Discurso durante a 210ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Agradecimentos ao manifesto do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, solidarizando-se com o esforço de S.Exa. pela preservação da Fundação Republicana José Sarney no Convento das Mercês, em São Luís do Maranhão.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Agradecimentos ao manifesto do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, solidarizando-se com o esforço de S.Exa. pela preservação da Fundação Republicana José Sarney no Convento das Mercês, em São Luís do Maranhão.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Garibaldi Alves Filho, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa, Ney Suassuna, Paulo Paim, Ramez Tebet, Tião Viana, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2005 - Página 41465
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, MANIFESTAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLIDARIEDADE, EMPENHO, ORADOR, DEFESA, PRESERVAÇÃO, MUSEU, OBJETO, AÇÃO DE DESPEJO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, MUSEU, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SIMILARIDADE, PAIS, PRIMEIRO MUNDO.
  • COMENTARIO, EMPENHO, ORADOR, CRIAÇÃO, MUSEU, DOAÇÃO, OBRA LITERARIA, PROPRIEDADE PARTICULAR, COMPOSIÇÃO, ACERVO HISTORICO, REGISTRO, CONTRIBUIÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, BRASIL, IMPORTANCIA, ATIVIDADE ASSISTENCIAL, ENTIDADE, FUNCIONAMENTO, ESCOLA PUBLICA, MUSICA, CRIANÇA CARENTE.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Para uma comunicação inadiável. Com revisão do orador.) - Querida Presidente, que nos honra na direção dos nossos trabalhos nesta sessão, Srªs e Srs. Senadores, a gratidão é, sem dúvida, a memória dos nossos corações. Por isso, venho a esta tribuna para cumprir um dever de gratidão: trazer o meu agradecimento, um agradecimento muito sincero e grande, ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso pela generosidade que teve comigo em relação ao ato do Governador do Maranhão, que determinou, por lei, o despejo da Fundação da Memória Republicana José Sarney do Convento das Mercês.

Seu comportamento, para mim - e creio que para todo o País -, é, sem dúvida, mais do que uma demonstração de magnanimidade. É uma prova de sua correção de homem público, de sua visão intelectual e também um exemplo daquilo que deve existir na política, ao colocar acima das divergências políticas um interesse nacional: uma relação de cordialidade, de civilidade e de educação entre os políticos.

A visão da educação não pode ser expulsa da política nem da Justiça. O exemplo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, neste momento, é bem didático para o País. No instante em que, em vários setores, vivemos quase uma guerra entre os políticos, ele dá um exemplo de civilidade política. Mais do que uma atitude - repito - muito digna, ele restaura um comportamento que vimos no Brasil ao longo da história republicana e dos seus maiores estadistas: agindo sempre, num terreno comum, segundo aquilo que deve ser o interesse nacional e público.

Se a Casa me permite, lerei a manifestação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que muito me sensibilizou. Ele diz:

“Um País e uma Nação se formam com muitos elementos. Um deles é a memória, é saber o que aconteceu. Nesse sentido, as bibliotecas presidenciais são fundamentais e eu ‘acho’ que o que aconteceu no caso do Brasil, feito pelo Presidente Sarney, foi muito importante. Talvez foi ele o primeiro Presidente que tenha juntado seu material e tenha preservado a memória do seu Governo. Memória não é para fazer auto-elogio. Memória é para que os outros, depois, possam estudar, possam ver o que aconteceu, para que realmente se recupere uma dimensão que é importante na formação do País e que permite uma visão mais adequada, até mesmo numa expectativa de futuro.”

“Não foram muitos os Presidentes que guardaram documentos, e menos ainda os que fizeram disso alguma coisa acessível demais. Aí, no Convento das Mercês, foi o que aconteceu. Eu acho muito importante, porque eu visitei, eu conheço a biblioteca do Presidente Sarney. Agora estou tentando organizar uma biblioteca presidencial aqui em São Paulo.”

“Outros Presidentes deixaram seus documentos aos cuidados de outras instituições. Eu acho que é muito importante que haja essa preservação. Eu visitei algumas bibliotecas presidenciais e mandei uma assessora minha visitar muitas bibliotecas no mundo afora. É algo que é difícil de fazer e quando é feito deve ser aplaudido, deve ser mantido e deve ser preservado.”

“Gostaria de dar minha palavra não apenas de solidariedade ao Presidente Sarney, mas, mais do que isso, da importância para o Brasil da memória dos Presidentes, e nesse caso, especificamente, da biblioteca e da fundação que o Presidente Sarney organizou e que hoje é patrimônio nacional e deve ser preservada.”

Sr. Presidente, constando dos Anais essas palavras, elas são, como disse, palavras merecedoras da minha gratidão, mas, sobretudo, representativas de um homem público que tem a verdadeira noção do que é o nosso País.

            O Memorial José Sarney -- nos Estados Unidos estas instituições recebem o nome de “bibliotecas presidenciais” -- é, hoje, uma expressão maior do que se pode haver em matéria de arquivo e de museu no Brasil, é uma instituição visitada anualmente por mais de 100 mil pessoas, e que funciona admiravelmente, em congressos, em conferências, em eventos. Doei a ele todo o meu patrimônio artístico, tudo o que acumulei ao longo da vida, obras de arte, minha biblioteca de mais de 40 mil volumes, manuscritos, duas mil primeiras edições e, como disse aqui, alguns documentos que não têm preço, que são extremamente valiosos, para que ficassem à disposição do povo brasileiro no Maranhão.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Sr. Presidente José Sarney, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Concedo um aparte, com muito prazer, a V. Exª!

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Quero apenas dizer a V. Exª algo que não poderia deixar de registrar, porque visitei também a Fundação. Eu estava em companhia de V. Exª quando fui à capital do Estado do Maranhão. Fiquei deslumbrado! Aquilo não é obra que pertença a um homem, como V. Exª está falando e como o ex-Presidente Fernando Henrique falou, nem ao seu Estado, pertence, sim, ao Brasil. São milhares de livros que lá estão, são manuscritos de V. Exª como Presidente da República, são atos praticados por V. Exª no exercício do maior poder do Brasil, que é o de ter sido Presidente de todos os brasileiros.E tudo isso está na capital de um Estado ao qual V. Exª tem dedicado sua vida pública. Portanto, particularmente não posso compreender qualquer gesto que não seja o gesto de reconhecimento e de gratidão manifestado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso na entrevista que V. Exª acaba de ler. Mas vi mais, e ninguém se referiu a isso. Sabe o que me emocionou naquela visita? Não foi só o que pertenceu à sua vida pública, mas o que ainda estava sendo realizado lá, porque vi crianças que foram tiradas das ruas aprendendo instrumentos musicais. Tenho visto, se V. Exª me permite chamar assim, muitas bandas do interior, mas vi crianças executando músicas populares, músicas clássicas, Presidente Sarney. E tudo isso dentro daquele museu que V. Exª defende e todos nós defendemos e somos reconhecidos, porque V. Exª está dizendo que a sua vida pública não lhe pertence. Aliás, vida de homem público nenhum lhe pertence, quanto mais o Presidente da República ser dono do seu destino. Ele não é. O destino de um homem público pertence ao povo. Portanto, aquilo que lhe pertenceu como homem público pertence mais do que ao Estado do Maranhão, pertence ao Brasil.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, meu querido amigo Senador Ramez Tebet, pelas suas generosas palavras e a recordação que V. Exª tem da visita que tanto nos honrou na Fundação da Memória Republicana, no Memorial José Sarney, no Maranhão. E a lembrança que V. Exª faz daquela obra que não é minha, mas dos voluntários que trabalham conosco em torno do Convento, a retirada de meninos de rua. Mais de sete mil já passaram pela nossa Banda de Música do Convento das Mercês. De seis em seis meses, devolvemos à sociedade aqueles meninos que, por meio da música, são salvos e que poderiam ter tido outro destino, e que ali aprenderam a tocar um instrumento e ter uma motivação de alegria. Agora, mesmo, época de nossa matrícula anual, temos 550 meninos na nossa escolinha da banda de música, que foi considerada, num concurso feito em Niterói, a melhor banda de música de meninos do Brasil, e, mais ainda, foi a escolhida para tocar na festa da Rainha Sofia, em São Paulo, quando lá compareceu. É também uma obra social agregada ao Convento.

Porém, os documentos que existem lá, Senador Ramez Tebet, como disse, não são somente os meus. Comprei ao longo da minha vida manuscritos, como as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, O Francesismo, de Eça de Queiroz, recebi de doação de Jorge Amado os de Tieta do Agreste, de Josué Montello, os de Cais da Sagração. Estão lá, também, os primeiros volumes de Fernando Pessoa que fez à sua tia Anica, uma sentença de Tomás Antônio Gonzaga; estão lá 80 cartas de Camilo Castelo Branco, mais de duzentos autógrafos de personalidades, não só do Brasil como também internacionais. Tudo isso hoje patrimônio do povo brasileiro. Não sei como é que a política pode dar ainda para nós neste momento, um exemplo que peço até que seja esquecido, que seja no Maranhão, que isso tenha acontecido no Maranhão, porque não devia acontecer em lugar nenhum do Brasil, em lugar nenhum do mundo uma coisa dessa natureza, tão subalterna, tão mesquinha, tão primária que certamente choca todos nós.

Mas não vim aqui para falar do Convento das Mercês, eu vim para expressar a minha gratidão.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Sarney...

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Com a palavra V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Sarney, São Luís é conhecida como a Atenas brasileira, orgulho do maranhense. O que o poeta disse:

“Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida,

É luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é um combate,

Que os fracos abate,

Que os fortes, os bravos,

Só pode exaltar.

(...)”

É V. Exª esse forte e bravo. Quis Deus eu estar aqui com uma autobiografia de Benjamin Franklin. É a história que nos ensina. Ele, estadista, cientista, foi um dos cinco que assinou o tratado de independência norte-americana. Mas vamos mais: V. Exª falou de outro estadista que é Fernando Henrique Cardoso. A inveja e a mágoa corrompem os corações. O País hoje não sabe se entrega medalha de ouro à cultura a Fernando Henrique Cardoso ou a V. Exª. Ouro e prata estão com V. Exªs, e todo mundo reconhece. Estou lendo o livro de Bill Clinton, Minha Vida, onde, por quatro vezes, ele cita o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso é tão importante que eu vi, em uma pesquisa sobre quem deveria ser presidente do mundo, Mandela, Bill Clinton. Chegaremos... Recentemente, ele dá o maior ensinamento do mundo. Ele fez a Biblioteca Bill Clinton. Estavam lá presentes Bush pai e Bush filho, de quem ele era adversário, e Jimmy Carter, mostrando que a cultura não tem limites. Então, V. Exª simboliza isso. V. Exª disse, e eu aprendi de minha mãe, que a gratidão é a mãe de todas as virtudes. O povo brasileiro agradece essas manifestações e a obra de cultura que V. Exª e o Presidente Fernando Henrique Cardoso deram a este País.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª enriquece essas minhas palavras com as suas. E elas têm sempre a suspeição de uma longa amizade que nos une. Muito obrigado.

Senador Mozarildo, o primeiro que me pediu...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Sarney, V. Exª faz um agradecimento, como disse, às palavras merecidas, expedidas pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito desse episódio. Penso que todo Presidente da República deveria, desde que assumisse, tomar o cuidado de registrar todas as suas passagens por aquele período, porque serve, como bem disse V. Exª, não à propaganda de V. Exª, mas à História do Brasil. E V. Exª, na condição de Presidente - dou um testemunho pessoal, porque era constituinte à época -, teve dificuldades para manter a democracia, para fazer a transição e implantar um regime de direito neste País. Nós, lá de Roraima - e falo como representante do meu Estado -, temos uma gratidão muito grande por V. Exª. por ter sancionado duas leis que eram apenas autorizativas. Uma criava a Escola Técnica Federal e a outra, a Universidade, ambas de minha autoria. V. Exª., como Presidente, poderia não tê-las sancionado. Era apenas uma autorização. No entanto, sancionou-as e implantou-as. Ainda fez mais: por sua iniciativa, criou uma área de livre comércio que, infelizmente, até hoje não foi implantada. Espero que, inclusive com sua ação, possamos implantá-la. Quero dar minha solidariedade a V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.

Quero, uma vez mais, reconhecer que foi a luta de V. Exª que fez funcionar a Universidade do Estado de Roraima.

Ouço o Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, quero mais uma vez, de público, dizer que tive muito orgulho de ser seu Vice-Presidente na condução dos trabalhos desta Casa. Sinceramente, até hoje não consegui entender esta situação. Procurado por alguns Senadores, de pronto assinei para dar a minha solidariedade, o meu apoio à sua caminhada, que está refletida nessa biblioteca. É um espaço de cultura, de saber, de conhecimento. Como é que alguém pode ter um gesto tão pequeno de querer fechá-la? Daqui a pouco, vão mandar queimar seus livros. Isso muito me assusta e me preocupa. Por isso, Senador José Sarney, é com enorme satisfação que registro minha total solidariedade. Sei que vamos reverter este quadro. Quem teve essa iniciativa há de se desculpar no futuro, porque foi um gesto totalmente equivocado e que não está à altura dos homens públicos. Por isso, meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim, V. Exª sempre foi, nesta Casa, um companheiro extraordinário, um homem que teve sempre comigo uma convivência muito estreita e que passei a admirar e a cada dia admiro mais.

Ouço o Senador Ney Suassuna.

            O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Presidente Sarney, quando tomei conhecimento do que aconteceu no Maranhão, fiquei tão estupefato que a primeira ação foi exatamente fazer uma relação de Senadores solidários a V. Exª, carta essa que tive a honra de passar as suas mãos. E me perguntava o que poderia levar um governante a tomar uma atitude tão ignóbil, tão dura, tão rasteira. Cheguei a pensar no assunto e percebi que, de quando em quando, em alguns Estados o que impera é a política do ódio, e a política do ódio cega e anula as vocações do Estado. No meu Estado, vai não vai, isso explode e cria um problema aqui em Brasília: perdemos todos os cargos federais importantes. Se um governante vai dar a um Estado um cargo, escolherá alguém que faça parte de uma bancada unida ou que esteja dividida? Claro que só vai dar para aquela bancada que estiver unida; do contrário, se nomear um, vai deixar mal o outro. Mas essa política do ódio tem essa tendência de dividir. O que está acontecendo no Maranhão hoje, com toda a certeza, é que o ódio está cegando o grande beneficio que V. Exª fez àquele Estado, ao Nordeste e ao Brasil. Nós, da Paraíba, temos muito orgulho de V. Exª, como nordestino, ter sido presidente e como o foi: da paz, buscando progresso, buscando melhorar o País, tirando-nos de uma situação inflamada para uma situação de paz. Só lamento. Tenho certeza de que a grande maioria do povo do Maranhão ficou muito consternada com isso, porque nós, que somos apenas nordestinos e brasileiros, ficamos. Minha solidariedade e a da Bancada, que a expressou por escrito a V. Exª.

            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna, pelas suas generosas palavras. V. Exª falou sobre o ódio. Eu não posso falar sobre o ódio, porque é um sentimento que não conheço. Não sei o que é o ódio. Eu até escrevi, certa vez, um artigo que dizia assim: eu nasci com absoluta incapacidade de ter ódio. De maneira que não sei o que é o ódio. Também já tive oportunidade de dizer aqui uma frase de Lincoln que sempre muito me sensibilizou, porque me sentia meio identificado: “nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém”. Eu também sou assim. Como não tenho essa capacidade e não conheço o que é o ódio, não posso entender como essas coisas acontecem. Muito obrigado a V. Exª.

            Concedo um aparte ao Senador Tião Viana.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Presidente José Sarney, estava ouvindo atentamente V. Exª expressar um diálogo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso - sem dúvida alguma, dois grandes nomes da história republicana. É muito importante o testemunho do Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o significado do seu trabalho, da sua memória como homem da República, com ex-presidente do Brasil e seu apreço às artes e à cultura brasileira. Também sofri, como alguns colegas aqui, porque não entendi o que estava ocorrendo ali. Como se pode, de repente, transformar uma luta política num seqüestro de uma parte da cultura, que não é só do Maranhão hoje, mas é uma parte da memória republicana que V. Exª veicula? Muitos aí dizem que, às vezes, é negativo quando uma pessoa tem mais de uma face. Mas V. Exª tem muitas faces virtuosas: é um grande político deste País, que nos ensina sempre; é um grande gestor, foi Presidente da República deste País e governador tantas vezes; é um homem que nos conta histórias extraordinárias no cotidiano do Parlamento sobre a vida republicana; está apegado e nos ensina tanto sobre as artes; é um cronista, que nos faz sempre ler seu raciocínio, seu desenvolvimento intelectual num jornal semanal. É alguém que traz tanta coisa boa nesse lado cultural e, de repente, se viu um ataque ao todo, quando poderiam ter particularizado uma divergência política e não confundido. Então, isso nos deixou apreensivos, sim, e fez com que todos erguêssemos um sentimento de solidariedade a V. Exª, porque isso não é justo. V. Exª caminhou com Glauber Rocha, levando-o até o Maranhão para registrar uma parte da história maranhense. V. Exª trouxe tantos anos de aprendizado e expressão de pensamento literário pela convivência que teve com Jorge Amado. Deixa Norte das Águas para nós, que li e até hoje caminho nele nas minhas lembranças, e deixa tantas obras marcadas. V. Exª é merecedor do respeito, numa trajetória belíssima, do ponto de vista cultural. Lamentei profundamente esse episódio. Fico muito feliz que o Presidente Fernando Henrique tenha expressado uma justa solidariedade a V. Exª e à memória da vida republicana do nosso século.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado Senador Tião Viana. Suas palavras são comovedoras para mim.

Ouço com grande satisfação o Senador Cristovam Buarque e peço a Srª Presidente, que seja tolerante, porque nossos colegas estão me dando a grande felicidade de participarem deste meu pequeno pronunciamento nesta Casa.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo. PMDB - GO) - V. Exª, Senador José Sarney, tem todo o tempo. Eu gostaria, estando na Presidência, de tecer ao final algumas considerações a respeito.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador, não posso deixar de manifestar aqui minha solidariedade à sua luta para ter uma biblioteca com todos os seus papéis. Considero isso tão natural que deveria ser obrigatório; deveria haver uma lei obrigando todo ex-presidente a não apenas levar para lá os seus papéis como doar até mais do que isso e lutar durante os anos que lhe restam para fazer disso uma realidade. É uma pena que, no Brasil, não tenhamos esse respeito pelas figuras que foram presidentes da República. Nos Estados Unidos e no México, o ex-presidente é uma espécie de velho estadista, a quem os políticos recorrem quando têm necessidade de ouvir alguma coisa acima dos partidos, acima das disputas internas, alguém que flutua por cima da política. Em alguns países até, são senadores vitalícios. Eu, pessoalmente, acho que é rebaixar um ex-presidente transformá-lo em senador vitalício. Ex-presidente é um cargo mais alto do que o de presidente, porque presidente ainda pode fazer muita besteira antes de terminar o seu governo, e o ex-presidente já fez tudo o que tinha de fazer para ficar na história. Então, a minha solidariedade. Creio que deveríamos procurar tirar uma lição disso, para que, no Brasil, ex-presidente de fato assuma esse papel acima de tudo, como uma nuvem que paira sobre o mundo político.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. V. Exª disse algo muito importante para mim, que ser ex-Presidente é mais importante do que Presidente, até mesmo porque o Presidente pode renunciar, mas ex-Presidente não pode renunciar; não há como renunciar a ser ex-Presidente da República.

Ouço o Senador Garibaldi Alves Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Presidente Sarney, também manifesto a minha solidariedade diante do que disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito de tudo o que foi construído por V. Exª no campo cultural. Trata-se de um verdadeiro atentado à cultura não apenas do Maranhão, mas do nosso País, o que leva a uma preocupação, porque, se a moda pega, vamos ter a repetição de casos como esse, que chegam a nos envergonhar, diante do que vemos com relação a outros países e a como são tratados os ex-presidentes. Então, diante de tudo isso, V. Exª pode ficar com a consciência absolutamente tranqüila, certo de que está procedendo acima de uma política mesquinha que tenta denegrir até mesmo a altitude, a dimensão cultural do Estado do Maranhão.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Garibaldi Alves Filho, pelo aparte de V. Exª, grande e velho amigo meu. Não tenho nenhuma queixa do povo brasileiro, nem do povo maranhense a respeito da minha pessoa. Só tenho recebido até hoje manifestações de apreço, de simpatia e de solidariedade. Apenas neste caso, tenho sido obrigado a falar algumas vezes, porque creio que não podemos admitir que a política chegue a este ponto no País. Há, nesta tarde, dois extremos: um representa o que foi esse gesto de mesquinharia; outro, o gesto de grandeza de um ex-Presidente da República que é meu adversário político, Fernando Henrique Cardoso, o qual visitou o memorial, até mesmo verificou o que era e, de certo modo, incentivou-se, nesse momento, a também construir o seu memorial.

Senador Cristovam Buarque, há uma lei no País que torna obrigatório que permaneçam sob a proteção do Estado os documentos presidenciais e estabelece uma série de medidas nesse sentido. Existe até um conselho responsável por isso. Esses arquivos presidenciais, a partir dessa lei que foi votada em 1991, mas que possui os moldes de como nos Estados Unidos se tratam esses documentos. O que não existe lá, o que não pode acontecer aqui, no Brasil, onde se faz isso agora, é que se faça aquilo que fizeram com a Biblioteca de Alexandria: tocaram fogo!

Pois bem.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - V. Exª me permite um aparte, Senador José Sarney?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Perdão, Senador Raupp.

 O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Obrigado, nobre Senador. Também gostaria de manifestar neste momento a nossa solidariedade. Assinei prontamente o manifesto colhendo a assinatura dos Srs. Senadores contra o ato impensado dessa autoridade em desmontar o memorial do ex-Presidente Sarney. V. Exª não é apenas um ex-Presidente comum; é um ex-Presidente que fez a transição democrática. Tenho certeza de que se não fosse V. Exª a transição talvez nem tivesse acontecido naquele momento. Foi V. Exª, juntamente com Tancredo Neves, que proporcionou à Nação brasileira viver aquele momento espetacular que foram as eleições diretas. E V. Exª, ao assumir a Presidência da República, fez uma transição serena e democrática, respeitando as instituições. E, de lá para cá, sua história não tem sido diferente. V. Exª possui um espírito de homem público diferente de muitas outras pessoas. Fica aqui, portanto, a nossa solidariedade. Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando Governador de Estado, antes de encerrar meu mandato, criei um memorial a um ex-Governador que era militar, o último da ditadura em meu Estado, o Governador Jorge Teixeira de Oliveira. Imagine, um democrata como V. Exª jamais deveria receber o tratamento que está recebendo dessas autoridades. O nosso muito obrigado.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado Senador Valdir Raupp pela sua intervenção, que muito honra o meu discurso.

Queria terminar dizendo que não vim à tribuna para tratar desse assunto e nem remoer essas mágoas, mas que acho que não devem ser guardados fatos dessa natureza, embora realmente não sejamos insensíveis e tenhamos o sentimento atingido por elas; mas vim para agradecer ao Presidente Fernando Henrique, não somente por esse gesto que teve para comigo como pelo exemplo que ele dá ao Brasil, neste momento, de como os homens públicos estadistas devem se comportar no terreno da civilidade e da educação política, que foi sempre a inspiração dos nossos grandes estadistas republicanos. Muito obrigado.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo. PMDB - GO) - Senador José Sarney, nosso Presidente, mesmo estando na Presidência, e por isso mesmo, este é um bom momento, uma feliz coincidência, eu me associo a todo o Plenário na manifestação de consideração e de solidariedade a V. Exª, que, como Presidente da República, foi um democrata e sempre respeitou, teve apreço e consideração para com os adversários. Nada mais oportuno que todos nós façamos esta manifestação aqui. Eu me sinto feliz em poder me juntar a essas vozes, não apenas como companheira de partido, mas principalmente pela admiração que sempre tive por V. Exª. Nosso trabalho, em determinados momentos, processou-se conjuntamente. Um povo sem memória é um povo que não merece consideração. E essa atitude, partindo principalmente de seu Estado, merece todo o nosso repúdio, Senador. Eu me associo, portanto, às manifestações, que considero extremamente justas.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. JOSÉ SARNEY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Iserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Fernando Henrique é solidário a Sarney em defesa do Convento.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2005 - Página 41465