Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo ao governo no sentido de que atenda às reivindicações dos médicos residentes, que se encontram em greve.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. SAUDE.:
  • Apelo ao governo no sentido de que atenda às reivindicações dos médicos residentes, que se encontram em greve.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2006 - Página 34551
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, TRABALHO, LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, RUI BARBOSA, EX SENADOR.
  • ANALISE, GRAVIDADE, GREVE, MEDICO RESIDENTE, REIVINDICAÇÃO, AUMENTO, SALARIO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, BENEFICIO, SAUDE, REGISTRO, HISTORIA, EXPERIENCIA, VIDA PUBLICA, ORADOR, MEDICO.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Senadora Heloísa Helena, que preside esta sessão da véspera da Proclamação da República, Senadoras e Senadores presentes aqui no plenário e na Casa, brasileiras e brasileiros que assistem e acompanham esta sessão pelo sistema de comunicação do Senado, a rádio AM e FM e a televisão e, a posteriori, pelo Jornal do Senado, Deus é muito bom para mim. Ele já me deu muito mais do que eu merecia. Estamos aqui, Suplicy, e quis Deus V. Exª estar aí. Está ali o Augusto Botelho, que é médico, e o Mozarildo. Venho falar de um problema que disse grave. E o Suplicy, que é a melhor alma do PT - o PT tinha de ter gente boa -, um homem cheio de virtudes...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Tem almas tão boas aqui.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Ah, tem o Paim. O Paim é mais do que o Zumbi. É uma..

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Uma alma excepcional.

A SRª PRESIDENTE (Heloísa Helena. P-SOL - AL) - Tem de ter para compensar as que vão arder nas chamas do inferno.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - É o Martin Luther King do Brasil. O PT tem de ter para compensar...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Também tem almas femininas boas, pertinho de V. Exª.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Está aqui também a Líder, que acho deva ser do Governo. Não é possível que o Presidente Lula não reconheça o apoio do seu próprio Partido.

Mas quero falar sobre saúde. Suplicy, eu fui médico e acho que o fui por influência dos médicos da minha cidade; cresci vendo-os e admirando-os. Quase todos já estão no céu. Dr. Mirocles Campos Veras foi Prefeito da minha cidade e médico no tempo da ditadura Vargas, mas foi uma benção de Deus, pois era um homem bom, primo de Humberto de Campos. Dr. Cândido Almeida Athayde, João Silva e Mariano de Souza, conheci todas essas pessoas e quis ser médico. Acho que isso me influenciou. São figuras que simbolizam o Cristo: “Eu não vim ao mundo para ser servido, e sim para servir.”

Assim, nasceu em mim esse ideal de ser médico. Fui, sou e estou falando aqui para ensinar ao Presidente da República, que tem uma longa história. Primeiro, mentem muito para ele. Ele é uma pessoa humana e boa. Votei somente uma vez nele; Heloísa Helena, mais.

Quero dizer que o enganam. Ele começa com aquele “não sei” e “não vi”, e a turma aproveita. Ele não é cercado só de gente boa como o Suplicy. Este deveria estar lá, ao lado dele, e ser o seu bom anjo da guarda. Aliás, ele tem muito a ver com essa sua vitória, porque foi quem defendeu a Renda Mínima, o Bolsa-Escola. Reconhecemos que o Bolsa-Família foi um tiro certeiro. Ele teve a visão de perceber que este País, Alvaro Dias, é muito injusto: 10% dos mais ricos têm a metade da riqueza; 10% dos mais pobres só têm 1%. Então, ele dividiu. Agora, entendo que isso não é o ideal. Tem de haver um debate qualificado.

E já vai o Suplicy ali. Ele é muito apressado, muito cabeça-dura: já brigou muito em boxe, acho que foram uns nocautes que teve. Mas nós não divergimos, não; nós nos aproximamos. Minhas palavras foram de reconhecimento à virtude de V. Exª, e sempre disse isso. Agora, sou de uma sinceridade, porque vim do Piauí. V. Exª se lembra de que, quando comecei aqui, disse: “Ô, Suplicy, a tua mulher perde em São Paulo”. Eu afirmei logo cedo: “Você ganha. Besteira, rapaz, ela vai perder a eleição”. Disse, com um mês como Senador nesta Casa, porque ando: nordestino, no táxi, auscultava. É o que Ulysses disse: “Ouça a voz rouca das ruas”. Eu dizia: olha a votação dele. Ele é um dos seis homens que mais voto já tiveram neste Brasil. Só tiveram mais voto do que ele esses candidatos a Presidente - alguns. Justiça seja feita: V. Exª também teve uma votação esplendorosa.

Mas, Suplicy, não vamos buscar o que nos separa. Eu lhe disse que sou muito Deus, com todo respeito que tenho a V. Exª, a sua bondade, a sua defesa pela renda mínima. Mas não me sai da cabeça o que Deus disse: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. É uma mensagem de Deus de que o caminho é o trabalho.

O apóstolo Paulo, mais severo, Mozarildo, diz: que quem não trabalha não merece ganhar para comer. Então, fico com eles, antes de V. Exª. Mais ainda, Deus escreve por linhas tortas, Heloísa Helena. E não sei onde está isso, nunca vi; fica para o Crivella discutir com o Magno Malta se está na Bíblia. Mas, Heloísa Helena, como o Suplicy já está levantando-se para um aparte, eu me antecedo, porque levo para onde vai a minha formação médica, a profilaxia.

Mas vamos mais: já que V. Exª não está crendo em Deus, no apóstolo Paulo, creia em Rui Barbosa. E por acaso estou com um livro velhinho, e ninguém do PT escreveu um que andasse tanto tempo. Está aqui por acaso, e vou ler para V. Exª. Realmente, isso ajudou os pobres. Dar esmola ajuda, mas não vai tirar a população da pobreza. Não vai, não, Suplicy. Não venha com essa conversa, porque não vai; isso não tem fundamento.

Eu fico com Luiz Gonzaga, já que V. Exª não crê nas palavras de Deus, do apóstolo Paulo ou de Rui. Luiz Gonzaga, lá do nosso Nordeste, Mozarildo, diz: quem dá uma esmola a um homem santo mata esse homem de vergonha ou de humilhação. O Fagner, que é um cantor do Ceará, gravou uma música do Gonzaguinha, que diz: Homem guerreiro! Menino guerreiro! Ele tem um sonho. Se castram esse sonho - esse seu sonho é o trabalho -, ele mata, morre e não pode ser feliz.

Então, acredito no trabalho.

Mas me permita V. Exª, que usou o nome “Partido dos Trabalhadores”, enquadrá-lo. Está aqui um livrinho de Rui Barbosa, que depois vou ceder, para que V. Exª tire uma fotocópia só de uma parte: o trabalho.

Rui Barbosa disse:

Há na vossa grandeza um condão para atrair os que se não rendem a outras: é que é a grandeza do trabalho. O trabalho não é o castigo: é a santificação das criaturas. Tudo o que nasce do trabalho, é bom. Tudo o que se amontoa pelo trabalho, é justo. Tudo o que se assenta no trabalho, é útil. Por isso, a riqueza, por isso, o capital, que emanam do trabalho, são, como êle, providenciais; como êle, necessários, benfazejos como êle. Mas, já que do capital e da riqueza é manancial o trabalho, ao trabalho cabe a primazia incontestável sôbre a riqueza e o capital.

Lincoln não era um demagogo, não era um revolucionário, não era um agitador popular. Era o presidente da grande república norte-americana [grande presidente!] durante a mais tremenda crise da sua história; e o consenso geral da posteridade o sagra, hoje, como o maior gênio de estadista que a tem governado. Pois Lincoln, senhores, não duvidava reivindicar, numa das suas mensagens ao Congresso Nacional, em dezembro de 1861 [atentai bem, Suplicy, 1861!], a preeminência do trabalho aos outros fatôres sociais.

“O trabalho - dizia ele [citado por Rui Barbosa, nosso patrono] - precede ao capital, e dêste não depende. O capital não é senão um fruto do trabalho, e não chegaria nunca a existir, se primeiro não existisse o trabalho. O trabalho é, pois, superior ao capital, e merece consideração muito mais elevada”.

            Eu venho falar daquilo em que acredito, Senadora Heloísa Helena: o trabalho. E me dediquei a ele. Faço, Senador Suplicy, no dia 16 de dezembro, 40 anos de médico e cirurgião. Não há mão santa e nenhum santo; são mãos humanas iguais às da enfermeira Heloísa Helena. É título mais acima do que o de Senador. À enfermeira não se prestam homenagens, solenidades e festas, mas, no momento da dor, do sofrimento, todos recorremos a elas. V. Exª e eu somos irmãos. Médico e enfermeira, somos soldados da saúde, do evangelista Lucas.

Senador Eduardo Suplicy, quero a ajuda de V. Exª, do Senador Paulo Paim e da Líder Senadora Ideli. Ô, Ideli! Como é fácil. No meu voto, pedirei tão pouco pelo País; diferente do PMDB, que quer negociar, fazer balcão de negócios. O meu, não. O meu é puro. Acho que V. Exª pode levá-lo.

Está acontecendo neste País uma greve que é fundamental e que precisamos entender: de médico residente. Eu sou médico.

Heloísa Helena, eu sei que tive um grande aprendizado aqui, Senador Alvaro Dias, com homens de inteligência e experiência. Mas, Senador Augusto Botelho, entendo que, dos meus 64 anos, os mais importantes da minha vida foram como médico residente. Aí, sim, um reitor me orientou, e eu fui; e fui aprender.

Eu sou oficial da reserva e fiz o CPOR. Há uma hierarquia no Exército, mas a hierarquia em um hospital organizado, Heloísa Helena, é muito maior do que a hierarquia militar, Alvaro Dias, porque é a hierarquia do saber; não é a hierarquia de capitão ser mais do que tenente; major.... É a hierarquia do saber: aquele que é seu chefe de clínica, de cirurgia, que é diretor, tem a estrela do saber.

Aprendi muito na minha residência médica no Hospital dos Servidores do Estado, e pasmem: era o único, um hospital federal, onde vi ser atendido João Baptista Figueiredo quando teve o enfarte. Lá, havia um apartamento presidencial. Fui médico residente, que é o profissional da Medicina jovem, idealista, puro no sentimento de saber, que entrega os melhores anos de sua juventude para buscar ciência, para, com ciência e com consciência, servir ao povo do Brasil. Esses são médicos residentes, Ideli. Mozarildo, nós dávamos 13 plantões por mês. Treze! E, no dia seguinte, estávamos a auxiliar as cirurgias.

Senadora Heloísa Helena, convivemos com os maiores nomes da Medicina do mundo. Christiaan Barnard… Ô, Mozarildo, convivi com Christiaan Barnard, o pioneiro do transplante cardíaco, que deu um curso no meu hospital; Lileray, o pai do microcirculação; Zerbini, Jatene - eu auxiliei Jatene em cirurgias -, esse extraordinário homem da Medicina.

E a dedicação era tão grande, que, realmente, depois, eu quis voltar para o Piauí.

Quero dizer, Augusto Botelho e Alvaro Dias, que Deus foi tão bom que eu só soube o que era desemprego quando entrei na política para arrumar para os outros. Eu não. Eu saí bem formado; quando me formei no Ceará e fui para o Rio, era primo da mulher do Governador, da mulher de Virgílio Távora; era monitor da faculdade e podia ficar como professor; tinha tirado primeiro lugar em concurso para o pronto-socorro municipal, assistência municipal, hoje José Frota. Poderia ter continuado, e fui fazer a residência.

Senador Botelho, ao sair, tinha convite de todo o Brasil, porque era uma das residências mais sérias e importantes de Medicina. Fui discípulo do Professor Mariano de Andrade. E com ele convivi e aprendi.

Senador Mozarildo, a formação era tão séria e importante na nossa vida, que, de repente, o hospital nos colocava como diretor daquela instituição. Fazia parte da formação médica. Lembro-me de um chamado da telefonista para eu resolver um problema: “Você é o diretor de plantão” - o lado administrativo fazia parte da formação do médico-residente. Perguntei qual era o problema. “Ah, tem um engenheiro que tomou ‘umas’ e está quebrando tudo aí embaixo, mas é você quem vai resolver”. Perguntei por quê. “Porque você é o diretor, e esse engenheiro é o engenheiro do hospital”. E eu perguntei: “Ah! E aqui tem engenheiro?” E ela disse: “Tem dois engenheiros.” Mas, naquele meu jeito, fui e acabei tomando uma cervejinha com o engenheiro - para ser flexível - e falei: “Meu amigo, vamos fazer um negócio. Não vou chamar a polícia; vou chamar a ambulância e vou deixá-lo lá no seu apartamento”.

Mas quero dizer o que é uma residência médica. Foi muito importante. Nos anos em que fizemos - e hoje ainda é assim - eram quatro anos, dois e um terceiro optativo para quem fizesse a Cirurgia Especializada. Quer dizer, nos formava mesmo e nos dava independência, auto-estima, formação. Eu cheguei no Piauí e tive essas condições, que o povo reconheceu. Os pobres colocaram-me até o aposto de Mão Santa e me deram muitos votos - estou aqui, fui prefeito da minha cidade e governei o Estado. É importante o exemplo dos mais velhos, como o de um pai, e dos mais novos, como de irmão.

Mozarildo, sou metido a durão e até sou, porque sou um homem do Piauí, mas me lembro, Augusto Botelho, de Fischmann, um cirurgião que se casou com a filha do Lutz Fernando; ele tinha deixado, mas eu não me despedi, Alvaro Dias, porque ia embora do Rio, iria me emocionar e, talvez, tivesse uma crise de choro, porque aquele pegava na minha mão e me ensinava a operar: gastrectomia, tireoidectomia e abrir tórax, tal é a formação dos médicos residentes! Olha, antes de sair, fui chamado na direção do hospital. Sabe o que era? Olha como é importante: era o diretor do hospital acompanhado de Tufik Simão, médico que instalou a primeira UTI neste País. Tinham um convite para eu ser diretor de um hospital em Anápolis. Um médico, que era deputado federal, tinha acabado de ser eleito e tinha de buscar lá essa pessoa. Eu, Botelho, tinha sido indicado pela formação no Hospital do Servidor. Aí, eu disse que não, pois queria ir para o Piauí. Quer dizer, antes de sair da residência, porque eles iam buscar.

Era um médico, dono de um hospital. Quase fui para Anápolis, mas creio que já estava apaixonado pelo Piauí e pela Adalgisa.

Mas quem faz funcionar um hospital são os médicos-residentes.

Senador Mozarildo Cavalcanti, todos estão vendo os aeroportos. É aquele rapazinho, o que faz a programação do vôo. É um problema no País todo, porque está centralizado. Ô Suplicy, atentai bem. Muito mais grave é o que se vê nos aeroportos: os programadores de vôo estão parados, e não saem 600 vôos.

Todos os hospitais deste País estão sofrendo o mesmo problema. Os médicos-residentes estão em greve há mais de 15 dias, Suplicy. Por que só eu estou falando? Mas está tomando eco. Está na Folha de S.Paulo o protesto dos residentes, que têm uma bolsa que vale pouco mais de mil reais, ô Paim! Senadora Ideli, essa bolsa não é reajustada há quase cinco anos. E ninguém trabalha mais do que médico-residente. Ele é quem faz funcionar o plantão. Numa maternidade, ele é quem recebe a gestante, vê a bolsa romper e o feto bater. Ele acompanha e espera. Se o caso complica, e o bebê não nasce, ele vai ao médico, que está dormindo nas caladas da madrugada, buscá-lo. Mas é o residente quem passa a noite no banco de sangue, classificando o sangue para que haja aquela operação, para auxiliar. Ele trabalha muito, são noites e noites indormidas. Mozarildo, sabe a ponte Rio-Niterói? Eu a vi ser construída, pilar por pilar, lá do décimo-quarto andar, onde eu fazia plantão na UTI, Augusto Botelho. Vi a construção pilar por pilar, Alvaro Dias. Assim é a vida de um médico residente.

Mas o que eles querem mais, Mozarildo, é responsabilidade. Senadora Ideli, V. Exª, que é professora: é só isso. Os residentes não estão lá pelo dinheiro, eles ganham pouco mais de mil reais. Se V. Exª considera trinta dias, o que eles recebem por hora é muito pouco, especialmente quando se leva em consideração que o médico residente trabalha dia e noite, praticamente mora no hospital. Sofre o doente, ele está lá com a família. E ele tem de se vestir, tem de comer, tem de comprar livros para se atualizar, livros que são caros.

Eu me lembro, Mozarildo, que comprei o Atlas de Técnicas Cirúrgicas, de Madden: custou duzentos cruzeiros. Como pela residência eu recebia vinte e quatro cruzeiros e pagava dez por mês, levei quase dois anos pagando o Madden. Essa é a vida do residente. E eles estão aí.

Agora, quem sofre? Presidente Lula, já chegou? Suplicy, é o pobre. Os hospitais privados não estão nem aí: são doentes tratados por médicos ricos. Mas onde tem médico residente é nos hospitais públicos, no Hospital das Clínicas por exemplo.

Ontem, chorou-se pelo Incor, que está sofrendo um drama. Discursaram muito pelo Incor. É justo, mas são muitos outros nesse situação. Todas as santas casas, todos os hospitais universitários estão parados. Estão parados porque eles atendem os pobres, e os pobres não gritam, os pobres voltam sem nem saber por que estão voltando às vezes. É essa a bolsa que está faltando.

Mas sabem o que eles querem mesmo? Eles não querem ficar como mão-de-obra barata. É a mão-de-obra mais barata: mil e poucos reais para trabalhar as vinte e quatro horas do dia - é quase como aquelas domésticas escravas do passado. Eles querem que o Governo assuma a responsabilidade de colocar docentes, instrutores, para que eles não sejam só mão-de-obra barata. Não tendo o ganhar, o que seria o seu maior pagamento? O saber, mas também não serem responsáveis por tratamentos para os quais eles ainda não têm qualificação.

Com a palavra o médico que está antes, muito antes da força do Senador: Mozarildo. Em pesquisa recente, verificou-se que, entre os brasileiros e as brasileiras, só 5% acreditam nos políticos e 30%, nos homens da Justiça. Em relação ao médico, o percentual é bem diferente, temos a primazia, estamos em situação de igualdade com os pastores, os padres, no conceito da população.

Com a palavra Mozarildo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Mão Santa, estava aqui ao meu lado o Deputado Rodolfo Pereira, de Roraima, que também é médico, e estava presidindo a sessão na altura em que eu estava me preparando para pedir o aparte o Senador Augusto Botelho, que também é médico. Sendo médico, também me causa muita preocupação o tema que V. Ex.ª está abordando. V. Exª fez um paralelo entre os residentes e os controladores de vôo. Nós, que viajamos para lá e para cá, não percebemos a presença dos controladores. De forma semelhante, o paciente, ou melhor, o povo de modo geral não sabe da existência do médico-residente.

(Interrupção do som.)

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Sr. Presidente, conceda mais tempo para esse debate qualitativo e necessário à melhoria da saúde neste País.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Eu sinto muita segurança, porque os médicos cuidam bem de mim aqui.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Como eu estava dizendo, Senador Mão Santa, ninguém, quando está no aeroporto, percebe a presença do controlador de vôo. Vê lá a mocinha ou quem está fazendo o check in, vê o funcionário da Infraero que está controlando os raios X, mas não sabe da importância do controlador de vôo. Da mesma forma, muita gente não sabe da importância do médico-residente, que é responsável, dizem os jornais de hoje, por 70% do atendimento. Eu creio que seja muito mais do que 70% do trabalho que se faz nos hospitais públicos e em alguns hospitais que são fundações, que são públicos e privados ao mesmo tempo. Então, é importante que realmente essas coisas estejam acontecendo para que o Brasil acorde e veja a existência de pessoas como os controladores e como os médicos-residentes. Quem são os médicos-residentes? São médicos já formados que estão ali se especializando, que estão aprendendo mais e que estão, portanto, prestando um serviço e aprendendo. Lá, os chefes de serviço, os catedráticos, na verdade, ficam fazendo um trabalho de ensinamento, mas não fazem o trabalho mais corpo a corpo, digamos assim, do residente. Eu espero que o discurso de V. Exª sirva como alerta para a necessidade de mudar essa realidade. É inaceitável que um médico nessa situação ganhe pouco mais de mil reais. Como é que ele pode se manter? Se ele não pode sequer comprar um livro, como V. Exª deu bem o exemplo aqui, como ele poderá se aperfeiçoar? O Brasil vem relaxando há muito tempo diante de situações como essa, e isso não pode continuar sob pena de nós não mudarmos a realidade da saúde no País, de não garantirmos a existência nos hospitais e no mercado de modo geral, amanhã, de bons profissionais, qualificados e capazes de exercer a profissão em benefício do povo. Além disso, como eu coloquei há bem pouco tempo aqui, precisamos também da presença do médico em todos os municípios do País.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Nós agradecemos, incorporamos e queremos dizer que, além dessa atualização salarial que eles dizem que há cinco anos não é feita nesse salário de pouco mais de mil reais, o que eles exigem são melhores condições para trabalhar e aprender. No meu tempo, nos anos sessenta, havia uma associação de médicos-residentes que qualificava os hospitais que podiam dar assistência a esse compromisso de formação. Os jovens residentes de hoje não querem passar aquele período que dedicam de sua mocidade em busca do saber como apenas uma mão-de-obra barata para servir e fazer funcionar os hospitais.

Então, Senadora Ideli Salvatti, é essa a minha preocupação. Confiamos que V. Exª, com sua sensibilidade de professora, fará chegar esses reclamos que nós, que temos quarenta anos de Medicina, sentimos e percebemos como graves; confiamos que V. Exª os levará ao Ministro da Saúde e ao Ministro da Educação para que tenhamos uma solução satisfatória.

A V. Exª, Senador Suplicy, que tem feito tantas coisas boas por São Paulo e pelo País, o nosso apelo para também se incorporar nessa campanha pela melhoria das condições de trabalho do residente. Precisamos promover um debate qualificado para buscar soluções para melhorar a situação de mais de vinte mil médicos-residentes.

Ontem, o debate qualificado foi pelo Incor, que reconhecemos ser um centro de excelência, um centro que nos enche de orgulho e chama a atenção não só do Brasil: ele é um centro de médicos-residentes tão forte, que vêm até estrangeiros de países de Primeiro Mundo, como o Canadá, fazer estágios. Mas não é só o Incor que precisa de ajuda, são centenas de hospitais que abrigam os médicos-residentes e que estão com o seu funcionamento prejudicado. Essa situação desfavorece sobretudo os mais pobres que necessitam de assistência e vão buscá-la no hospital público.

Essas são as nossas palavras. Agradecemos ao Senador que presidiu e que, pacientemente, alargou o tamanho do tempo, que, embora tenha sido grande, não é tão grande como o coração de V. Exª Senador Romeu Tuma.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2006 - Página 34551