentável do que a destruição das riquezas de forma perene.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senadora Ana Júlia. Eu poderia acrescentar que o Governo, o Estado tem poder para estabelecer algumas políticas, como modernizar a pecuária na Amazônia, intensificar a agricultura, reduzir a necessidade do desmatamento, do desflorestamento. Isso é possível, sim. Temos tecnologia para isso, mas não temos a política de modernização e de pesquisa. Além de modernizar esses dois setores, que são hoje tão importantes, precisamos de conhecimento. Os investimentos na pesquisa são ínfimos, como afirmei aqui. Temos pouquíssimos investimentos na pesquisa. O conhecimento de que somos detentores não é suficiente para estabelecer esse novo modelo de desenvolvimento, necessário para a preservação ou para o equilíbrio.

Não é uma questão de conservar intocada a Amazônia. É preciso equilíbrio no uso dos recursos da Amazônia, para a produção econômica e para a preservação do patrimônio, que é de todos os brasileiros. Não podemos mais reproduzir na nossa região o que foi feito no restante do País, diante dos nossos olhos, com todo o mundo nos olhando.

Conclamo as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores para que nos dirijamos à Amazônia e passemos a observar, porque aí está envolvida uma questão de soberania nacional, uma preocupação com a manutenção da integridade do nosso território.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2005 - Página 15831