Discurso durante a 209ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sessão destinada ao comparecimento do Senhor Ministro de Estado da Fazenda, nos termos do Requerimento 1.144, de 2006, do Senador Jefferson Péres, para expor e debater as grandes linhas da política econômica do segundo Governo do Presidente da República, Senhor Luiz Inácio Lula da Silva.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Sessão destinada ao comparecimento do Senhor Ministro de Estado da Fazenda, nos termos do Requerimento 1.144, de 2006, do Senador Jefferson Péres, para expor e debater as grandes linhas da política econômica do segundo Governo do Presidente da República, Senhor Luiz Inácio Lula da Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2006 - Página 39315
Assunto
Outros > MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, PRIORIDADE, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, PAIS, PRE REQUISITO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PREVISÃO, POSSIBILIDADE, PERCENTAGEM, CRESCIMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB).
  • CUMPRIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), CONTINUAÇÃO, CARGO PUBLICO, PROXIMIDADE, MANDATO.
  • IMPORTANCIA, REGULAMENTO, TELECOMUNICAÇÃO, ENERGIA ELETRICA, PETROLEO, CRITICA, GOVERNO, TENTATIVA, CENTRALIZAÇÃO, CONTROLE, AGENCIA NACIONAL, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, INDEPENDENCIA, AUTONOMIA, INTERPELAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • QUESTIONAMENTO, GOVERNO FEDERAL, PREVISÃO, SUPERIORIDADE, INDICE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PERIODO, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, PROVIDENCIA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, AJUSTE, NATUREZA FISCAL.
  • INTERPELAÇÃO, VALOR, DEDUÇÃO, PROJETO PILOTO, INVESTIMENTO, CAPACIDADE, GOVERNO, INVESTIMENTO PUBLICO, ATUAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, EXISTENCIA, DIVERGENCIA, MINISTERIOS, REFERENCIA, AJUSTE FISCAL, MANUTENÇÃO, SUPERAVIT, QUESTIONAMENTO, OCORRENCIA, RISCOS, ESTABILIDADE, MERCADO.
  • INTERPELAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, GARANTIA, RECURSOS, INVESTIMENTO, MODERNIZAÇÃO, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DEBATE, DIFICULDADE, IMPLEMENTAÇÃO, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, MINISTERIOS.
  • COMPROMISSO, PARCERIA, ORADOR, COLABORAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Ministro Guido Mantega, de fato, foi muito feliz a iniciativa do Senador Jefferson Péres, propiciando isso que o Senador Tião Viana acaba de recunhar como um debate altamente qualificado.

O Sr. Ministro disse, logo de início, da sua impossibilidade de dar detalhes do chamado pacote. Não me apraz muito a figura do pacote, porque terminam vindo imperfeições, e o Brasil, a meu ver, precisaria superar essa fase e entrar, de maneira coordenada, na discussão das reformas estruturais necessárias. Doam ou não doam em setores quaisquer essas reformas, deve entrar de maneira coordenada nas reformas estruturais, para que possamos pensar, aí sim, de maneira conseqüente, consciente e sustentável, em crescimento de 5% ao ano. Fora disso, esporadicamente pode até acontecer, mas não prevejo que o próximo quadriênio comporte a figura do crescimento de 5% ao ano com inflação baixa.

Entendo que o papel mais patriótico que o Governo de V. Exª - meus parabéns, porque soube que V. Exª está sendo confirmado no cargo, e fico muito feliz e tranqüilo com isso - o papel patriótico do Governo Lula será, precisamente, garantir o máximo de crescimento, e vejo que será algo em torno de 3,5% no ano que vem, não vejo mais do que isso, mas preparar para terminar em torno de 4%, um pouco mais ou um pouco menos do que isso, em 2010. E o sucessor, sim, com reformas feitas, não com paliativos, teria a possibilidade de começar a ver o Brasil crescer acima de 5% ao ano. Isso seria, de fato, um grande ganho e um grande legado que o Presidente deixaria para o seu sucessor.

Em outras palavras, não acredito que, neste Governo, tenhamos uma média de 5% de crescimento ao ano. Não consigo imaginar isso. E vejo que o sucessor, sim, se o Presidente Lula fizer, desta vez, competentemente, o dever de casa.

Tenho, Sr. Ministro, algumas observações e colocações a inquirir de V. Exª.

A verdade é que o Brasil está crescendo, mas pouco, e vejo três caminhos.

Há o caminho do crescimento tresloucado, pelo qual o Presidente, reiteradas vezes, tem dito - e fico tranqüilo quando ele fala assim - que não optará. Seria o caminho do crescimento com um pouco mais de inflação, e não vejo que vá por aí; então, isso me tranqüiliza.

Vejo a perspectiva ousada de mais reformas estruturais. Aí, sim, se prepararia, sobretudo para o sucessor do Presidente Lula, um período de crescimento brilhante, quem sabe acima da média de 5% ao ano.

E vejo que, no rumo que a coisa vai, ficamos mais ou menos no modelo mexicano, com o nosso crescimento um pouco menor que o do México, com a nossa inflação semelhante ou um pouco maior que a daquele país, e nenhum dos dois países deslanchando para valer. Isso é o inferno? Não é, mas não é o espetáculo do crescimento, não é o paraíso. O Brasil poderia preparar não o paraíso, mas o crescimento efetivo, se trabalharmos alguns pontos.

Percebo que temos de enfrentar a questão da regulamentação em setores-chave da economia, como telecomunicações, energia elétrica, petróleo. No entanto, vejo que uma das maiores deficiências do Governo, do qual V. Exª é um brilhante Ministro, é precisamente não saber encarar bem - e o Senador Jefferson Péres há pouco se referiu a esse episódio -, com precisão, o papel das agências reguladoras. Dá-me a impressão de que o Governo tem a noção equivocada de que as agências deveriam ser departamentos dos ministérios, e não entidades representativas do Estado brasileiro, defensoras do consumidor e representativas do Estado brasileiro, e não departamentos meros de ministérios, porque, com as privatizações que aconteceram, com a nova forma que tomou a economia brasileira, as agências teriam de ser independentes, compostas, e por isso os mandatos divergentes até do mandato do Presidente da República.

Faço-lhe a primeira pergunta - depois ouvirei as respostas todas -: como é que o Governo daria essa guinada no sentido de respeitar e prestigiar as agências reguladoras, sem o que eu não acredito que se aumente substancialmente a formação bruta de capital fixo; não acredito. O Brasil patinará, investindo pouco; e investindo pouco, ele não crescerá de maneira substancial, a menos ele que resolva afrouxar as rédeas do combate à inflação. E este é o pior dos mundos: voltarmos a uma noção que não pertence a este século, banida no século passado, ou seja, a noção do crescimento com inflação. Quero crescimento alto com inflação baixíssima, e quero crescimento por longos anos. Portanto, inflação, não. E o necessário a se fazer é aumentar o investimento, a capacidade produtiva do País, a oferta de produtos no País.

Uma outra questão, Sr. Ministro. V. Exª, quando ainda presidia o BNDES - cito, aqui, uma frase de V. Exª -, se disse “muito consciente do crescimento vigoroso da economia brasileira em 2006 e nos anos seguintes.” E mais - eu o tenho como homem de boa-fé e tenho profunda simpatia pessoal por V. Exª -, mas V. Exª, durante o período eleitoral, chegou a dizer que o Brasil cresceria quatro, quatro ponto alguma coisa por cento. E eu aqui, desta tribuna, modestamente, sustentava que o Brasil não atingiria 3% no ano de 2006. Àquela altura, parecia que eu torcia contra, parecia que eu queria, com isso, desqualificar os feitos econômicos do candidato, que era meu adversário; e, no final, parece que a mim assistia razão e não a V. Exª. O Brasil não cresce nem os 2,8%, que eu previa. O Brasil cresce, segundo as últimas previsões, 2,74%. Eu volto a dizer que o Brasil não crescerá 2,74%, crescerá menos do que 2,74% neste ano e não crescerá 5% no ano que vem. Não vejo clima, não vejo condições objetivamente postas para o Brasil crescer 5% na média dos quatro anos do Presidente Lula por aí.

Muito bem. Eu pergunto: o que aconteceu? Como é que se explica V. Exª ter oferecido dados tão panglossianos de crescimento de 4%, quando a realidade, pelo menos a que eu via, apontava alguma coisa abaixo de 3%, e eu cravava o número de 2,8%? Essa é a segunda pergunta.

A terceira, recorro ao jornal O Estado de S. Paulo, que se refere a um certo ceticismo com o pacote dominando o mercado. Trata-se de certa aversão que o mercado tem, e eu tenho também, com a figura do pacote.

Diz O Estado de S. Paulo: “Falta ao governo disposição para frear a gastança”. A mesma coisa tem dito a Folha de S.Paulo: “A equipe econômica ainda não tem a solução fiscal para assegurar a realização de todos os investimentos e desonerações desejados pelo Presidente Lula”.

Não quero discutir fofoca nem intriga, mas, enfim, ouço detalhes de que haveria um certo desconforto de dois profissionais, do melhor nível, que estão na sua equipe, o Dr. Carlos Kawall e o Dr. Bernardo Api, em relação ao conteúdo fiscal do chamado pacote - eu implico com essa palavra; realmente antipatizo com ela.

Sr. Ministro, eu vejo que, na questão fiscal, ou atacamos as reformas estruturais de frente, e ainda fazemos as demais economias - o Brasil tem gasto, e há anos, bem mais do que o crescimento do PIB, os gastos correntes superam em muito o crescimento do PIB -, ou vamos para uma debacle fiscal se não tomarmos conta disso. Para mim, o nó é fiscal. Eu não sou da corrente que imagina que baixando juros, e somente por que se quer baixar juros, se vai obter crescimento econômico. O México tem juro real de 1,5% ao ano e não consegue crescer de maneira deslanchada. Então, não é verdade, a meu ver, que resida no nó dos juros. O único problema da economia brasileira é o nó fiscal. Para mim, tem de se desatar o nó fiscal. Desatar o nó fiscal significa algo tão relevante quanto o nó da inflação que foi desatado a partir do Governo Itamar Franco, com seguimento no Governo Fernando Henrique Cardoso adentro. O desafio do Governo Lula, portanto, é oferecer o plano real do nó fiscal, é o plano real da crise fiscal brasileira. Pergunto como V. Exª vê isso? Como vê que o Brasil possa dar saúde fiscal para a sua economia de maneira conseqüente, duradoura e com vistas a esse objetivo, que é de todos nós, de chegarmos ao crescimento com inflação baixa?

Agora chego aos PPIs, Projetos-Piloto de Investimento. Vejo o que o Governo diz. O Governo tinha autorização para 0,16%, está pedindo 0,50%; na média dos dois anos em que pôde trabalhar os PPIs, o Governo não conseguiu realizar mais do que 0,08%. Então, não quero, aqui, colocar em dúvida se o Governo tem capacidade ou não de consumir os 0,50%. Digamos que consuma. Eu não quero ser irrealista, não quero ser desonesto intelectualmente, até porque não sou desonesto sob nenhuma forma e não seria intelectualmente. Quero perguntar a V. Exª qual é a parte que seria dedutível do superávit primário. Considero essencial que se mantenha o superávit primário de 4,25% sem floreios; 4,25% não é um número mágico. Em um algum momento, bastava 3,75%; em outro momento, poderia ser 4,25%; uma situação mais caótica, mais de crise, poderia exigir 4,8%, porque o objetivo não é estabelecer um número qualquer, e V. Exª sabe disso, com toda percuciência, e, sim, estabelecermos uma relação de equilíbrio, que não me satisfaz na relação dívida pública-PIB. Nós queremos - em um primeiro momento - equilíbrio; mas queremos uma trajetória segura de queda dessa relação dívida pública-PIB. Então, é preciso superávit primário em um montante de “x” por cento para assegurarmos isso. Se um dia for necessário apenas 2%, a título de esforço do superávit primário, melhor. Se for preciso mais de 4,25%, se terá de fazer isso, porque, senão, o Brasil viverá todo esse círculo vicioso outra vez, que levará a nova alta de juros e a momentos de descrédito internacional, tudo de que o Brasil não necessita, porque, hoje, o Brasil desfruta de uma boa perspectiva de crédito internacional. Então, eu gostaria de saber o que é dedutível?

Considero essencial a reorganização do ambiente microeconômico, com uma etapa fundamental para a geração e a incorporação de inovações ao sistema produtivo, para o aumento tanto da produtividade quanto da competitividade e para a redução dos custos e das incertezas envolvidas nos projetos.

Eu queria que V. Exª falasse um pouco sobre os PPIs. E pergunto se V. Exª entende que as condições estão postas para a efetiva atração de capital privado, se acredita que é possível injetar grande dose de investimento público e se acredita que o investimento público, por si só, resolve a questão?

Sr. Ministro Guido Mantega, tenho ainda mais duas perguntas. O Valor Econômico traz a idéia de que demandas políticas - do Planalto - estariam colocando o seu Ministério numa certa saia justa, ou seja, V. Exª tem a determinação do ajuste e, no entanto, forças muito fortes levantam-se contra o ajuste. Pergunto-lhe, então, se V. Exª está tranqüilo quanto a cumprir a meta do superávit primário de 4.25% neste ano, sem floreios ou subterfúgios - os floreios não seriam da parte de V. Exª -, mas, 4.25%, fora os 0.50% das PPIs, significam, talvez, 3.75% ou 3.80%, e entendo que menos do que 4.25% significarão problemas para equilibrarmos ou mantermos sustentável, e num nível que considero insuportavelmente alto, pois o Brasil precisa baixar.

Quem sabe uma contribuição do Governo Lula fosse entregar a relação dívida pública/PIB no percentual de 40% ao fim do seu Governo? Isso seria algo que eu aplaudiria. Estou aqui para ajudar, no que depender de mim, em matéria de contribuição legislativa. Mas, se começarmos a tergiversar em relação ao superávit primário, poderemos ver a deterioração disso.

Então, pergunto como V. Exª vê o mercado, se o percebe inquieto com isso, porque eu próprio estou um pouco.

O jornal Gazeta Mercantil estampou em manchete a seguinte notícia: “Governo ainda não sabe de onde sairá dinheiro para infra-estrutura”. Segundo a matéria, o Ministro dos Transportes, Dr. Paulo Sérgio Passos, afirmou que serão necessários investimentos de quase R$12 bilhões por ano - é claro que na área dele -, para tirar do papel projetos prioritários. Eu pergunto como é que se garantiria.

Estou falando só de um Ministério, o dos Transportes, porque quero reportar-me aqui a um episódio que foi muito bem vivido. O Líder do Governo, na época, era o meu prezado amigo Senador Aloizio Mercadante, que viveu conosco o episódio da construção das PPPs, aqui no Senado, em que teve participação exponencial o Presidente do meu Partido, Senador Tasso Jereissati. Nós encontramos as PPPs imperfeitas, a nosso ver, deficientes, ruins. O projeto que chegou não era bom. Dedicamo-nos, de maneira construtiva, a oferecer um bom desenho de PPPs, para que o Governo pudesse agilizar. O Governo nos dizia: “É preciso que cumpram a parte de vocês patrioticamente, porque vamos fazer o País deslanchar. As PPPs serão tiradas do papel de maneira ágil, de maneira rápida”.

Nós fizemos aqui. Dissemos: “não queremos boicotar”, e fomos até acusados disso. “Querem Boicotar?” Disse: “Não quero boicotar, de jeito nenhum, nem o Senador Jereissati, nem ninguém da Oposição”. No momento em que aconteceu aquilo, que chamamos de arredondamento do processo e do projeto, aprovamos as PPPs. Vejo aqui que, dos 23 projetos lançados no final de 2003, 22 estão empacados, e só um tem estudos de viabilidade econômica e modelagem concluídos, ou seja, as PPPs ficaram no papel.

Tenho um pouco de temor de que haja um certo desejo retórico do Governo de impulsionar o investimento e, portanto, de impulsionar por essa via o crescimento, sem a capacidade talvez operacional, gerencial, de efetivamente chegar a isso.

Então, pergunto: como V. Exª vê que o Governo fará para garantir esses investimentos necessários à modernização da infra-estrutura brasileira, que está em pane, como a estrutura aeroviária? Ontem, fui vítima novamente disso. Faço parte de uma comissão do Senado e, todos os dias, ouço do comando da Aeronáutica, das companhias aéreas, da Anac, dos controladores, que está tudo bem. Viajei, foi um desastre, foi uma coisa terrível. Há a pane aeroviária, a pane rodoviária. Vejo que há alguns apagões. Existe o apagão fiscal, ou seja, estou preocupado com a questão fiscal. Existe - devo dizer, Ministro - um certo apagão administrativo. Conto nos dedos os Ministros que colaboraram para algum crescimento do PIB. A maioria não colaborou para que o PIB crescesse um pouco mais. O Ministro Palocci, antes, e V. Exª, depois, contingenciaram duramente certos Ministérios. V. Exªs contingenciaram 80%; parecia uma coisa terrível contra os investimentos. Deixaram 20%. O Ministro Palocci primeiro, e, em seguida, V. Exª. Depois, não conseguiam gastar os 20%. Houve Ministros que aplicaram 8% dos 20% que foram deixados para eles, ou seja, aconteceu esse certo apagão administrativo.

Vejo que aquilo em que o Governo obrou corretamente - insisto nisso - foi precisamente na feição monetária. Alguns dizem que exagerou. Como não exageraria se estava cercado de problemas de toda sorte? O papel que tinha de ser cumprido pelo Banco Central foi cumprido. O Banco Central disse: vou cuidar para a inflação ficar baixa, e ela ficou baixa. E a inflação baixa tem propiciado uma porção de benefícios para o brasileiro, inclusive para a eleição do Presidente Lula.

A inflação baixa foi mais importante que o Bolsa-Família, porque Bolsa-Família com inflação alta seria algo a que o povo de renda mais baixa não daria o menor valor, porque não teria o menor valor. Então, o Governo teve êxito no front monetário, e, a meu ver, não o teve no front fiscal, administrativo, regulatório e, portanto, no front do investimento. Pergunto a V. Exª: como o Governo vai fazer, se não conseguiu tirar do papel as PPPs, para tocar esses projetos de maneira hábil e rápida, gerencialmente? E de onde vem esse dinheiro? Não vejo que haja clima propício para o investimento no Brasil. Digo isso, lamentando, e volto a lhe dizer: cobre de mim e da minha Bancada posições no sentido de votarmos aquilo que for necessário para reformar as estruturas carcomidas que ainda sobram na economia deste País. Conte com isso!

E, portanto, se é para trabalhar por um crescimento maior, somos parceiros. O que estou colocando em dúvida é se o Governo não está, a esta altura, acomodando-se com a perspectiva do crescimento quase mexicano, menor do que o do México. Crescer pouco, com pouca inflação, entregar ao sucessor nenhuma desgraça, isso não mata ninguém, mas nos faz perder o momento mais virtuoso da economia internacional dos últimos 50 anos.

Por ora, Sr. Ministro, era o que tinha a dizer, saudando sua presença com enorme alegria e satisfação. E fico a ouvi-lo, para depois, se necessário, replicar suas assertivas.

Obrigado, Sr. Ministro.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Obrigado, Senador Arthur Virgílio. Terei dificuldade para responder a todas as questões que V. Exª me apresentou, porque teria que fazer quase uma nova exposição, pois V. Exª tocou em vários pontos, em várias questões extremamente relevantes da realidade econômica nacional.

Posso assegurar-lhe que o Governo não pretende enveredar pelo caminho do crescimento fácil, com inflação. O senhor pode ter certeza disso. O senhor deve ter percebido que a estratégia do Presidente Lula é gradualmente criar condições para que o Brasil possa trilhar o caminho do crescimento seguro, estável e duradouro. Não seria difícil para nós colocar o pé no acelerador e ganhar um crescimento fácil, porém de curta duração. Isso já foi feito em vários governos. Bastaria afrouxar a política monetária, V. Exª sabe bem disso; bastaria baixar os juros, facilitar o consumo, e teríamos a volta de vários desequilíbrios que nos levariam a abortar esse crescimento.

Então, posso assegurar-lhe que não trilharemos esse caminho, mesmo porque isso faz parte da própria índole do Presidente. O Presidente dá essa orientação a todos os Ministérios responsáveis por isso. Mas também não acredito que estejamos trilhando o caminho do modelo mexicano. Acredito que o Brasil tem condições muito melhores. Ele as tem hoje; não tinha ontem ou nos anos antecedentes, porque havia desequilíbrios que nos impediam de obter um crescimento mais robusto.

Por exemplo, o senhor mencionou a inflação. A redução da inflação não se dá a custo zero: existem efeitos colaterais. Se, em 2002, tínhamos uma inflação média de 12,5%, para que ela fosse conduzida para um patamar mais razoável, que possibilitasse um crescimento sem esse perigo, foi preciso fazer um esforço monetário, significou elevar a taxa de juros para patamares muitas vezes considerados elevados e que certamente frearam um crescimento maior da economia.

A diferença é que, agora, a inflação se encontra num patamar razoável. Estamos abaixo de 4,5%, portanto é um patamar bastante razoável, e deveremos ter essa inflação no próximo ano também. As projeções indicam isso.

É por isso que a taxa de juros vem caindo desde o ano passado, e o volume de crédito vem aumentando. Hoje, temos um crédito mais abundante, um custo financeiro menor. E aí não me refiro apenas à Selic, mas a todas as modalidades de crédito que existem na economia brasileira. Por exemplo, a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) encontra-se no seu patamar mais baixo, 6,85% - é quase uma taxa de país mais maduro, país desenvolvido; estamos nos aproximando disso. A própria Selic também está baixando, e temos hoje o crédito ao consumidor a taxas menores - ainda muito altas para o meu gosto, porém muito menores do que já foram -, a partir de instrumentos como o crédito consignado, instrumentos que não existiam, foram criados, e que permitem hoje a ampliação do crédito. O senhor sabe que, sem crédito e sem o custo financeiro mais baixo, é impossível que haja um crescimento mais robusto.

Então, o que procurei mostrar na minha exposição - acredito que o Senador ainda não teve a ocasião de vê-la - foi onde avançamos na criação das condições que hoje nos colocam numa situação mais favorável para esse crescimento sustentável, sem nenhum arroubo, sem nenhuma loucura, sem cometer nenhuma irresponsabilidade. O senhor pode estar seguro de que essa é a filosofia do Governo e a filosofia deste Ministro.

Queremos avançar na regulação, e havia muita coisa por se fazer no Brasil. Um modelo regulatório, afinal. A economia brasileira estava numa espécie de transição, era uma economia que tinha uma forte presença do Estado. Muita coisa saiu da presença do Estado, mas tinha-se que criar os mecanismos reguladores para o setor elétrico, por exemplo, o setor de telecomunicações. Hoje, temos um modelo regulatório para o setor elétrico; acabaram de votar o modelo regulatório para o setor de saneamento, e muito se avançou na legislação tributária, na legislação financeira e nos instrumentos jurídicos. Hoje, o Brasil é muito mais avançado, o que faz com que seja um País muito mais seguro. Isso está refletido na confiança que nos é depositada pelos outros países. Só para citar um exemplo, colocamos recentemente títulos no mercado internacional com um spread de 159 pontos, ou seja, com um risco de 159, coisa que o Brasil nunca teve - títulos de dez anos! Significa que a confiança no Brasil aumentou, o que deverá nos trazer mais investimentos externos e internos.

De fato, em 2006, o País não cresceu o quanto eu esperava - digo de público. O senhor fez previsões mais acertadas do que as minhas. Infelizmente, os economistas erram muito quando fazem previsões. O que se deu foi que não tínhamos ainda uma taxa de juros condizente com um crescimento maior por causa dos constrangimentos inflacionários do passado. Mas agora já temos, porque a taxa está caindo. Tivemos uma crise agrícola inesperada no ano de 2006. Acredito que a ocorrência de eleições sempre traz alguma restrição ao investimento, sempre traz alguma incerteza. Pouca, muito menor do que já houve no passado, porém ainda houve alguma perturbação com relação ao crescimento econômico.

Sou mais otimista do que V. Exª quanto ao futuro imediato do País, porque acredito que as condições hoje são muito mais propícias a um crescimento. É claro que, para que ele se consolide, não basta contar apenas com aquilo que se fez, é preciso enfrentar novos desafios. E aí concordo consigo, é preciso continuar as reformas. Uma delas é a reforma tributária, que será muito importante para desburocratizar, para facilitar as transações econômicas, para diminuir o peso que existe hoje sobre a produção, para que os créditos tributários sejam devolvidos mais rapidamente. E aí temos de mexer também na Lei Kandir, um sucedâneo da Lei Kandir que seja mais eficiente. Acho que podemos construir isso e contamos com a sua colaboração, conforme o senhor se dispôs aqui, para que possamos levar avante essas reformas. Certamente, o Governo estará empenhado em levar avante essas reformas. E, nesse sentido, concordo consigo, temos de continuar fazendo essas mudanças na economia de modo que possamos crescer a taxas mais elevadas.

Uma das condições para que esse crescimento se corporifique é que continuemos praticando a responsabilidade fiscal, e posso lhe assegurar que essa é a filosofia do Presidente e deste Ministro da Fazenda. A responsabilidade fiscal foi importante e continuará sendo importante para o País, porque ela nos dá credibilidade, ela baixa os custos financeiros e nos dá um horizonte de longo prazo. Se as finanças estivessem desequilibradas, ninguém confiaria no País, não teríamos crédito de longo prazo; seria impossível, por exemplo, termos um financiamento imobiliário de longo prazo se houvesse uma desconfiança em relação à volta da inflação ou do desequilíbrio fiscal. No entanto, o senhor está observando que hoje já possuímos no País um crédito imobiliário de longo prazo. É um termômetro importante quanto à confiança que o sistema financeiro tem de que a inflação continuará sob controle. Estão fazendo empréstimos a prestações fixas, a taxas de juros pré-fixadas. Hoje, as instituições financeiras estão financiando até a menos de 12% ao ano, empréstimos de 10, 15, 20 anos. Isso demonstra que se instaurou o longo prazo no País. Não havia isso anos atrás. Era inimaginável que tivéssemos empréstimos de longo prazo a taxa de juros fixa. Portanto, isso é uma confiança de que a inflação continuará caindo.

Senador, acredito que, nos próximos anos, num período mais curto do que V. Exª mencionou, possamos alcançar um crescimento mais robusto, já a partir do próximo ano. Digo isso não porque estou fazendo alguma propaganda do Governo - não temos nenhuma eleição pela frente -, digo isso porque, sinceramente, acredito que as condições são favoráveis para que isso venha a acontecer.

Quanto ao PPI, é uma modalidade introduzida em 2005, depois de uma longa discussão com a sociedade e até com os organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional. É um mecanismo utilizado, por exemplo, na Inglaterra. Aquele país utiliza um princípio semelhante ao PPI, que são projetos de investimento considerados produtivos, que têm características especiais e têm um impacto positivo sobre a economia, sobre os negócios, sobre as rendas públicas.

Portanto, quando nós adotamos esse princípio, em 2005, no início, não sei lhe dizer muito bem por que, porque não estava...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Ministro, qual será o percentual de PPIs dedutível do superávit primário?

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Teoricamente, todo ele é dedutível do superávit primário.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Logo, não será de 4,25%.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Não necessariamente.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Vai cair o superávit primário.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Veja que, no ano de 2006, o PPI que está prevista no Orçamento é da ordem de 0.15%. Neste ano, deveremos alcançar uma realização de algo como 0.10%. Estamos nos aproximando da meta estabelecida, estamos agilizando, e posso lhe garantir que, se eu continuar à frente do Ministério, estaremos cumprindo com mais precisão as metas estabelecidas no PPI.

Estamos caminhando para um PPI de 0.5% do PIB, que significa aumentar o volume de investimentos. Consideramos fundamental que o Estado também aumente os investimentos, de modo a potencializar os investimentos do setor privado, que consideramos mais importantes.

Portanto, o fundamental é que o Governo continue perseguindo a redução da relação dívida/PIB, conforme V. Exª mencionou. E é perfeitamente factível que, ao cabo do segundo mandato do Presidente Lula, alcancemos a relação dívida/PIB de 40%, conforme V. Exª mencionou.

Nesse programa que vamos anunciar... Também não gosto de pacote, às vezes falo por uma distração. Não é pacote. É um conjunto de medidas. Também não é um plano econômico; é algo mais modesto que isso. Mas é um conjunto de medidas que busca ou destravar a economia, conforme tem dito o Presidente Lula, ou estimular certos setores, de modo que esse crescimento mais vigoroso possa tornar-se uma realidade. Portanto, o aumento de PPIs está entre as medidas, porque representa o aumento do investimento produtivo, e achamos que ele traz um impacto muito positivo na economia.

Quanto à suposição colocada pela imprensa, que V. Exª mencionou, de que haveria demandas irresistíveis do Planalto que dificultam o ajuste, posso garantir que isso não é correto, porque se há alguém que abraçou o princípio da responsabilidade fiscal e a luta contra a inflação é o Presidente Lula. Posso afiançar e garantir isso. Sua Excelência é o comandante de uma política de responsabilidade fiscal e de luta contra a inflação. Não se cansa de louvar os benefícios que uma inflação baixa traz para toda a população brasileira.

Então, não há demandas irresistíveis do Planalto, porque essa política econômica do primeiro mandato foi moldada pelo Planalto. E deveremos dar continuidade a essa política, só que numa nova fase; agora, com uma situação mais favorável e com novos instrumentos. É uma continuação, numa fase mais promissora, mais favorável, que temos hoje.

Também não têm sentido algum essas notícias veiculadas na imprensa de que haveria algum atrito entre mim e meus Secretários do Tesouro ou o Secretário-Executivo.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Não, não disse isso. Até fiz questão de dizer que não queria participar de jogo de intriga. Haveria desconforto desses dois excelentes assessores, que são Bernard Appy e Carlos Kawall, com o aspecto fiscal do chamado pacote. Não seria intriga entre V. Exª e eles, de modo algum, e eu gostaria de deixar isso bem claro. Apenas estariam eles desconfortáveis com o pouco alcance fiscal - para ser mais preciso - do pacote.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Bom, eu não consigo enxergar esse desconforto, e nós trabalhamos muito afinados - posso dizer. Eu trouxe o Kawall, que estava comigo no BNDES, e o Appy é um companheiro de longa data. Eu o coloquei na Secretaria Executiva. Portanto, goza de toda a minha confiança e segue a minha orientação. Dessa forma, não há desconforto.

É claro que, muitas vezes, há divergências, como é normal. No Congresso, no Senado, isso pode ser observado. Alguém quer dar um pouco mais de aumento para um item - por exemplo, agora, o salário mínimo está em discussão -, outros querem diminuir determinados gastos. Mas tudo isso dentro de uma filosofia comum, de conseguir criar as condições favoráveis para um crescimento com equilíbrio fiscal, com segurança.

Portanto, discordo de V. Exª quando diz que o Governo não teve êxito fiscal nem administrativo. Acredito que o País avançou muito nesses últimos tempos. Fizemos um superávit fiscal maior, o mantivemos e vamos cumpri-lo neste ano. Posso afiançar aqui, de público, que vamos fazer o superávit de 4,25%, talvez um pouco mais. E foi aprovado na LDO que, se nós fizermos um superávit maior, poderemos transferi-lo para o próximo ano como investimento; colocá-lo no PPI do ano de 2007.

Então, vamos continuar. Muitas vezes, ouvi desconfianças quanto à capacidade do Governo de realizar o primário. Ao longo desses anos e mesmo quando entrei no Ministério, não faz muito tempo, vários analistas diziam que eu não iria cumprir o superávit primário. No entanto, nós o cumprimos, rigorosamente, todos os meses. E vamos entregar o superávit primário mais uma vez.

Portanto, acredito que já deveríamos ter um crédito de confiança, de que continuaremos cumprindo o superávit. Tomaremos as medidas necessárias para que isso aconteça, controlando o gasto corrente, cortando gastos supérfluos, mantendo uma vigilância permanente sobre gastos que muitas vezes ocorrem se nos descuidarmos. Não nos podemos descuidar. Precisamos manter uma vigilância diuturna sobre isso, e o faremos.

Em relação ao projeto de PPP, concordo que os senhores deram uma contribuição importante para melhorá-lo. Reconheço isso aqui, de público. É claro que isso trouxe uma certa demora na tramitação, porque o projeto foi aprovado, se não me engano, no final de 2004. Agora, a memória me falha, mas acho que, no fim de 2004, finalmente foi aprovado. Então, o projeto, certamente, saiu daqui muito melhor do que entrou, quando nós o mandamos. Foi aperfeiçoado e não é fácil implementá-lo.

Temos as primeiras PPPs. Inclusive, há uma aqui, estadual, de R$3,8 bilhões, pelo que fui informado. Deu entrada aqui nesta Casa, vinda do Governo de São Paulo, e outras acabarão aparecendo. Daqui para frente, teremos uma rapidez maior, porque todas as regulamentações necessárias foram feitas, e o sistema poderá funcionar, agora, com mais agilidade.

Eu não sei se consegui responder todas as questões. O senhor me colocou aqui um conjunto muito grande de questões, e procurei respondê-las objetivamente. Mas teremos ocasião de continuar o nosso diálogo, para atestarmos se isso que estamos falando é realidade ou não.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito bem, Sr. Ministro. Eu serei tópico, agora, na réplica, para dizer que discordo de V. Exª quando diz que não estamos trilhando o caminho do México, até porque estamos aquém daquele país. O México tem apresentado um histórico de inflação, na média, mais baixa do que a do Brasil, e o crescimento tem sido um pouco maior. E nenhum dos dois é satisfatório. Estamos os dois, México e Brasil, muito aquém dos RICs - Rússia, Índia e China. E o Brasil tem uma democracia consolidada, o que é uma senhora vantagem comparativa em relação a países concorrentes nossos.

V. Exª, Sr. Ministro, referiu-se ao episódio de 2002. Não quero retornar a nenhuma discussão passadista, mas o grande fato é que muitas das dificuldades enfrentadas pela equipe econômica do seu Governo e pelo Presidente Lula, em 2003, se deveram a histórias de lutas do Partido do Presidente, a frases, a posições históricas do PT e do próprio Presidente, que, sem dúvida alguma, trouxeram nervosismo aos mercados e insegurança à economia brasileira. A inflação não explodiu no final do Governo Fernando Henrique porque o Presidente, de repente, entortou a cabeça. Ela explodiu na iminência da vitória do Presidente Lula, apesar do compromisso sensato exposto na “Carta aos Brasileiros”.

V. Exª disse, também, que ela vai continuar caindo. Quero até discordar. Não precisa nem cair mais, porque 3% está muito bom. No ano que vem, será um pouco maior, e não faz mal que seja um pouco maior, enfim. Ela não tem como cair mais, sob pena de sacrificarmos o crescimento econômico que julgo possível.

Neste ano de 2006, parece que eu acertei - V. Exª reconhece isso. No entanto, espero errar agora. Espero estar errado. Espero que V. Exª acerte e que, portanto, a razão lhe assista desta vez.

V. Exª se referiu também à questão do crédito. Considero que temos um perfil de crédito ruim. Devemos fazer o que tem sido feito pouco: crescer na perspectiva da produtividade sistêmica da economia. Isso, sim, é que nos vai dar a possibilidade de ascendermos um degrau a mais na busca do crescimento que é desejado por V. Exª, por mim e por todos nós.

Continuo dizendo que não vejo que o Governo - V. Exª certamente entende - compreenda a necessidade da independência das agências. Não é o que observo nas agências, não é o que percebo nelas, não é o que ouço dos seus dirigentes.

Quando se fala em reformas, pensei que o Presidente da República, eleito de maneira tão consagradora, dissesse: “Não sou candidato a mais nada. Vou apresentar um leque de reformas e vamos ver o que vai acontecer”, quem sabe até enfrentando impopularidades setoriais. Todavia, estou sentindo o Presidente e, a partir do Presidente, o Governo, ambos, evasivos, porque não tocam nas reformas essenciais. Com base nisso, remeto à idéia de que temos um nó fiscal. Vimos o PIB crescer, nos quatro anos do Presidente Lula, 2,6% em média, ao passo que os gastos correntes cresceram à razão de 9%, 10%. Não há como sustentar uma economia desse jeito. Dou-lhe um exemplo: nos últimos oito anos, o Brasil cresceu 4,4% em 2000, no Governo Fernando Henrique Cardoso; e 4,9% em 2004, no Governo Lula.

Logo, estamos vendo, por oito anos de experiência, que as condições não estão postas para se crescer sequer conforme a média, entre 4,9% e 4,4%, por quatro anos seguidos. Ou seja, nós precisamos fazer reformas.

E, ainda, Sr. Ministro, se V. Exª for falar um pouco mais, gostaria de saber quais são os projetos microeconômicos que estão na cabeça e na pauta de sua equipe.

Em relação às PPPs, vimos entrar um projeto de São Paulo. Eu me referi muito a uma certa inércia federal. Cobraram-nos pressa, e nós procuramos responder a isso com consciência, com conseqüência, e o Governo Federal não foi capaz de tirar do papel uma só PPP. É a crítica de um líder de oposição? É, e é o meu papel fazer a crítica, é o meu papel criticar, mas trata-se sobretudo da frustração de um brasileiro, porque eu não quero o país dos meus filhos - e eu tenho um neto lindo de sete meses -, eu não quero o país do meu neto dando errado. Eu quero que o país do meu neto dê certo.

É de se fazer uma autocrítica. O Presidente fala em destravar, e eu digo que há algo que precisa ser desemperrado no que me parece também um certo nó administrativo. Vejo um Ministério pouco operacional, um Ministério que arregaça pouco as mangas, um Ministério que, a meu ver, é obscuro. Não conseguimos relacionar os nomes dos Ministros - teria de se fazer um concurso como o do J. Silvestre do passado, aquele “O céu é o limite”, para se ter os nomes dos Ministros todos. O Ministério está longe de responder, a meu ver, àquilo que a Nação está a esperar de um Governo eficaz. Espera-se, a partir da ação administrativa dos Ministros, com muito ou pouco dinheiro nas mãos, que eles façam, cada um deles, crescer um pouco o Produto Interno Bruto do País, ao fim e ao cabo.

E V. Exª ficou a me dever a resposta sobre a origem do dinheiro para nós sustentarmos os projetos que, só na área dos transportes, segundo o Ministro Passos, demandariam R$12 bilhões/ano - só na área dos transportes.

Em outras palavras, percebo que o Governo - aí há contradições, sim -, na questão fiscal, deixou a desejar, poderia ter sido melhor. Fico tranqüilo quando V. Exª me diz que vai manter o superávit primário e que ele poderá ser até um pouco maior, porque isso é essencial para termos sob controle a relação dívida pública/PIB. Compreendo a angústia de alguns que dizem ser melhor ter um superávit menor, mas eles não percebem que, se assim for, dispara a relação dívida pública/PIB e, com isso, teríamos condições piores para colocar nossos títulos e, conseqüentemente, dificuldades para sustentar o crescimento da economia.

Eu me dou por satisfeito.

Não sei se V. Exª vai dizer mais alguma coisa, mas eu lhe chamo a atenção para o fato de que percebo o Governo evasivo em dois aspectos capitais: agências reguladoras - não me parece que compreenda perfeitamente o papel das agências - e reformas estruturais. O Governo tergiversa. Por exemplo, parece que falar na chamada reforma da Previdência queima a língua do Governo. O Governo fala da reforma tributária, mas sabemos que a reforma tributária pode sinalizar para baixo - como, aliás, era intenção do Senado Federal no projeto que hoje está empacado na Câmara dos Deputados -, com alguma queda de taxa, se satisfeitas algumas precondições macroeconômicas, mas sabemos também que não dá para se sustentar o Brasil milagrosamente com uma carga tributária muito menor que a que temos, que está fechando o ano, absurdamente, em mais de 38%. Essa carga é extremamente pesada, comprime a vida da classe média, e faz com que o investidor pense duas vezes. O Brasil precisaria se tornar mais atrativo do que é para o IED, investimento estrangeiro direto. Temos de fazer a reforma tributária, mas não podemos esperar milagres de curto prazo dela.

Agora, outras sinalizações podem vir. Por exemplo, leis trabalhistas. Eu deploro o Getúlio Vargas ditador - eu não tolero ditadura -, mas reconheço o Getúlio Vargas estadista, aquele que aderiu aos Estados Unidos e à guerra dos aliados contra o Eixo nazi-fascista, aquele que soube criar a Companhia Siderúrgica Nacional, aquele Getúlio Vargas que soube ganhar pontos impressionantes na negociação com os Estados Unidos. Considero que Getulio Vargas era um estadista, sim. Se ele fosse Presidente hoje, ele não hesitaria em propor alterações fundamentais na legislação trabalhista, porque ela caducou. Ela supostamente garante os direitos de alguns, e isso está arraigado na sociedade, como ficou arraigado naquela mediocridade do debate televisivo dos presidenciáveis que as privatizações foram muito ruins, mas estou vendo o Governo enviar uma série de mensagens sobre privatizações agora. Hoje, vamos discutir o IRB. Sou a favor de darmos um jeito de quebrarmos o monopólio do IRB. Eu preferiria privatizar o IRB, como queria o Ministro Palocci, como queria o economista Marcos Lisboa.

Muitos milhões de brasileiros não trabalham, porque temos uma enorme rigidez no momento de contratar e de demitir. Para ficar em um exemplo somente: todos os países mais desenvolvidos do que nós sob o ponto de vista econômico flexibilizam as relações de contratação e de demissão. Getúlio Vargas, se fosse Presidente hoje, não hesitaria em mudar aquilo que o outro Getúlio Vargas criou no passado, e criou acertadamente no passado.

Não sei se V. Exª tem alguma consideração a mais a fazer. De qualquer maneira, eu o cumprimento e digo da honra que tive em debater com V. Exª. Para mim, sem dúvida alguma, travou-se um debate qualificado sobre a economia brasileira.

 

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Antes de conceder a palavra ao Ministro Guido Mantega, eu gostaria de lembrar à Casa, sobretudo aos que estavam ausentes no início desta sessão, que o Ministro fez questão de dizer que seu tempo era exíguo porque estava ultimando as medidas que serão anunciadas. O Ministro tem pouca disponibilidade agora, mas se comprometeu a voltar aqui tão logo as medidas sejam anunciadas e fazer um aprofundamento do debate.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - V. Exª poderia nos anunciar as medidas em primeira mão.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Com a palavra V. Exª.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Senador, se eu anunciar em primeira mão, serei demitido, porque caberá ao Presidente Lula anunciar essas medidas; eu ficaria em uma saia justa.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Diga-nos em off então!

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Então, que os jornalistas, por favor, fechem as câmeras!

Aproveito para dizer que esse conjunto de medidas trará resposta à origem dos recursos que V. Exª mencionou, os recursos necessários para a área de transportes e outros setores. Não posso antecipar as medidas, mas é possível dizer-lhe que serão contemplados esses novos investimentos.

Eu me esqueci de responder à pergunta que V. Exª havia feito sobre as agências reguladoras. A filosofia do Governo é que as agências reguladoras sejam de fato autônomas, independentes do Governo - aliás, assim dispõe a legislação -, mas é preciso que fique muito clara a atribuição das agências e a do Governo. As agências não são apêndices do Governo, mas não lhes cabe a formulação das políticas do setor. Cabe-lhes, sim, fiscalizar e zelar para que as políticas - por sinal, definidas pelo Executivo e pelo Legislativo - sejam cumpridas. Elas devem zelar para que os modelos regulatórios sejam observados pelos concessionários. Essa é a função das agências reguladoras. Nós, agora, permitimos concursos nas agências e estamos dando mais recursos para que elas tenham mais autonomia financeira. Portanto, acredito que estamos caminhando para uma situação mais clara quanto ao papel das agências e de sua relação com o Executivo. É isso que pensamos a respeito das agências. Elas têm de ter autonomia para zelar pelo cumprimento de regras e normas, para fiscalizar e punir quando necessário.

Parece-me, inclusive, que há um projeto tramitando no Congresso a respeito das agências reguladoras.

Em relação ao IRB, o que houve foi a abertura do mercado para outras empresas, para que o setor privado atuasse na área de resseguros. Nós sabemos que o seguro, no Brasil, é muito limitado. Então, a abertura é uma medida necessária que defendo publicamente aqui. O IRB continuará funcionando, é importante que o setor público esteja presente, porém o setor privado tem total liberdade para entrar e fortalecer o setor de seguros no Brasil.

O Governo tem, sim, o propósito de implementar várias reformas. Posso mencionar algumas delas: a reforma política, que é muito necessária - acredito que V. Exª concorde com isso -; a reforma tributária, que já foi mencionada; e a questão da reforma trabalhista. V. Exª mencionou aqui Getúlio Vargas. Nós temos ainda algumas leis, alguns dispositivos que vêm da época desse Presidente, desse estadista que governou o Brasil - a exemplo de V. Exª, que mostrou sua admiração por ele, admiro-o também.

O senhor falou do crédito no Brasil. Posso lhe dizer que, nos últimos quatro anos, vem acontecendo uma verdadeira revolução do crédito no Brasil, embora ainda aquém das nossas necessidades. O Brasil teve um aumento expressivo em todas as modalidades de crédito e particularmente no crédito à pessoa física, no crédito pessoal, que cresceu mais de 100% nesse período.

Voltamos ao mesmo patamar de 1994, que foi um período particularmente favorável ao crédito, na ocasião do Plano Real. Já voltamos a esse patamar quanto ao crédito da pessoa física. Estamos aumentando as várias modalidades de crédito. Hoje, o Brasil tem mercado de capitais; não é mais aquele mercado especulativo que tínhamos no passado. Hoje, é um mercado regrado, maduro, que permite a expansão do crédito.

Por fim, queria mencionar, V. Exª se referiu ao período de 2002, eu não me havia referido. Se fiz, não percebi a minha referência a 2002.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Fez.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Mas já que V. Exª falou de 2002, de fato, a presença do Presidente Lula no pleito de 2002 atribuía algum nervosismo ao mercado, certamente porque ele não era o candidato preferido.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - É muito honesto de V. Exª reconhecer isso.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Porém, quero lhe dizer que não é a isso que se deve a situação do Brasil, a instabilidade que o Brasil possuía em 2002. Vou relembrar que, em 2001, o País teve uma crise no setor elétrico, que causou muita preocupação. Também tivemos o default da Argentina, em 2001, que tumultuou os mercados. Portanto, em 2002...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Mas qual foi a inflação de 2001?

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - ... o Brasil tinha déficit de transações correntes. Éramos muito mais vulneráveis em termos do setor externo. E isso é FUNDAMENTAL, Senador.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - O déficit veio sendo reduzido!?

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Déficit de transações correntes...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Vem sendo reduzido!?

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) -... Tínhamos um desempenho oficial muito acanhado...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Que está na evolução também.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Isso não se devia evidentemente à Oposição, que éramos nós naquela época, mas à gestão do Presidente anterior. Portanto, não é nossa responsabilidade

O nosso quinhão a gente assume, que era um pouco de nervosismo, que foi aplacado com aquela Carta aos Brasileiros estabelecendo certos compromissos. Porém, não fomos nós que levamos o País ao Fundo Monetário certamente. E, fundamentalmente, pela vulnerabilidade externa. Havia 15 bilhões apenas em reservas quando o Presidente assumiu o Governo, e era porque havia déficit em transações correntes.

Hoje, a nossa situação é muito mais favorável. É claro que houve contribuição do Governo anterior também de medidas que foram tomadas. Todo Governo se beneficia de medidas de Governo anterior, porém, hoje, a situação é muito diferente daquela época, e apostamos muito no comércio exterior, inclusive com a presença do Presidente Lula. O Presidente Lula fez questão, ele mesmo, de viajar, abrir novos mercados e fazer novas parcerias para o País.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Sem interrompê-lo, Senador Arthur Virgílio, gostaria de indagar do Ministro qual o tempo que dispõe para que possamos organizar as intervenções, fazê-las em bloco se necessário, mas que S. Exª ficasse inteiramente à vontade para organizarmos melhor o andamento desta sessão.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Presidente Renan Calheiros, na verdade, saí de uma reunião que estava decidindo uma parte dessas medidas, isso porque eu não poderia deixar de vir aqui em função de um compromisso assumido com os Srs. Senadores. Mas saí numa situação constrangedora, porque estavam discutindo salário mínimo e questões dessa relevância. Peço vênia para que possa me retirar o mais rapidamente com o compromisso de voltar aqui com todo o tempo disponível para fazermos este elevado debate que estamos tendo e poder aprofundar mais as questões, numa oportunidade em que as medidas que já estamos gestando estejam definidas, de modo que possa discuti-las, explicá-las e aprofundá-las com os senhores.

Então, peço desculpas aos senhores e peço licença para poder me retirar; caso contrário, não conseguiremos fechar as medidas que gostaríamos de anunciar em breve.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Sr. Ministro.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2006 - Página 39315