Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o referendo a ser realizado no próximo dia 23 de outubro, para decidir sobre a comercialização de armas de fogo e munições. (como Líder)

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre o referendo a ser realizado no próximo dia 23 de outubro, para decidir sobre a comercialização de armas de fogo e munições. (como Líder)
Aparteantes
João Alberto Souza, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2005 - Página 35331
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • PROXIMIDADE, REFERENDO, CRITICA, FALTA, INFORMAÇÃO, POPULAÇÃO, DEFICIENCIA, DEBATE, PROIBIÇÃO, COMERCIO, FABRICAÇÃO, ARMA DE FOGO.
  • DENUNCIA, INEFICACIA, ESTADO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, CONTRABANDO, UTILIZAÇÃO, REFERENDO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, FALTA, GARANTIA, SEGURANÇA PUBLICA, CRITICA, GASTOS PUBLICOS, JUSTIÇA ELEITORAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO PUBLICO, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, AMBITO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • DECLARAÇÃO DE VOTO, OPOSIÇÃO, DESARMAMENTO, GARANTIA, DIREITO DE DEFESA, CIDADÃO.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pela Liderança do PMDB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores procurarei ser breve, pois o tempo me foi cedido pela Liderança do meu Partido, o PMDB.

É dever indeclinável de quem detém um mandato popular deixar claro à população suas opiniões, seus pontos de vista, suas convicções. No próximo dia 23, Senadora Íris de Araújo, o seu Estado, o meu, o Brasil, cerca de 120 milhões de pessoas vão responder a um referendo. Sinceramente, este referendo é discutível; se não do ponto de vista legal, é discutível pelo que a população até agora está entendendo dele. Melhor dizendo, grande parte da população não está suficientemente esclarecida sobre a matéria. É verdade que o referendo foi marcado com tempo razoável, mas é verdade que o Brasil, a população e a sociedade vêm sendo surpreendidos por acontecimentos que não permitiram um debate eficiente sobre o tema.

Nos últimos dias, quem liga a TV, quem ouve rádio realmente percebe que está havendo um debate, porém insuficiente a nosso ver. Pelo que sentimos do nosso contato direto com o povo, há desinformação sobre este assunto. Alguém, outro dia, me disse: “Senador, chega a ser incrível querer desarmar o cidadão. Eu nem acredito nisso!” Quer dizer, ele vai votar “não” e nem acredita que o Estado, que tem obrigação de dar segurança pública, que é responsável pelas nossas vidas, que tem responsabilidade de fazer cumprir a Constituição, principalmente no que se refere aos direitos individuais, possa proibir o comércio e a fabricação de armas no País.

Outros, filosoficamente, entendem que devem votar “sim”, porque quem não é a favor da paz, do amor? Quem não é a favor da solidariedade, da fraternidade? Nós todos somos. Eu também sou. Nunca usei uma arma de fogo na minha vida, mas sou um homem criado, até de berço, com o direito de opção e, sobretudo, com a sacrossanta defesa das liberdades individuais. A liberdade, a igualdade e a fraternidade, para mim, são princípios fundamentais da minha vida. Não posso abdicar disso. Não posso abdicar do meu direito de optar, de escolher o que melhor me convém. E este plebiscito está se referindo ao comércio, à fabricação de armas, se se é a favor ou contra, como querendo dizer que, se votarmos favoravelmente a essa questão, se dissermos “sim”, estará resolvido o problema da violência no País, o que, positivamente, é um absurdo.

Senadora Iris de Araújo, no meu entendimento, isso não passa de um truque. Isso é o Estado impotente, como se encontra, para combater o crime organizado, para desbaratar as quadrilhas, para colocar os ladrões e os bandidos na cadeia, para acabar com o aumento, sempre crescente, do uso de drogas, com o tráfico de drogas, com o contrabando. Isso é responsabilidade do Estado. O Estado, com sua impotência e tendo que dar satisfação à opinião pública, usa da estratégia de fazer o referendo para consultar a população sobre se é a favor ou contra o comércio e a fabricação de armas, como se isso possibilitasse resolver o problema de segurança pública no País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me atormenta e me inquieta muito é ver que, cada vez mais, protegem-se os ricos em detrimento dos mais humildes e sacrificados. Quando se retira a arma das mãos dos ricos, eles blindam os carros. Antes, eles já construíam muros de grandes alturas para proteger suas residências. Colocavam cacos de vidro nesses muros, mas isso ficou insuficiente. Então passaram a colocar cercas elétricas. Seus filhos são conduzidos por seguranças particulares. Que beleza! Dois ou três seguranças levam os filhos dos poderosos, dos ricos, da elite para estudar e até para se divertir, enquanto os pobres não têm nada disso, ficam à mercê de quê?

Cada vez mais, vamos criar uma casta neste País. A elite estará diferenciada. Haverá o carro do rico e o carro do pobre. O carro do rico será caracterizado pela blindagem, pelo vidro fosco e escuro que não permite ver quem está dentro. Dirão: “Lá vai um rico, um poderoso”. Nos carros da classe média para baixo, saberão que há um homem desprotegido, à mercê dos bandidos, dos seqüestradores que estão soltos neste País, zombando do Governo. Essa é a verdade. E não me refiro ao Governo atual, mas ao Poder Público. Isso vem de algum tempo, mas está num crescendo assustador. Agora vamos chegar a esse truque.

Sr. Presidente, não dá para ficar assim. Estamos gastando, de acordo com alguns, R$250 milhões; segundo outros, informa o Senador Romeu Tuma, R$500 milhões para fazer a campanha do referendo.

Pergunto: quanto gastamos com segurança pública em todo Brasil? Gastamos isso neste ano? O Siafi diz que não, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Parece-me que tudo isso cheira a um verdadeiro absurdo. Foi o que me trouxe à tribuna.

Quero fazer uma confissão. Até conheço o pensamento de V. Exª, Sr. Presidente. Sei que V. Exª não comunga com a minha tese, mas me ouve com atenção, pela sua gentileza. V. Exª é um grande representante do Acre, um médico humanitário. Mas, positivamente, Senador Romeu Tuma - a quem vou conceder um aparte -, esses argumentos que trago a esta tribuna são do povo. Não os li em jornal, não busquei nos livros científicos. Isso não significa que eu não esteja lendo, Sr. Presidente. Estou lendo, sim, inclusive, para constatar que é na Suíça, um dos países mais armados do mundo, onde ocorrem menos homicídios. O que estamos querendo fazer é combater o crime de adultério tirando o sofá do quarto, na expressão clássica, como se não existisse crime com faca, como se não existisse crime com porrete, como se não existisse crime com soco. Mas, quer-se que o cidadão de bem entenda legítima defesa com a parte física.

Sr. Presidente, não tenho direito de legítima defesa. Já estou na era sexagenária, mas disposto a trabalhar pelo meu País e não esconder as minhas idéias. Sou um homem indefeso porque não tenho força suficiente para me defender de ninguém. Se for a soco e a pontapé, o bandido vai me matar. Mas, dirão alguns: Mas, se você reagir, você morre!

Mas que diacho! Que diabo! - digo eu. E a expressão é popular mesmo, eu gostaria que o povo estivesse ouvindo o meu pronunciamento, porque a TV Senado ainda não está aberta, mas chegará o dia em que estará. Por quê? Para dizer que não tenho o direito de legítima defesa? Então, não tenho o direito de optar? O bandido chega, abro o peito e digo: “Faça o que quiser”? Estou desarmado, ele já sabe que estou desarmado se o Sim ganhar. Ele vai presumir isso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu teria muito o que falar sobre esse assunto, mas quem pode melhor falar do que eu, quero dizer isso a V. Exª e a quantos nos estejam honrando me ouvindo, ouvindo essa palavra de um sul-mato-grossense, de um homem do Pantanal, lá do Mato Grosso do Sul, que tem fronteira, Senador Romeu Tuma. Ontem eu disse naquela tribuna, falando sobre a febre aftosa: “Se passa caminhão de vaca e de boi, não vai passar caminhão de arma?” Se você não precisa gastar nada para comprar, basta se apresentar no Paraguai, na Bolívia, em qualquer país limítrofe com o Brasil; se você se apresentar e tiver o dinheiro, você compra uma arma de fogo e atravessa aqui para o Brasil. E estamos com essa brincadeira do referendo, de proibir o comércio e a fabricação de armas, quando no ano 2004 esse comércio só vendeu três mil armas, ou menos um pouco, me corrige o Senador Romeu Tuma. Mas, se eu fosse um comerciante, eu ia abrir e esperar. Se o Sim vencer, vamos abrir.

Senador Romeu Tuma, V. Exª tem experiência. V. Exª até hoje é lembrado como um grande chefe da Polícia Federal que foi, pelos seus métodos, pela sua maneira, pela sua inteligência, pelo modo como fazia as investigações, pelo respeito que impunha. V. Exª tem experiência, aconselhe seus amigos. Vamos abrir e tentar legalizar as empresas de segurança pública para os ricos. Os pobres? Eles que se danem! Não! Fico com a sociedade, Sr. Presidente, de forma prática. Filosoficamente, sim, quero o abandono da violência no mundo inteiro. Mas os países não deixam. Os exemplos começam dos grandes, fabricam guerras porque têm grande potencial bélico. O que vão fazer com as armas que eles produzem?

Acredito que deixei claro o meu ponto de vista, algumas razões que justificam o meu ponto de vista; outras são desnecessárias, porque estou na tribuna não com fito de convencer ninguém, mas de deixar nos Anais desta Casa o meu posicionamento. Foi suficiente.

Mais forte que o meu discurso, com certeza, será o aparte do Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Sr. Presidente, Senador Ramez Tebet, o que vou dizer não será nunca mais forte do que o que V. Exª expôs da tribuna. Ouvindo o seu depoimento, corri ao plenário para homenageá-lo, até em razão da região onde V. Exª vive. O nosso Presidente da CPMI dos Correios foi claro, dizendo que é pantaneiro e que, no Pantanal, é difícil andar sem arma, até pelo risco de animais e outras ameaças que o cidadão sofre. No entanto, uma coisa me preocupa, Senador Ramez Tebet: que projeto o Governo apresenta para dar tranqüilidade ao cidadão, oferecendo-lhe mais segurança? Qual é o projeto? Apresenta um projeto de referendo, apoiado por alguns membros desta Casa, mas para retirar as armas das pessoas de bem, sem contraproposta alguma que lhes garanta segurança. Muitos cidadãos acham que a arma é a única coisa que lhes dá segurança - a eles e às suas famílias. Estou muito tranqüilo, porque sempre preguei que o cidadão que não precisa, que não tem experiência, não ande armado, desde que eu era chefe de polícia. Sempre fiz essa proposta. E sugeri ao Governo que fizesse uma campanha de conscientização e ajuda à população para que não andasse armada, mas oferecendo segurança. Para o cidadão que já foi seqüestrado, assaltado, ou cuja família teve um de seus membros estuprado ou violentado, ou tantas e tantas ocorrências, e que acredita que só a arma vai lhe dar segurança, o mercado negro está aí, Senador. Se V. Exª pegar O Estadão de ontem, verá as ofertas do Paraguai, com descontos para quem quiser comprar munição e armas - e diz que haverá aumento nas vendas. Quanto às últimas ocorrências, com prisão de quadrilhas ou de organizações criminosas, eu gostaria que a televisão informasse quais são as armas fabricadas no Território Nacional. São AR-15, pistolas automáticas, tudo o que compram facilmente, porque o poder de fogo do bandido é muito melhor do que o do sistema de segurança. Então, não há projeto algum, Senador Ramez Tebet. V. Exª está chorando pelo que o povo se angustia; não se trata de querer andar armado, pois nenhum de nós quer andar armado, nem acha que ninguém deva andar armado. A população quer, sim, sentir que tem segurança, que o Estado está cumprindo com sua obrigação de lhe dar tranqüilidade, para saber que o seu filho ou sua filha saem à noite, vão à escola e voltam sem correr risco. Quem não fica em casa rezando para que o filho volte em segurança? Todos nós. O nosso desespero é saber se vai ou não haver alguma ocorrência com eles na rua. Há a violência no futebol, Senador Ramez Tebet, onde um torcedor foi morto a pauladas; outro matou, na universidade, a facadas. Não é a arma que vai fazer falta para o homicida que tenha vontade de matar, porque ele usa qualquer instrumento. Então, V. Exª diz que tiraram o sofá do quarto; eu diria que o tiraram da sala, porque, em respeito ao marido, não se põe o sofá no quarto. Penso que o Governo está tirando a possibilidade de decidirmos o que é melhor. Em primeiro lugar, haverá aumento do número de empresas de vigilância particular, que já têm muito mais efetivo do que propriamente as secretarias de segurança; segundo, a de carros blindados. Quem tem dinheiro usa carro blindado. Daqui a pouco haverá um referendo para proibir a fabricação de carro blindado. É o mesmo sistema. Quem tiver carro blindado, tranqüilamente, terá uma equipe atrás, pronta para matar o cidadão que ameaçar quem a contratou. Se tiver um pouco menos de dinheiro, terá apenas um; senão, terá um inspetor de quarteirão que vai vigiar as casas. O pobre terá de correr para desviar das balas, para que elas não acertem as suas costas.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Romeu Tuma, eu fico muito feliz com o testemunho que V. Exª dá. Eu o incorporo, prazerosamente, ao meu pronunciamento. Como disse no meu discurso, dos 81 Senadores, nenhum de nós pode dar um testemunho tão forte a respeito do assunto quanto V. Exª, pela sua vida passada. Não quero encerrar sem dizer apresentar este forte argumento: o Estatuto do Desarmamento, que votamos nesta Casa...

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Estão proibindo o que já está proibido.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Perfeitamente. E ele é muito rígido, Senador Romeu Tuma.

Pergunto à Mesa se me permite - V. Exª é tão magnânimo, Sr. Presidente - conceder um aparte ao Senador João Alberto Souza, do Estado do Maranhão, até porque eu estava com saudades de S. Exª, que ficou temporariamente ausente desta Casa.

O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Senador Ramez Tebet, sempre ouço V. Exª com muita atenção. V. Exª, nesta Casa, faz diferença; é um defensor do seu Estado, o Mato Grosso do Sul, e foi também Presidente desta Casa. Gostaria de dar, rapidamente, a minha opinião a respeito desse plebiscito. Não existe, no meu entender, projeto acabado. A abolição da escravatura não foi um projeto acabado. Aboliu-se a escravatura e, até hoje, aqui mesmo nesta Casa, estamos lutando para aperfeiçoar a abolição. E já se foram mais de 100 anos. Eu digo que a proibição do porte de armas não traz malefício algum à população pobre, que não tem direito a ter armas; e, mesmo se o tivesse, o bandido age traiçoeiramente. Ele não diz que vai nos atacar e o faz quando menos se espera. Mesmo em relação a quem está armado, ele chega primeiro - repito: mesmo se o cidadão puder usar sua arma. Eu não tenho dúvida de que o “Sim”, como eu voto, é o melhor para a população brasileira e de que, daqui pra frente, vamos ter que cobrar do Estado que realmente dê proteção a todos os cidadãos. Eu só vejo malefícios na arma. Tenho visto as brigas de rua, as brigas dentro de casa, as mortes de crianças por usarem arma dentro da suas casas; se não as tivéssemos, teríamos poupado muitas vidas no Brasil. Lamento profundamente contrariar meu grande amigo Romeu Tuma e V. Exª, porque, na minha concepção, a proibição vem proteger as pessoas mais humildes e mais pobres. Muito obrigado pela oportunidade de aparteá-lo. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador João Alberto Souza, recolho o seu aparte com muita alegria, até porque é um testemunho de quem pensa diferentemente de mim, e é isso que faz o espetáculo. Penso que deveríamos estar discutindo isso aqui há muito mais tempo. No entanto, não existem apenas armas de fogo, mas há outras armas que causam acidentes, que causam mortes e contra essa o povo não vai pronunciar-se.

Mas, Sr. Presidente, em assunto tão contraditório, não quero encerrar o meu pronunciamento com as minhas palavras. Peço licença para citar Norberto Bobbio, que dizia: “Exigir que o cidadão respeitoso das leis pague pelos que não as respeitam é intolerável”.

Sr. Presidente, é intolerável, neste mundo em que estamos vivendo, pretender-se que fiquemos pedindo e aperfeiçoando a vida inteira; ficar pedindo e lutando pela abolição da escravatura desde 1888, ficar pedindo que o Estado nos dê segurança por um tempo tão longo, positivamente, Sr. Presidente, é encomendar o próprio túmulo ou um lugarzinho no cemitério e tomar muito cuidado, porque a violência está muito forte, e o Estado não vem fazendo nada para coibi-la.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2005 - Página 35331