Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Vladimir Herzog, por ocasião dos 30 anos de sua morte.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Vladimir Herzog, por ocasião dos 30 anos de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2005 - Página 37032
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, VLADIMIR HERZOG, JORNALISTA, VITIMA, TORTURA, HOMICIDIO, DITADURA, REGIME MILITAR, ACUSAÇÃO, SUBVERSÃO, REGISTRO, BIOGRAFIA, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, TELEVISÃO EDUCATIVA, LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Vladimir Herzorg foi preso, torturado e, afinal, dado como enforcado, em um relatório capcioso do regime autoritário, em uma cela do DOI-CODI, em São Paulo.

Era considerado conspirador, inimigo do regime e subversivo, denominações que a ditadura usava a seu bel-prazer.

Eu questiono se na verdade a ditadura tinha ou não até alguma razão. Afinal de contas, Senador Paulo Paim, era ou não para se ser subversivo diante de uma ordem autoritária? Era ou não para se ser subversivo diante de uma ordem que virara do avesso a normalidade constitucional brasileira?

Então, não vou perder tempo com as terminologias da ditadura. Vou pura e simplesmente fazer aqui a homenagem do PSDB ao Jornalista Vladimir Herzog, que virou, pelo seu sacrifício, pelo seu martírio, um herói da nossa história.

Vlado, como era chamado desde os tempos de repórter do Estadão, não era nada disso para alguns. Para a ditadura, era, e para mim era também. E que bom que era subversivo, diante de uma ditadura que precisava mesmo não ter as suas regras respeitadas por aqueles que sonhavam com a liberdade. Mas ele era um brasileiro, um jornalista que resolveu especializar-se em televisão educativa, a inovação que começava a dar os seus primeiros passos.

Em São Paulo, era da Reportagem Geral, então chefiada pelo editor Fernando Jorge Pedreira. À época, quem conduzia o jornal, como editor-geral, era Cláudio Abramo.

Vlado veio para Brasília uma semana antes da inauguração da nova capital do País. Integrava uma equipe de seis jornalistas e um fotógrafo: Ary Ribeiro, Luiz Weiss, Alessandro Gambirásio, Manoel Vilela de Magalhães, Aldo Macelani, Renato Prado Guimarães e Raymond Frajmund. Na chefia, Fernando Pedreira.

Eu tenho muito orgulho de dizer que, desses seis, Senador Cristovam Buarque, dois trabalham comigo, hoje, no meu gabinete parlamentar: Ari Ribeiro e Manoel Vilela de Magalhães.

Aqui, Vlado e seus companheiros da precursora equipe enfrentaram todas as dificuldades, a começar pela comunicação telefônica com São Paulo. Dois anos depois, Vlado volta para São Paulo e, de lá, segue para Londres para um curso de tevê educativa na BBC. No retorno, integrou-se à Fundação Padre Anchieta, que iniciava atividades na recém-fundada TV Cultura. Era a oportunidade com que sonhava para aplicar a experiência dos dois anos de curso na Inglaterra. Era um sonho que apenas teve início. Esse sonho não teve fim por um corte abrupto aplicado pelo regime autoritário. Findou-se o sonho de Vlado, um grande jornalista. Nada mais. Findou-se o sonho daquele que, para a ditadura, era um agente subversivo; daquele que, para muitos, não era um agente subversivo; daquele que, para mim, era um agente subversivo, sim. Até porque se tinha que ser obrigatoriamente subversivo diante de uma ditadura que não poderia ser legitimada ou aceita por quem tivesse compromisso com as liberdades democráticas.

A morte de Vlado é pranteada ainda hoje e motivou esta homenagem do Senado da República em que faço essa síntese da vida de um brasileiro preso, torturado e morto porque tinha um sonho: o de aplicar no ensino brasileiro as modernas tecnologias que o mundo começava a experimentar.

A ditadura sempre separa irmãos de irmãos. Há um episódio que me foi contado pelo Ministro e Deputado Almino Affonso, Senador Luiz Otávio, que é muito bonito e exalta a figura humana do Embaixador e ex-Ministro Rubens Ricupero. Almino Affonso fez todo aquele curso de golpe de estado, porque esteve na Argentina e no Chile. A democracia ia caindo, e Almino ia procurando um outro lugar mais seguro para ficar. Mas Rubens Paiva, Almino, Fernando Santana, esse grande baiano e grande figura brasileira, e Baby Bocaiúva, Luiz Fernando Bocaiúva Cunha, viram-se na necessidade de se internar numa embaixada aqui em Brasília. E a disponível, a mais acessível, revelou-se como sendo a da Iugoslávia. Chegaram à capital da Iugoslávia, Belgrado, e lá, sem entender a língua local, sem poderem ter portado qualquer tostão, vivendo momentos difíceis, conseguiram chegar a Viena um embaixador do tipo linha-dura, que queria ser mais realista do que o mais duro dos coronéis do Regime Militar. Havia sido dada uma ordem pelo embaixador a todos os diplomatas, a todos os funcionários da embaixada: “Tem quatro bandidos, quatro subversivos. Não falem com nenhum deles. Não conversem com nenhum deles. Não ajudem financeiramente nenhum deles. Não dêem qualquer tipo de apoio a nenhum dos quatro”. E os quatro ditos bandidos eram Almino Afonso, Rubem Paiva, Fernando Santana e Baby Bocaiúva Cunha.

Não vou citar o nome desse embaixador, até porque seu filho é diplomata e um homem completamente afinado com a democracia. Mas nessa reunião o então Secretário de Embaixada Rubens Ricupero pediu a palavra e disse: “Embaixador, lamento ter que lhe comunicar que desobedeci a sua ordem, desobedeci a sua orientação. Não só já ajudei, com dinheiro, com calor humano, com solidariedade de brasileiros, não só já ajudei os quatro exilados brasileiros como vou continuar a fazer isso enquanto eles permanecerem aqui em Viena”. E a autoridade moral desse grande brasileiro que é Ricupero já se fez sentir naquele momento, porque o embaixador, tão abrasivo, nada fez, nada providenciou contra ele.

Outro fato se passou, Senador Suplicy, com seu conterrâneo, hoje Prefeito de São Paulo, José Serra. Até hoje não se sabe se ele recebeu de um secretário de embaixada, que terminou sendo punido com aposentadoria compulsória no início da carreira, tido como uma figura muito distraída, muito boa, mas muito distraída, não se sabe se ele recebeu o passaporte brasileiro no Chile, que lhe era proibido ter acesso pelo regime autoritário, por um gesto de coragem desse funcionário ou por distração. Esse é um fato que entra para um certo folclore daqueles momentos tristes.

O fato é que na Embaixada do Chile, contrariando a praxe de se negar o passaporte a todos, Serra obteve o seu passaporte e pôde, com isso, ganhar aquela segurança mínima que um passaporte dá a um cidadão que, em algum momento, se identifica como sendo de alguma pátria, porque a ditadura queria negar o sentido de pátria àqueles que banira, por discordância política, do território nacional. Portanto, em nenhum momento o Brasil acreditou na idéia de que Vlado se suicidou, em nenhum nenhuma balela dessas colou no coração nem no cérebro de nenhum brasileiro. Nós todos sempre acreditamos que houve um assassinato.

Não se trata aqui de estarmos discutindo revanche. Não proponho revanche, não sou de revanche; entendo que a anistia é mútua. Ela foi ampla, geral e irrestrita, e ela é mútua. Mas história é pra ser contada, história é para ser recontada, história é para ser analisada, história é para ser criticada, e por isso não podemos deixar de fazer história neste País, até porque Vladimir Herzog(*) fez história, e a história que ele fez deve ser contada e deve ser homenageada.

Repito, quando encerro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, para mim, ele, com sua saga, com sua ventura, com seu sofrimento, com seu martírio, se tornou, de fato, um herói dos brasileiros, e eu o reverencio mais uma vez neste momento. Entendo que o Senado procede muito bem, obra muito oportunamente ao promover esta sessão solene homenageando aquele que foi um grande jornalista, que teve a sua vida ceifada de maneira absurdamente cruel, como se eu pudesse imaginar alguma forma de alguém ceifar a vida de alguém sem ser cruel, mas foi absurdamente cruel o que se passou com ele. De tudo sobrou que ele é um herói da nossa nacionalidade.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2005 - Página 37032