Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, que comemora 15 anos de existência.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, que comemora 15 anos de existência.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2005 - Página 24047
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, RECONHECIMENTO, CIDADANIA, MENOR, GARANTIA, DIREITOS, DEFINIÇÃO, DEVERES, ESTADO, SOCIEDADE, FAMILIA.
  • REGISTRO, DADOS, REDUÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • DEFESA, REFORÇO, POLITICA SOCIAL, PROTEÇÃO, INFANCIA, INSTALAÇÃO, CONSELHO TUTELAR, MUNICIPIOS, OBJETIVO, CUMPRIMENTO, ESTATUTO.

 

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, completa 15 anos. Instrumento destinado à proteção integral à criança e ao adolescente, é marco jurídico e social da maior importância, cuja grandiosidade primeira foi o de reconhecer crianças e adolescentes como cidadãos, a quem são garantidos amplos direitos na sociedade.

            Lei de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente resulta de um forte desejo da sociedade civil organizada em responsabilizar a família, a comunidade e o Estado pelo cumprimento do direito das crianças e adolescentes à vida, à saúde, à profissionalização, à cultura, à educação, à dignidade, a liberdade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária e ao pleno e saudável desenvolvimento sexual.

Para assegurar efetiva proteção a esses direitos, o ECA também proíbe práticas prejudiciais ao desenvolvimento dessas pessoas em formação, tendo como objetivos o fim do trabalho infantil e da violência, mediante a execução de políticas públicas em todos os níveis de governo.

A redução do trabalho infantil no País é um ganho associado em dúvida à implantação do ECA, que nos artigos 98 a 102 dispõe sobre as chamada medidas de proteção, centradas em duas frentes - na redução das desigualdades sociais e na reeducação de pais para o perfeito convívio com os filhos.

O número de crianças que trabalham no Brasil, segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para Infância, UNICEF, divulgado no final do ano passado, caiu cerca de 2,2 milhões entre os anos de 1995 e 2002. Mas ainda há muita criança e adolescente trabalhando no País - segundo os Indicadores Sociais do IBGE, ano de 2004, 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhavam no País em 2003.

Uma das leis mais avançadas do País, na avaliação do UNICEF, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para setores conservadores da sociedade, o que inclui parlamentares de todas as regiões do País, é complacente com o jovem infrator, vira e volta merecendo desse setor defesa veemente da redução da idade penal, como se isso fosse remédio para reduzir a criminalidade, para frear as violações cometidas pelos adolescentes.

O que falta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é fortalecer o Estatuto da Criança e do Adolescente, fortalecer os mecanismos de proteção integral aos direitos nele assegurados. Um exemplo: a instalação de Conselhos Tutelares, parte fundamental do sistema de garantia de direitos, ainda não ocorreu na totalidade dos municípios brasileiros.

Segundo o CONANDA, mais de 1.221 cidades não possuem conselhos de direitos, que são órgãos de função pública, compostos de maneira paritária por representantes governamentais e não-governamentais, e outras 1849 não têm conselhos tutelares.

Existe ainda o agravante de que em cidades populosas, onde as violações aos direitos das crianças e adolescentes superam a capacidade de amparo e assistência às vítimas, não há número suficiente de conselhos tutelares. E ainda, realidade lamentável e presente em praticamente todas as cidades em que estão instalados, assistimos o completo desaparelhamento dos conselhos tutelares - não contam com estrutura física adequada, estrutura material e tampouco estrutura humana.

Penso até, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que de algum modo deveria ser punido exemplarmente o prefeito, o executivo municipal que por falta de vontade política não destine as condições vitais para funcionamento dos conselheiros tutelares. Eles deveriam ser penalizados com a suspensão de recursos, por exemplo.

Porque, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossas crianças e jovens são, sem a menor dúvida, as maiores vítimas hoje da barbárie urbana, da agressão caseira, de personalidades doentias que praticam pedofilia, da exploração econômica, do descaso da família para com sua saúde e educação, do Estado que não os ampara na medida de suas urgentes necessidades, da miséria e da fome.

Ao falar do ECA, me detenho aqui na questão dos conselhos tutelares, obrigatoriamente instalados a partir da criação do Estatuto, porque eles dão conseqüência prática à doutrina da proteção integral e ao princípio da prioridade absoluta às crianças e aos jovens. E, por isso, precisam urgentemente ser fortalecidos, ampliados.

São os conselheiros tutelares que diariamente se deparam com as violações cometidas pela sociedade, pelo Estado e pela família. São eles que recebem denúncias de que uma criança está fora da escola, de que uma criança foi abusada sexualmente, foi espancada pela mãe, pelo padrasto, pai ou irmão.

São os conselheiros tutelares que amparam e protegem adolescentes vítimas do lar desajustado, errantes devido à dor do ambiente familiar impregnado pelo álcool, pela miséria, sem carinho, sem nenhum encanto.

Os conselheiros tutelares se arriscam no atendimento dos casos de ameaça e/ou violação de direitos das crianças e adolescentes. Eles fazem representação, aplicam medidas de proteção e solicitam serviços ao Judiciário, aos órgãos estaduais, enfim, às instâncias que conjuntamente devem também garantir os direitos das crianças e adolescentes. 

Têm, portanto, fundamental tarefa para cumprimento do Estatuto da Criança e Adolescente, precisando do incondicional amparo do poder público para o exercício de suas competências. Está claro, hoje, que onde o Conselho tutelar existe, existe a possibilidade maior de que a violação de direitos da criança e adolescentes seja apurada e investigada.É preciso que o Estado prepare, capacite os conselheiros tutelares para lidar com os pais e responsáveis de crianças e adolescentes vitimizados pela violência, pelos maus-tratos. Isso porque, Senhoras e Senhores Senadores, é dentro de casa que nossos pequenos brasileiros tem seus direitos violados com maior freqüência.

Recente coleta de dados feita de janeiro de 1999 a abril deste ano, divulgada pelo Sistema de Informações para a Infância e Adolescência, SIPIA- banco de dados de âmbito nacional sobre casos de desrespeito aos direitos garantidos pelo ECA -, mostra que as mães lideram o ranking de denúncias feitas aos Conselheiros Tutelares de 12 Estados que enviam com freqüência informações ao SIPIA.

As reclamações contra mães atingem o número de 94,4 mil, e contra os pais chegam a 86,7 mil acusações. Juntos, eles somam mais de 50% das 360,5 mil denúncias registradas nos Estados que utilizam a ferramenta.

As mães são mais denunciadas por questões ligadas à saúde dos filhos. Pela omissão em não levá-los ao serviço médico, em comunicar casos de doenças contagiosas ou negligenciar no atendimento a acidentes que suas crianças possam sofrer. As mães também são muito denunciadas por cometerem agressões físicas e psicológicas, representando 7,1 mil denuncias.

Existe ainda no País a cultura do castigo físico como forma de educação, sendo necessário mudar esse comportamento. O lar é um ambiente de aprendizado, quem ama educa, e quem cresce em meio à violência tende a reproduzi-la. Por isso a importância de instrumentalizar e preparar nossos conselheiros tutelares.

Os pais são mais denunciados devido ao comportamento inadequado ao convívio familiar. Confinamento de crianças, alcoolismo, dependência de drogas e exploração sexual são algumas das infrações por eles cometidas, com 24,4 mil denuncias.

São recorrentes, também, reclamações acerca da ausência de condições para o convívio familiar - não pagamento de pensão alimentícia, falta de moradia, de condições de sobrevivência devido à miséria, doença e desemprego, totalizando 18 mil casos.

Como se vê, Senhoras e Senhores Senadores, o Estado brasileiro tem o dever de promover a reeducação dos pais para o exercício saudável da convivência com os filhos, medida de proteção assegurada no ECA, e que infelizmente não é aplicada pelos três níveis de governo, existindo iniciativas isoladas por parte de ONGs em parceria com prefeituras.

Esta é uma competência, existindo igualmente outras, deslocada do avançado texto do Estatuto em relação à realidade brasileira. É preciso vontade política de todos os nossos governantes para assegurar a reeducação dos pais, também eles, em camadas sociais menos favorecidas economicamente, vítimas de toda sorte de problemas - desemprego, baixa renda, violência nos centros urbanos etc.

Persistem, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após 15 anos de vida do Estatuto, situações dissonantes entre o que são estabelecidos os artigos do ECA e a prática do dia-a-dia. Situações que variam entre a doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral, entre as violações e a efetiva garantia de direitos.

Sobretudo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é imperativo consolidar o princípio da prioridade absoluta preconizado na Constituição Federal, em seu artigo 227, e pelo ECA, ao atendimento das necessidades de nossas crianças e adolescentes que passam pelo direito à creche, à escola, à saúde, lazer, formação, cultural, profissionalização e tantas outras.

Para isso, os movimentos sociais contam com meu integral apoio para se construir efetivamente no País política que agregue e amplie a participação, controle social e garantia de direitos na formulação e execução de políticas voltadas para a criança e adolescente.

A sociedade, os legislativos e os governos devem refletir sobre isso e unir esforços para que maior porte de recursos sejam destinados para atender o principio de prioridade absoluta, e fundamentalmente para que não possam ser desviados de sua finalidade, a pretexto de compor contas outras que sacrificam o presente e comprometem o futuro de nossas crianças e adolescentes.

Para concluir, celebro os 15 anos do Estatuto da Criança e Adolescente, data que enseja neste mês de julho atividades em diversos Estados brasileiros. Documento de valor inquestionável, que aboliu o Código de Menores, universalizando e ampliando o foco das questões relacionadas à criança e adolescente com uma visão progressista e cidadã.

Parabenizo o movimento social que bravamente lutou, desde a Assembléia Constituinte, para assegurar direitos constitucionais as nossas crianças e adolescentes e garantir a existência do ECA.

E parabenizo especialmente porque continua na luta para que os operadores do Direito responsáveis pela aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente, ou seja, os conselhos tutelares, os promotores de Justiça, municípios, Estados e a União, dentre outros, apliquem efetivamente o Estatuto para lhe dar eficácia social.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2005 - Página 24047