Discurso durante a 206ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2005 - Página 40707
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, AFONSO ARINOS, EX SENADOR, PIONEIRO, LEGISLAÇÃO, CONCESSÃO, CIDADANIA, NEGRO, PUNIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, IMPLEMENTAÇÃO, EVOLUÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, OMISSÃO, GARANTIA, DIREITOS, GRUPO ETNICO.
  • REGISTRO, LEGISLAÇÃO, INCLUSÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CRIME INAFIANÇAVEL.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMPLEMENTAÇÃO, DIREITOS, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, REGISTRO, MARCHA, APOIO, PROJETO.
  • LEITURA, TEXTO, OBRA ARTISTICA, CANTOR, HOMENAGEM, NEGRO, RESISTENCIA, QUILOMBOS, CUMPRIMENTO, JOSE SARNEY, MARCO MACIEL, SENADOR, ENCAMINHAMENTO, PEDIDO, REALIZAÇÃO, SESSÃO ESPECIAL, CENTENARIO, NASCIMENTO, AFONSO ARINOS, EX SENADOR.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Garibaldi Alves Filho, que preside esta sessão, Exmº Sr. Embaixador Afonso Arinos Filho, é com alegria que, no dia de hoje, estamos aqui na tribuna.

A história de Afonso Arinos, queiram ou não alguns, se confunde com a própria história do povo negro, e, por isso, não temos como falar dele sem falar da caminhada deste povo, que está aqui representado e que veio para a Marcha Zumbi Mais 10, exigindo a aprovação de políticas públicas - que era a grande aspiração de Afonso Arinos -, e que ficou aqui para assistir a este debate e ouvir de todos nós como ficará a redação final do Estatuto da Igualdade Racial. Eu diria que, na obra primeira, o Estatuto é obra de Afonso Arinos.

Dito muito bem aqui pelo Presidente Renan Calheiros, a primeira lei contra o racismo no mundo é da lavra, é da autoria de Afonso Arinos. Por isso, no meu pronunciamento, vou fazer o encontro da caminhada do nosso povo com a vida do grande Afonso Arinos.

Sr. Presidente, por volta de 1510 e 1540, se inicia, infelizmente, no Brasil o tráfico negreiro. Entre os séculos XVI e XIX, milhões de negros e negras foram seqüestrados, raptados do continente africano e transportados como animais para as Américas. Pessoas retiradas das suas casas, de suas famílias, de seus filhos, de suas tribos, vendidas e transportadas de maneira desumana.

Muitas lutas se travaram.

Ao chegar à América, as condições que enfrentavam nos navios negreiros não mudaram. Escravizados, não eram tratados como iguais. Sofriam todo tipo de humilhações e castigos físicos, situação que levou muitos a fugir. Foram perseguidos, resistiram, foram mortos, mas não se entregaram. A palavra era liberdade, liberdade, liberdade. Essas fugas deram origem aos quilombos, sendo o mais famoso de todos, o mais importante, o Quilombo dos Palmares, onde se estabeleceu a grande trincheira de resistência pela liberdade, sob a liderança do grande líder Zumbi dos Palmares.

Sr. Presidente, foi uma luta que permaneceu por séculos e séculos, ano após ano, dia após dia.

Em 13 de maio de 1888, houve a assinatura da Lei Áurea, que, para a época, foi considerada um avanço, fruto da luta e da resistência dos negros e também de brancos que se dedicaram à luta pela abolição. Mas a famosa Lei Áurea só tinha dois artigos: “Art. 1º - É declarada extinta, a partir desta data, a escravidão no Brasil; Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.” Ou seja, os negros estavam libertos. Mas, e a cidadania, onde ficou?

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a palavra liberdade é mágica e contagiante, é o troféu e a ferramenta mais importante daqueles homens e mulheres que lutam por uma sociedade igualitária e justa. Por essa razão, queiram ou não alguns historiadores, no dia 13 de maio, negros e brancos dançaram, cantaram e comemoraram a conquista. Conquista que, na verdade, não veio. Com o passar dos dias, meses e anos, se percebeu que a famosa liberdade de fato, com os direitos civis, não aconteceu.

E é aí, Sr. Presidente, que eu falo de Afonso Arinos. Somente 63 anos e 2 meses depois, em 3 de julho de 1951, surgiu uma lei para afirmar a liberdade e que, efetivamente, trouxe os direitos civis à comunidade negra, uma lei que pune todo ato racista e preconceituoso contra os afro-brasileiros, a Lei nº 1.390, de 1951. Essa lei teve a lavra, teve a ousadia daquele que hoje homenageamos: Afonso Arinos de Melo Franco. A nova lei contava não apenas com um artigo, mas com nove artigos, e foi promulgada, no Rio de Janeiro, pelo Presidente Getúlio Vargas, à época em que lembrávamos 130 anos de Independência e 63 anos de República. Vejam a coincidência: 63 anos! Aí é bom lembrar que, apesar das divergências entre Arinos e Vargas, convergiram sobre o tema. A Lei é de Afonso Arinos, assinada pelo Presidente Vargas.

Senhoras e senhores, nasci em 1950. Quando eu comentava com meu pai, um negro forte, altivo, que faleceu em um acidente, algum ato racista, ele me dizia: “Vá em frente, existe uma lei, existe a Lei Afonso Arinos!”.

Repito: gostem ou não alguns, Afonso Arinos é uma grande referência para todos nós e me ajudou muito na minha infância. Sabemos que a luta desse homem e daqueles que estavam ao seu lado não foi fácil; por isso demorou 63 anos a batalha travada para que a Lei Afonso Arinos virasse realidade.

Com a lei, passou a ser crime de racismo a recusa por parte dos estabelecimentos de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor. As punições previam multas, prisões, perda de cargo e fechamento do estabelecimento.

Senhores e senhoras, eu tomo a liberdade de dizer: Afonso Arinos merece nossos aplausos, merece que toquem os clarins. Palmas a Afonso Arinos! (Palmas.)

Palmas, senhores e senhoras! (Palmas.)

Palmas não para este orador, palmas para Afonso Arinos.

Ressaltamos a coragem desse homem ao enfrentar os preconceitos da época, muito fortes, infelizmente, ainda hoje, e lutar para aprovar a primeira lei no mundo contra o preconceito e o racismo. Sr. Presidente, cada lei tem a sua época, o seu tempo. Vejam que comecei falando da Lei Áurea, e sei a posição do movimento sobre a Lei Áurea, passei por Afonso Arinos, e quero lembrar aqui, Senador Saturnino, a Lei Caó*, fruto da Constituição de 88, que avançou no seu tempo aos princípios de Afonso Arinos, que aprendi aqui como Constituinte. Eu, um jovem aqui chegando, olhava-o com admiração. Dei-lhe um abraço numa oportunidade e lembro que isso tem muito a ver com minha história.

Em 20 de dezembro de 1985, o Presidente Sarney sanciona a lei de autoria do ex-Deputado Caó. Caó avança a partir da Constituição de 88. Ela avança, dentro do seu tempo, aos princípios deixados pela Lei Afonso Arinos ao incluir a prática de atos resultantes de preconceito e racismo como crime inafiançável. Lei que contém doze artigos e que foi sancionada em nosso País quando lembramos 164 anos de independência e 97 anos da República.

Essas leis são conquistas resultantes de lutas travadas pelo povo negro e brancos comprometidos com essa causa. E, assim como Zumbi, Manoel Congo, Mariana Crioula, muitos outros inspiraram a nossa caminhada. Lembro aqui e repito: a caminhada de Arinos, de Abdias do Nascimento, de Benedita da Silva, de Caó e de tantos outros que caminharam conosco.

É pela trajetória de homens e mulheres assim que os afro-brasileiros podem hoje apontar avanços na busca de mais vitórias, como avanço foi aquele momento da História. É importante lembrar 20 de novembro, data que marca a morte do grande Zumbi, como o Dia Nacional da Consciência Negra.

Por essa razão, tivemos duas grandes marchas, a do dia 16 e a do dia 22, as Marchas Zumbi + 10, pedindo que o Estatuto da Igualdade Racial - que está em debate agora na Câmara - contemple as aspirações do povo negro.

Como dizíamos anteriormente, a Lei Áurea libertou, em tese, os escravos, mas não deu a eles cidadania. Não deu a milhares de homens e de mulheres o direito de serem como os demais. Se hoje estamos nos mais diversos postos, mesmo que ainda de forma muito lenta, temos que admitir que avançamos. Isso se deve à luta diária de cada homem, de cada mulher de bem deste País, independente da raça, da cor ou da etnia.

Acreditamos que a verdadeira cidadania dos afro-brasileiros virá com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Senhores, 48% dos brasileiros são negros! Enfim, quem sabe, eles possam dizer: o sonho de Afonso Arinos se torna realidade.

A verdadeira carta de alforria da nação negra virá com a aprovação do Estatuto nos moldes que pede o movimento negro. É hora de tomarmos consciência de que somos todos iguais. É hora de construirmos uma sociedade igualitária e justa. Este País nunca será um País de Primeiro Mundo enquanto não afastarmos do território nacional a chaga do preconceito racial.

A luta não é apenas de um ou apenas de outro. Deve ser de todos. Por isso, eu tomo a liberdade, não de cantar, mas de ler para vocês o Canto das Três Raças imortalizado na voz de Clara Nunes.

Ninguém ouviu

Um soluçar de dor

No canto do Brasil

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou

Negro entoou

Um canto de revolta pelos ares

No Quilombo dos Palmares

Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes

Pela quebra das correntes

Nada adiantou

E de guerra em paz

De paz em guerra

Todo o povo dessa terra

Quando pode cantar

Canta de dor

E ecoa noite e dia

É ensurdecedor

Ai, mas que agonia

O canto do nosso trabalhador

Esse canto que devia

Ser um canto de alegria

Soa apenas

Como um soluçar de dor.

A luta é de todos.

            A igualdade que almejamos é aquela em que todos os indivíduos, negros, brancos, índios, amarelos, possam ter os mesmos direitos, direitos fundamentais que definem a dignidade de cada um de nós. Todos possuímos a mesma capacidade.

Como Martin Luther King, sonho com um País onde a capacidade de um homem ou de uma mulher não seja medida pela cor da pele.

Termino dizendo, Sr. Presidente, que nos inspira muito a luta de todos aqueles que citei, principalmente de Afonso Arinos. Queremos avançar juntamente com o nosso tempo; por isso, pedimos a aprovação imediata, com as mudanças solicitadas pelo movimento negro, assim como a sanção, do Estatuto da Igualdade Racial.

Sr. Presidente, o Estatuto da Igualdade Racial é inspirado nas contribuições de toda a história do povo negro e brancos comprometidos com esta causa, mas principalmente, Sr. Presidente, na primeira lei que assegurou direito à cidadania: a lei do inesquecível homenageado do dia de hoje, Afonso Arinos.

Meus cumprimentos, Sr. Presidente, ao Senador José Sarney, que encaminhou o pedido para a realização desta sessão, ao ex-Vice-Presidente da República, Senador Marco Maciel, e a todos aqueles que tiveram essa iniciativa, a todos aqueles que estão aqui ou que estão em seus lares ouvindo este debate nesta manhã.

Termino dizendo: vida longa à memória de Afonso Arinos e à de tantos homens e mulheres que ao longo de suas vidas lutaram, tombaram, morreram pela liberdade, pela justiça e pela igualdade!

Viva Afonso Arinos! Viva Zumbi dos Palmares!

Axé para todos! (Muito bem! Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2005 - Página 40707