Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização da Assembléia Continental dos Povos Indígenas, em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Celebração amanhã dos 250 anos da morte do índio Sepé Tiaraju, um mártir indígena.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Realização da Assembléia Continental dos Povos Indígenas, em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Celebração amanhã dos 250 anos da morte do índio Sepé Tiaraju, um mártir indígena.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/2006 - Página 3233
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, SÃO GABRIEL (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ENCONTRO, COMUNIDADE INDIGENA, AMERICA DO SUL, REGISTRO, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, DIA, HOMENAGEM, INDIO, VULTO HISTORICO, REGIÃO.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, venho à tribuna para falar de um assunto que não foi tocado no dia de hoje ainda. No último dia 4, sábado passado, iniciou-se em São Gabriel, lá no Rio Grande do Sul, a Assembléia Continental dos Povos Indígenas. No dia 7, amanhã, vamos celebrar os 250 anos da morte do índio Sepé Tiaraju.

            Esse assunto, Sr. Presidente, está tendo repercussão mundial. A agência internacional de notícia ÉFE anuncia da seguinte forma esse encontro tão importante para os povos indígenas: “Índios guaranis da América do Sul se reúnem no Brasil”. Cerca de 4 mil índios guaranis da Argentina, do Uruguai e do Paraguai estão reunidos, pela primeira vez, com seus pares no Brasil, por ocasião dos 250 anos da morte do índio Sepé Tiaraju. Sepé é considerado um mártir pelos povos indígenas da América, ao lado do inca Tupac Amaru.

            O encontro, conhecido como Assembléia Continental dos Povos Indígenas teve início, como eu dizia, no dia 4, Senador Mão Santa, na cidade de São Gabriel, lá no Rio Grande, e vai terminar amanhã, dia 7, data em que tombou Sepé, em 1756. Sepé tomba no enfrentamento que fez com o exército binacional formado pela Espanha e por Portugal.

            Esse assunto, Sr. Presidente, é tão importante para o Brasil que o Conselho Editorial do Senado reeditou este ano “O Tratado de Madri”, em dois volumes, e também a obra “Batalha de Caiboaté”, cuja apresentação tive a alegria de ser convidado para fazer. A Batalha de Caiboaté conta a história, a vida e a morte de Sepé e também o massacre de 1.500 índios.

            A TV Senado fez um belíssimo trabalho. Produziu o documentário Missões Jesuíticas: os guerreiros da fé.

            Sr. Presidente, além dos guaranis do Brasil, com delegações vindas do Pará, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo, Acre, Rondônia e Estados do Nordeste, estão presentes os caigangs, charruas, terenas, entre outros, além do Movimento Negro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, trabalhadores sem teto, estudantes. ONGs e sindicatos também se encontram lá.

            Estarão lá a Pastoral da Terra, Movimentos Tradicionalistas Gaúchos, Via Campesina, professores universitários, antropólogos, sociólogos, historiadores, artistas, músicos e uma delegação da Bolívia, enfim, uma representatividade enorme da sociedade latino-americana.

            Recentemente, o Senado, por requerimento nosso, aprovou o voto de louvor a Sepé Tiaraju, em reconhecimento à sua resistência para preservar a cultura e o território onde os índios guaranis viviam. Essa homenagem será à Comissão da Terra Guarani.

            A Assembléia dos Povos Indígenas, lá em São Gabriel, está discutindo também projeto de lei de nossa autoria que quer declarar o dia 7 de fevereiro, data da morte de Sepé, como Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, e também a sua inclusão no Livro dos Heróis da Pátria, ao lado de tantos homens que morreram defendendo este solo: Dom Pedro I, Tiradentes, Plácido de Castro, José Bonifácio, Almirante Barroso, Marquês de Tamandaré e Zumbi dos Palmares.

            Sr. Presidente, o legado de Sepé Tiaraju continua mais vivo do que nunca. Sepé Tiaraju representa mudanças sociais, representa a importantíssima luta, tão bem destacada aqui da tribuna por inúmeros Senadores e Senadoras, pelo meio ambiente, mas também de que é preciso que reflitamos sobre a vida dos índios.

            Os povos indígenas querem, sim, a demarcação de suas terras. Os negros, que também estão lá, Sr. Presidente, querem igualdade de oportunidades - aí lembro da terra dos quilombolas. Os trabalhadores sem-terra querem terra para trabalhar, para produzir pão. Os desempregados querem somente trabalhar. Os excluídos querem ter direito; querem ter direito, por exemplo, a não morar embaixo de uma ponte; querem um teto decente, uma cama para dormir. Os deficientes querem respeito, assim como os idosos.

            Sr. Presidente, para a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Maria, Ceres Brum, a história de Sepé Tiaraju ainda não terminou de ser contada. O cacique guarani Mário Karai declarou que, se não há espaço para semear, não há espaço para produzir alimentos, saúde, educação, habitação para um povo”.

            Nós, brasileiros, negros, brancos, índios, habitantes deste País, não somos estrangeiros; somos filhos deste chão e temos que buscar no passado essa trajetória de luta, de amor pela terra, de respeito às pessoas, de pátria, de reviver a pacha mama, a terra mãe. Queremos um Brasil para os brasileiros, a fim de encontrarmos soluções para os grandes problemas - e são muitos.

            Sr. Presidente, diz a lenda que Sepé Tiaraju chorou rios de lágrimas. O grande líder sentou-se com as mãos na testa e começou a chorar. Durante o dia e a noite inteira esteve chorando. Chorou tanto e tanto que a terra foi se ensopando com as suas lágrimas. E foi se encharcando, cada vez mais e mais, até que suas lágrimas viraram água e começaram a correr. Em princípio um filete, depois uma sanga e, quando o sol despontou, já se transformara num rio de águas cristalinas e puras. E os índios beberam e se deliciaram. Ganharam força com a água, com a terra, com as florestas. E logo todos notaram que tudo estava mudado. O campo virou floresta verdejante. Os pássaros vieram cantar. E Sepé levantou-se altivo e exclamou: “Chereça i apacui... Chereça i apacui...” Rio das lágrimas que verti... Rio das lágrimas que verti.

            Sr. Presidente, termino dizendo um viva à nação indígena, um viva ao Brasil, um viva a este encontro: Assembléia Continental dos Povos Indígenas.

            São Gabriel está de parabéns. O Rio Grande do Sul está de parabéns. O mundo, Sr. Presidente, está olhando para São Gabriel.

            Quando falamos em genocídio, quem não se lembra daquele cometido não somente no Brasil, mas em inúmeras partes do mundo contra os índios? Por isso, é o momento de reflexão, de valorização de todos aqueles que são discriminados, índios, negros e mesmo brancos que são jogados na sarjeta e marginalizados. Esse é um grande debate da justiça, da igualdade, da liberdade.

            Viva, Sr. Presidente, a nação indígena.

            Tenho certeza de que o encontro de São Gabriel será um grande encontro. De lá sairão decisões que vão iluminar a caminhada daqueles que querem, efetivamente, construir um mundo em que todos tenham direito iguais.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/2006 - Página 3233