Discurso durante a 187ª Sessão Especial, no Senado Federal

Reverência a memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência a memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2005 - Página 36089
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, IGREJA CATOLICA, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Marco Maciel, Dom João Braz de Aviz, Arcebispo Metropolitano de Brasília, Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico, Dom José Freire Falcão, Arcebispo Emérito de Brasília, Dom Odilo Pedro Scherer, Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, representando Dom Geraldo Majela Agnelo, Presidente da CNBB e Arcebispo de Salvador, Embaixador da Polônia, Pawel Kulka Kulpiowski, Srªs e Srs. Senadores, autoridades eclesiásticas, congratulo-me com o Senado Federal por promover esta sessão especial em homenagem a Sua Santidade o Papa João Paulo II, bem mais que a figura de um sumo Pontífice, ainda que não se releve o fato de tratar-se da liderança máxima de uma das maiores religiões do planeta, e que tão fundamente marca a alma brasileira, o que aqui se celebra neste momento é a memória de alguém que foi uma das mais expressivas, influentes e respeitadas personalidades mundiais nas últimas décadas.

Ainda guardamos na lembrança as imagens de seus derradeiros dias. Até o fim, João Paulo II recusou-se a abdicar de sua missão. Enquanto restavam mínimas forças, lá estava ele, dirigindo suas mensagens aos fiéis e a todo o mundo, dilacerado por guerras sem fim, pela absurda violência, pelo terrorismo irracional e pelo individualismo egoísta que corrói princípios e valores.

De sua janela, no Vaticano, mesmo que a voz não fosse mais que mero sussurro, fisicamente debilitado, o sucessor de Pedro demonstrava seu inquebrantável vigor moral e sua autêntica grandeza. A visível fragilidade do corpo contrastava com a fortaleza do espírito. A cada aceno e benção, um oceano de paz e esperança inundava o coração de milhares de pessoas.

Ouso pensar que até mesmo entre os que não crêem e entre os não-católicos havia consenso quanto ao que movia aquele ancião. Outra coisa não era senão o suporte da fé. Reporto-me a uma fé que remove os mais intransponíveis obstáculos e torna suportável a dor física, o desconforto corporal. Por isso, pode-se dizer que de João Paulo II ficou, entre tantas virtudes, uma lição imorredoura: a de que a crença - firme, autêntica, sincera - pode ser o âmbar que cicatriza feridas, o bálsamo que ameniza a dor profunda.

Gravada na memória de todos ficou a imagem de alguém que, em sua agonia final, deu mostras de que a conquista da paz interior sublima a força dos fatores externos alheios à vontade de cada um.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, autoridades eclesiásticas, à frente da Igreja Católica, instituição que traz em si o peso e a responsabilidade de dois mil anos de história, João Paulo II soube compreender como poucos a enorme complexidade da época em que vivia - as conturbadas décadas finais do século XX e a incógnita representada pelo novo século que viu nascer. É nessa perspectiva que podem e devem ser realçados alguns traços de sua personalidade e a sabedoria com que conduziu seu rebanho.

            Em primeiro lugar, ele teve a grandeza de reconhecer os múltiplos caminhos que levam à Eternidade, razão pela qual não economizou esforços em prol do ecumenismo. Contudo, para fazê-lo a contento e demonstrar a necessária sinceridade de propósitos, teve o gesto que somente os seres humanos verdadeiramente grandiosos são capazes de praticar: a humildade para reconhecer pecados, erros, omissões e equívocos de sua Igreja, presentes em uma história que se perde no fundo dos tempos.

            Não bastava, porém, a grandeza do reconhecimento das falhas. Era preciso ir além. Era preciso pedir perdão. João Paulo II o fez. Na melhor tradição ensinada pelo pobrezinho de Assis, como se estivesse repetindo a generosa lição franciscana, ainda que em outro contexto e por motivação diversa, o Papa levou sua Igreja a redimir-se perante os judeus e as demais vítimas da intolerância institucional praticada no passado.

O Karol Wojtyla que a Polônia viu nascer, país do qual jamais se afastou pelos laços de afeto e de compromisso, transformou-se na condição de Bispo de Roma em homem universal e de seu tempo. Traduzindo no discurso e na práxis sua adesão inconstitucional aos princípios fundadores do cristianismo, nunca se calou diante da injustiça, da desigualdade e de todas as formas de opressão.

João Paulo II nutriu-se permanentemente da mais pura convicção de que a fraternidade, a solidariedade e o amor ao próximo são o único caminho que a paz universal viabilizaria e viabilizará para a concretização dos desígnios do Pai. Por esse motivo - essencialmente por esse motivo - não teve dúvida de assumir a condição de incansável peregrino da esperança.

Também nisso ele foi incomparável.

Como líder espiritual, granjeou o respeito e o carinho dos povos. Provam-no as multidões que acorriam ao seu encontro em todos os lugares a que chegava. Da simpática atitude de beijar o solo onde pisava pela primeira vez às homilias precisas, sensatas e corajosas durante as celebrações que presidia, João Paulo II deixava a marca de quem comprometido com a salvação de almas não descurava das condições materiais de existência de imensa parcela da população mundial.

Também nisso ele foi insuportável.

Não é difícil, pois, entender as razões pelas quais João Paulo II foi tão intensamente amado por homens e mulheres de boa vontade. Porque ele, mais do que qualquer outra personalidade de sua época, foi o símbolo mais do que perfeito da luta de todos aqueles que sonham com um mundo menos desigual, mais justo, feliz e ético; porque ele, na condição de Chefe de um Estado desprovido de armas e empresas, fez-se ouvir entre os mais poderosos governantes de seu tempo, não raro causando neles mal-estar e desconforto.

A voz de João Paulo II ecoou forte quando foi preciso desmascarar os interesses escusos por trás dos tenebrosos massacres em tantas guerras civis que castigavam uma África já suficientemente martirizada pela fome e pela corrupção, chamando à responsabilidade alguns dos mais poderosos Estados, acusando-os frontalmente por sua ação criminosa ou pela omissão acovardada.

Quando o modelo de Estado vigente na Europa Oriental carecia de firme contestação, quem levou estímulo e apoio político e moral à sociedade submetida ao anacrônico autoritarismo, a começar por sua Polônia natal, foi João Paulo II. Impossível deixar de atribuir ao Cardeal Wojtyla o papel de inegável centralidade na definição do processo histórico que permitiu ao Leste Europeu reencontrar-se com as suas melhores tradições e encetar a nova caminhada em direção à liberdade e à plenitude democrática.

Sr. Presidente, ao partir serenamente “para a Casa do Pai”, conforme as suas últimas palavras, o Papa João Paulo II recebeu uma inusitada, inédita homenagem. Em coro, comprimindo-se na Praça de São Pedro, a multidão entoava o pedido, que mais parecia ordem, aos dirigentes da Igreja: “Santificação já!”. A manifestação cujo significado adquire importância ainda maior pela espontaneidade, refletia o estado de espírito não apenas de milhares de pessoas que acompanhavam as exéquias do papa, mas de milhões de fiéis, que nos quatro cantos do mundo antecipavam-se à decisão que a Igreja, um dia, tomará.

Concluo, Sr. Presidente, certo de ter destacado algumas das razões pelas quais eu, do Partido dos Trabalhadores, em nome do qual tenho a honra de fazer uso da palavra nesta oportunidade, expressamos nosso contentamento com a realização dessa sessão especial. Espero ter realçado nessas breves palavras a magnitude do Papa João Paulo II.

É muito bom que esta Casa, tão absorvida pelo dia-a-dia do seu árduo, difícil e complexo trabalho parlamentar, faça cessar por uns instantes sua tão importante rotina para celebrar a memória de um exemplo edificante.

Ao fazê-lo, também nos engrandecemos um pouco. Mostramos a todos que, em meio ao debate político, à defesa de proposições e ao calor dos embates ideológicos, trazemos em nós a humildade que nos aproxima dos demais homens e mulheres de quaisquer latitudes e nacionalidades e com eles nos identificarmos.

E, seguindo o caminho apontado por João Paulo II, também queremos lutar para que a paz esteja conosco e para que prevaleça a justiça. Sempre!

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2005 - Página 36089