Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saudações às 52 brasileiras selecionadas pelo projeto "Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz 2005", iniciativa que objetiva destacar o papel da mulher na construção da paz no mundo.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA. FEMINISMO.:
  • Saudações às 52 brasileiras selecionadas pelo projeto "Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz 2005", iniciativa que objetiva destacar o papel da mulher na construção da paz no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 21/07/2005 - Página 25001
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA. FEMINISMO.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, INDICAÇÃO, MULHER, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, VALORIZAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, PAZ, HOMENAGEM, BRASILEIROS, CONCORRENTE.
  • SAUDAÇÃO, MULHER, LIDER, COMUNIDADE INDIGENA, ESCRITOR, EDITORA, FEMINISMO, ELOGIO, OBRA LITERARIA.
  • COMENTARIO, FESTA, FEMINISMO, INDIO, PARQUE INDÍGENA DO XINGU.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna hoje para uma celebração, uma mensagem positiva em meio ao noticiário corriqueiro dos últimos dias. Porque as boas-novas também existem no mundo e em nosso País - é importante que não nos esqueçamos disso no meio da tempestade.

Aliás, as tempestades são fenômenos naturais e, como tais, necessários e inevitáveis. Transformadoras, mais ou menos recorrentes, dependendo do tempo de do lugar, as tempestades são passageiras, por natureza. É fundamental não esquecermos disso também.

Portanto, como eu gostaria de ter feito há alguns dias, saúdo, desta tribuna, as 52 brasileiras selecionadas pelo projeto Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz 2005 - uma iniciativa que objetiva destacar o papel da mulher na construção da paz no mundo.

Em 104 anos de premiação do Nobel, apenas 13 mulheres foram contempladas.

            Em 2005, no entanto, mil mulheres concorrerão juntas ao prêmio - após dois anos de democrático processo seletivo, entre as muitas guerreiras na luta pela paz em todo o mundo.

No Brasil, o comitê executivo do projeto Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz recebeu 262 indicações de nomes e biografias em condições de concorrer. Desses 262 nomes e biografias, 52 foram selecionados.

Entre as escolhidas estão algumas das mulheres que o nosso mandato teve oportunidade de indicar: a líder indígena Maninha Xucuru e a escritora feminista Rose Marie Muraro - em nome de quem abraço as demais brasileiras selecionadas.

Rose Marie Muraro, escritora e editora, empresta sua vasta experiência de autora - com 19 livros publicados - para desvendar o universo feminino no País e no mundo.

Rose Marie Muraro desde jovem se interessou pelas letras. Escreveu para jornais estudantis, e, em 1961, começou a trabalhar na Editora Vozes, em Petrópolis, organizando coleções de livros nacionais. Em 1966 escreveu seu primeiro livro, Mulher na construção do mundo futuro.

Por sua iniciativa, muitas obras literárias, banidas pelo então regime militar, foram produzidas pela Editora Vozes durante os 17 anos em que Rose Marie Muraro foi sua diretora editorial junto com Leonardo Boff. Em 1986 dedicou-se à fundação da editora Rosa dos Tempos, a única especializada em Gênero na América Latina.

Muitas vezes premiada por diferentes instituições brasileiras, em reconhecimento à sua obra e à sua militância feminista, a vida não foi fácil para essa mulher:

Nasceu cega - tem apenas 5% da visão em um dos olhos e com o outro não enxerga nada. Teve de reaprender a andar, vítima de mal reumático, ainda na infância.

De família abastada, viu a riqueza se transformar em carência, depois da morte de seu pai. Dessa condição viu aflorar sua vigorosa opção pelos oprimidos - conforme sua autobiografia, intitulada Memórias de uma mulher impossível.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, no exemplo dessa mulher que transmutou suas limitações em grandeza e amplitude de realização criativa, quero saudar o movimento de mulheres brasileiras, lembrando aqui um rito preservado entre alguns povos do Parque Nacional do Xingu, no Estado do Mato Grosso, que ilustra bem a universalidade da causa feminista:

No meio da floresta amazônica, mulheres de uma comunidade convidam as mulheres dos povos vizinhos, adornam-se com a pintura corporal e os adereços e as armas dos homens, reúnem-se no pátio da aldeia anfitriã e dançam a noite inteira, evocando uma história muito antiga, na milenar cerimônia de Yamurikumã.

A festa ritual rememora que um dia os homens saíram para caçar e não voltaram. Depois de longa espera, as mulheres resolveram procurá-los e os encontraram vivendo entre os animais, sem qualquer intenção de voltar a viver com as mulheres.

Os homens acreditaram que se bastavam - e perderam a festa.

Sim, porque as mulheres retornaram à aldeia e ocuparam os espaços e as funções até então atribuídas aos homens. E, para celebrar a nova condição, as mulheres se cobriram com as pinturas e os adereços dos homens, e então dançaram e cantaram a noite inteira.

A festa das mulheres afinal atraiu os homens. Mas elas não os aceitaram de volta.

Estabeleceram-se com sucesso sobre o padrão masculino que herdaram, governaram com eficiência e guerrearam com mestria.

Elas também acreditaram que se bastavam - e perderam o seio direito no manuseio do arco.

Não sei quanto tempo nem o que se passou depois disso. Sei apenas que, entre os povos que hoje contam essa história, homens e mulheres compartilham a comunidade em harmônico equilíbrio e revivem, na festa de Yamurikumã, o processo de construção da consciência do masculino e do feminino como universos independentes e complementares.

Complementares e independentes, homens e mulheres desses povos rememoram a ousada travessia da disputa excludente para a solidariedade que agrega. E, há milênios, atualizam e maturam a compreensão de que tudo se completa, revigora e recomeça no abraço.

Portanto, saúdo tempos de Yamurikumã no Brasil e na humanidade.

Como festa de Yamuricumã, vibrem entre nós a causa e a luta de Rose Marie Muraro e Maninha Xucuru - em nome de quem saúdo todas as mulheres em luta por um mundo mais solidário e em paz!

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/07/2005 - Página 25001