Discurso durante a 214ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a cassação do ex-Deputado José Dirceu.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CAMARA DOS DEPUTADOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre a cassação do ex-Deputado José Dirceu.
Aparteantes
José Agripino.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/2005 - Página 42427
Assunto
Outros > CAMARA DOS DEPUTADOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CASSAÇÃO, MANDATO, JOSE DIRCEU, EX MINISTRO DE ESTADO, DEPUTADO FEDERAL, COMENTARIO, JUSTIÇA, DECISÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • CRITICA, IRREGULARIDADE, CAMPANHA ELEITORAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), COMENTARIO, INEFICACIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Transmitirei à Dª Maria seu recado fraterno e querido de sempre.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, impõe-se, Líder José Agripino, uma análise, e eu a faço com 24 horas de retardo porque estava acompanhando o Presidente Fernando Henrique Cardoso a Recife, ocasião em que o ex-Presidente recebeu o título de Cidadão Pernambucano, acumulando com o título de Cidadão Olindense.

Não pude comentar da tribuna o episódio da cassação do ex-Ministro, agora ex-Deputado José Dirceu. No entanto, impõe-se que a Liderança do PSDB fale. E ela procura falar sem o menor traço de rancor, de ressentimento, sem nada que signifique tentar pisotear o inimigo, o adversário que caiu. Não é esse o intento, não é esse o intuito, não é essa a determinação.

Algumas verdades têm de ser postas com muita clareza. Uma delas é que o Presidente Lula, ao final, desafivelou uma certa máscara e apoiou o Sr. José Dirceu, apoiou-o com fragilidade, com fraqueza, e foi derrotado, nitidamente. Fez um esforço, os seus líderes se movimentaram, mas o Planalto foi derrotado. Ao mesmo tempo, pelo que leio nos jornais, deixou insatisfeito o ex-ministro José Dirceu, que teria confidenciado a companheiros de Partido que se sentiu abandonado pelo Palácio do Planalto. Essa é uma constatação.

Chego a inverter os meus valores iniciais. Em 2003, eu achava que Lula era o Dom Quixote de La Mancha e que o seu Sancho Pança seria o José Dirceu. Estou começando a achar o contrário, que Lula é o Sancho Pança e que o Dom Quixote é o José Dirceu, até pelos despropósitos que tem veiculado pela imprensa. Por exemplo, a idéia que expôs outro dia da tribuna da Câmara dos Deputados de que continuaria governando o País como Deputado. Isso aqui nem sequer é um sistema parlamentarista para alguém governar o País como Deputado. Ele não estava entronizando bem a sua posição de ex-Ministro, pois ex-Ministro é ex-Ministro. Ele logo viu que não ia governar país algum, porque estava envolvido em um turbilhão de denúncias, com o seu poder esfarelado, esfacelado.

José Dirceu agora diz que terá posição muito ativa. Ele descobrirá que também não terá. Fará falta a ele o mandato. Fará falta a ele a solidariedade dos seus companheiros. Fará falta a ele até prestígio mesmo físico no seu Partido. Ele descobrirá aos poucos isso.

Abro um parêntesis, Senador Cristovam Buarque, para dizer de um sentimento pessoal. Fui Secretário-Geral do PSDB, hoje não sei o telefone do PSDB. Procuro esquecer mesmo. Fui Ministro de Estado e já não sei os telefones do Palácio do Planalto. Tenho de pedir para alguém, porque não quero saber mesmo. Não lembro o número de nenhum gabinete nos meus mandatos de Deputado e não sei o telefone da Prefeitura de Manaus. O dia em que deixar de ser Senador, fatalmente, por esse mecanismo de autodefesa, vou esquecer os telefones do Senado da República. Ou seja, a idéia de que as posições na vida pública são efêmeras, que elas passam, é essencial para que qualquer cidadão, qualquer ser humano mantenha o seu equilíbrio psicológico, o seu bem-estar intelectual, sua tranqüilidade pessoal.

Ficar imaginando que o mandato de Senador é vitalício é contradizer a Constituição, que diz que é de oito anos. O mandato pode ser renovado por mais oito, por mais oito ou por mais 32, mas depende do povo a cada oito anos. E o Ministro vai aprender duramente.

Parece-me que quem procura pisar mais no chão é o Presidente Lula, que não dá solidariedade a ninguém, que joga qualquer um n’água para se salvar, que demonstra, com clareza, que não tem apego a qualquer pessoa, porque, sobretudo, tem apego à sua posição de poder.

Mas muito bem, o Ministro José Dirceu passa, por meio da imprensa, a idéia de que é um perseguido político. E nós, ao contrário, o vimos como o homem público que mais direito de defesa teve neste País, usufruindo uma democracia para a qual pouco ajudou. A partir do seu retorno do exílio, simplesmente não se envolveu em política. Outros que aqui ficaram contribuíram mais, inclusive V. Exª, Senador Cristovam Buarque.

Não sei se o Ministro José Dirceu daria todo esse direito de defesa, se dono ou até proprietário, como ele se imaginava, do poder. Mas ele teve, exaustivamente, o direito de defesa. Isso colocou nossa democracia à prova e foi um ponto em favor dela. Foi um ponto, sim, em favor da democracia, que sabemos consolidada e que queremos ver cada vez mais arraigada e mais ampliada. Democracia é valor absoluto, sim, num país como o Brasil, e é valor absoluto em qualquer país. Sem democracia não dá para se pensar em qualquer coisa parecida com justiça social ou com prosperidade duradoura.

Entendo, portanto, que o ex-Deputado não é perseguido político coisa alguma. Foi cassado, porque a Câmara se convenceu de que ele tinha ciência e participação no esquema de mensalão. Uma pessoa centralizadora como ele, competente organizador de partido, que centralizava as ações no Ministério, não sabia de Visanet, não sabia do que hoje se reverte em escândalo contra esse Governo? É claro que sabia! Como sei que o Presidente da República também sabia, é evidente que sabia! Não quero depreciar o Presidente, seria depreciá-lo intelectualmente imaginar que fosse um alienado, incapaz de tomar conhecimento das verdades que estavam tão corriqueiramente ocorrendo no seu governo.

Agora eu devo reconhecer que o ex-Ministro Dirceu se portou com bravura. Isso é um fato. Não tenho como não registrar qualquer ponta de admiração pelo seu gesto pessoal de bravura. O ex-Ministro, ex-Deputado foi à última conseqüência, à última instância; manteve equilíbrio nas suas declarações e revelou mesmo espírito de luta. Aliás, nunca tive a idéia de que ele não fosse um lutador. O seu passado indica que é um lutador, às vezes com boas causas, nem sempre com as melhores causas, mas um lutador.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - V. Exª tem um aparte, Senador José Agripino.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Arthur Virgílio, exatamente sobre esse ponto que V. Exª aborda, não sei se V. Exª viu, deve ter visto, as últimas declarações do ex-Deputado, do ex-Ministro e do ex-Presidente do PT, José Dirceu. Ele diz que continua na política, que passará uns meses nos Estados Unidos - vai cair na real, evidentemente -, mas apóia e vai trabalhar na reeleição do Presidente Lula. V. Exª sabe, como eu sei, que ele, com os direitos políticos suspensos, não pode ser candidato a Deputado, a Senador, a Governador, mas pode exercer cargo público.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Pode?

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Pode, e acho que isso está na cabeça dele. Na hora em que anuncia que vai trabalhar pela reeleição de Lula, ele está de olho, de novo, em um Ministério. Ele está querendo voltar a ser Ministro de Lula, que o cobriu de mimos. O Presidente disse uma coisa curiosíssima: que o Congresso tinha cassado o José Dirceu sem provas. Veja que quem falou isso foi Lula. Lula o demitiu do Ministério, por quê? Por graça? Com prova ou sem prova, demitiu o José Dirceu, mas queria que o Congresso não o demitisse e, explicitamente, cometeu a incongruência de dizer que o Congresso tinha feito uma coisa injusta, mas que Sua Excelência tinha feito a mesma coisa e era muito justa. Eles estão combinados. Eu não tenho nenhuma dúvida de que o Presidente Lula e o José Dirceu estão combinadinhos. Na hora em que José Dirceu diz que vai fazer a campanha de Lula - e ele está cassado e pode exercer cargo público -, ele está sonhando em voltar a ser aquilo que basta ver o filme “Entreatos” para saber, o grande comandante do espírito petista, o grande comandante da campanha de Lula, o homem que modificava até script do programa de televisão. Quando Duda Mendonça sugeria a ele, José Dirceu dizia: “Muda isso”. O espírito dele é do herói, do Dom Quixote, do valente, do orientador, do balizador de ações. Ele está dizendo que não vai abrir mão dessa posição. Eu estou desconfiado, Senador Arthur Virgílio, de que o José Dirceu está em campanha para voltar a ser o primeiro-ministro numa hipotética reeleição de Lula. Digo hipotética, porque estou cada vez mais seguro de que essa hipótese não vai acontecer. Cumprimentos a V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Obrigado, Senador Agripino.

Aliás, eu ia hoje me informar, porque queria saber mesmo a extensão dessa punição. Eu ia perguntar à minha assessoria se, cassado, José Dirceu poderia ser eventualmente nomeado para o Ministério. V. Exª me diz que sim. Fica o Presidente Lula com a batata quente nas mãos. É simples, Presidente: ou Vossa Excelência está sendo inveraz, está falando para inglês ver, ou Vossa Excelência considera o Sr. José Dirceu alguém incompatível com qualquer cargo no seu Governo. Não teve cabimento demiti-lo, a não ser para ele provar inocência. Se ele provou, e V. Exª acha que ele é inocente, Presidente Lula, por que não o nomeia para o Ministério outra vez? Por que não o reentroniza na Casa Civil da Presidência da República? E, se não o quer lá, por que não o coloca como Ministro da Ciência e da Tecnologia, da Defesa ou de qualquer coisa, do ataque, do meio de campo? Invente um Ministério para ele. Inventou tantos. São 36 Ministérios, hoje, a maioria deles consumindo dinheiro inutilmente!

Eu não sei se o Ministro José Dirceu não vai cair do terceiro andar. Voltamos a Machado de Assis, naquela história de que é melhor cair das nuvens do que do terceiro andar, porque do terceiro andar dói mais.

Talvez ele perceba, daqui a pouquinho, que a sua presença não seja interessante para o Presidente Lula em uma eventual campanha para reeleição. O Presidente Lula vai dizer: “Avisa a ele que, depois da eleição, a gente conversa. Se eu me reeleger, a gente pensa em uma posição para ele, agora não”. Ou ele acha que o Ministro José Dirceu vai dar votos para ele? Se for assim, então não tem ninguém culpado. Ele já falou do nosso Delúbio. Então, se não tem ninguém culpado, ele poderia refazer toda aquela equipe. Por que a punição ao Delúbio? Ele disse que o José Dirceu não é culpado. José Dirceu disse que o Delúbio é inocente. Então, por que essa injustiça com essas duas pessoas tão boas, tão prendadas, tão corretas? Por que a injustiça? Por que a injustiça? O Presidente Lula está maltratando companheiros de graça. Por quê?

V. Exª não aceitou, homem honrado como é, Senador Cristovam Buarque, ser maltratado por essa gente do Governo e está fora do Governo e fora do Partido. Eu não aceitaria que o meu Partido me tratasse desse jeito. Se eu não tenho culpa de coisa alguma, o Partido vai me segregar? Se eles são tão inocentes, por que a segregação? Por que não enfrentam a opinião pública e dizem: “São inocentes e, agora, um está de volta à Tesouraria do Partido e outro, de volta ao Ministério.”

Então, fica essa coisa meio coluna do meio, essa coisa meio enrustida, tipo “sei que é culpado, mas não posso dizer, eu tenho medo dele”. Em outras palavras, estamos vivendo em certa república do rabo preso. Essa é que é a grande verdade. Acabei de pedir ao nosso Presidente Mão Santa que inserisse, nos Anais, pequeno discurso que tentei resumir, mostrando que o Sr. Duda Mendonça foi claramente retaliado pelo Governo quando aqui chegou, abriu a boca, contou que tinha uma conta no exterior e que essa conta tinha financiado um monte de campanha do PT, inclusive do Presidente Lula, em dólar, o que é expressamente proibido pela legislação brasileira. Falou, perdeu as contas da Petrobras. Calou. Há pouco, encaminhei matéria informando que ele recuperou a conta para a propaganda da Petrobras, um grande contrato. É um pouco isto: falou, perdeu; calou, levou.

No entanto, a meu ver, é também a teia complicada e perigosa em que se enredou este Governo. Ninguém pode punir ninguém porque estão todos, mais ou menos, uns nas mãos dos outros. É a república do rabo preso. O Macaco Simão brinca que é a república da língua presa. Não é, Macaco Simão, está enganado. É república do rabo preso. É diferente. A língua pode até ser presa, mas que o rabo é preso, é. Essa é a grande verdade. Ninguém pode demitir ninguém.

A meu ver, combinaram com o Delúbio a sua expulsão. Eu não tenho dúvida nenhuma disso. “Delúbio, nós temos de dar alguma satisfação. Pelo amor de Deus, aceite”. Se o Delúbio dissesse que não ia aceitar e que iria abrir a boca se fosse expulso, ele estaria até hoje lá. Eu não tenho dúvida do que estou dizendo. Isso não pode dar em coisa boa.

Sr. Presidente, o meu Partido está pronto para se alçar à responsabilidade mais elevada neste momento de crise que se desenha. É uma crise que poderá ter implicações econômicas, a partir da fragilização que temos visto - tipo fratura exposta - do Ministro da Fazenda. A crise econômica mais as questões de Ribeirão Preto fragilizam o Ministro da Fazenda. Idéias esdrúxulas ameaçam tomar conta do cenário econômico.

O Presidente Lula falou, ontem, coisas terríveis. Eu disse a várias pessoas - ao Governador Jarbas Vasconcelos, ao Sérgio Guerra, ao Marco Maciel e ao Presidente Fernando Henrique - que achava que todo mundo leu muito sobre o José Dirceu, mas ninguém tinha lido sobre o encontro da Argentina.

Nesse encontro, o Presidente Lula elogiou demais o tal cocaleiro da Bolívia; elogiou o Presidente Néstor Kirchner, que, a meu ver, perdeu a grande chance de recompor a Argentina, pois está cometendo equívocos na política econômica, insanáveis talvez. Demitir Lavaña foi um erro crucial cometido pelo Presidente argentino. A Argentina estava tão abaixo do último palmo de terra de um suposto enterro, estava se levantando, não sei se não é uma certa vertente populista que vai triunfar ali. Isso não vai dar certo. Não tem mais como se exigir sacrifícios de um país já tão sacrificado como a Argentina.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Arthur Virgílio, lembro a V. Exª que Cristo fez o Pai-Nosso em um minuto. Como opositor de Herodes e de Pilatos, Ele disse: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”. Um minuto a mais para V. Exª.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado.

Lula elogiou Hugo Chávez, dizendo que era a solução para a América do Sul. Disse uma porção de incongruências, como uma tolice histórica brutal: que Tevez era o grande traço de ligação entre o Brasil e a Argentina. Meu Deus do Céu! Pelo amor de Deus, Presidente! Já houve outros jogadores até mais populares. Eu sou flamenguista, e o Doval foi uma ligação maior, se é assim.

Vamos falar de arte, vamos falar de cultura, vamos falar de cinema, vamos falar das fronteiras, vamos falar das relações diplomáticas, vamos falar das divergências até, vamos ser profundos, Presidente! Não dá para ser tão superficial assim.

            Encerro, Sr. Presidente, dizendo que, a meu ver, Sua Excelência está, talvez na sua cabeça, desenhando alterações no encaminhamento da economia.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - E isso é grave. O Presidente errou a mão. Não errou na fórmula, a meu ver, errou na mão: poderia ter baixado mais juros e antes. Mas não fez isso.

Imaginar que tem que abrir mão de superávit, abrir mão do ajuste fiscal, abrir mão de controlar a inflação rigidamente, e que isso vai dar certo no Brasil, se essa fórmula heterodoxa não deu certo em nenhum lugar do mundo, é o caminho mais rápido para o desastre.

Então, se o Presidente quiser aceitar alguma opinião, porque conselho eu não daria a uma figura tão ilustre, eu diria: Presidente, não jogue o que possa restar da sua alma política nessa sua reeleição, porque o senhor pode desgraçar a sua biografia de vez e complicar por várias gerações este País.

Por enquanto, era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/2005 - Página 42427