Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com efeitos da corrida pelo etanol brasileiro.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Preocupação com efeitos da corrida pelo etanol brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2007 - Página 6022
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • APREENSÃO, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, PRODUÇÃO, ALCOOL, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, BRASIL, SUSPEIÇÃO, AUMENTO, INVESTIMENTO, TECNOLOGIA, SUBSTITUIÇÃO, TRABALHADOR RURAL, NEGLIGENCIA, MANEJO ECOLOGICO, TERRAS, PLANTIO, CANA DE AÇUCAR, OBJETIVO, FACILITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, LUCRO.
  • HISTORIA, INICIO, LAVOURA, CANA DE AÇUCAR, BRASIL, EVOLUÇÃO, INDUSTRIA AÇUCAREIRA, ABANDONO, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO, SETOR, ATUALIDADE.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, IRREGULARIDADE, SITUAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, LAVOURA, CANA DE AÇUCAR, REGISTRO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, MINORIA, USINA AÇUCAREIRA.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento em que o mundo se volta para o álcool brasileiro como alternativa energética, penso ser da maior importância abordar algumas preocupações preventivas, principalmente quando percebemos uma exacerbação da cobiça em relação às possibilidades de lucros extraordinários que se calculam.

Inicio esta reflexão, lembrando que a cana-de-açúcar foi responsável pelo primeiro ciclo econômico organizado da História do Brasil, nos séculos XVI e XVII, ainda no Brasil Colônia. Também não posso deixar de mencionar que esta indústria também foi a principal responsável pela vergonha da escravidão negra.

Durante dois séculos, o açúcar extraído da cana foi o principal item do comércio mundial e o grande embaixador brasileiro. Entretanto, por falta de planejamento, esse ciclo foi interrompido pelo desenvolvimento de novas tecnologias de produção de açúcar, principalmente a partir da beterraba, por parte dos holandeses.

No princípio, houve grandes dificuldades para instalar a indústria do açúcar. Faltava dinheiro para montar as moendas, comprar navios para transportar os equipamentos e sustentar a fazenda até que a produção do açúcar desse lucro, além da preocupação com o refino e a comercialização desse produto. Os holandeses surgiram, então, como financiadores, transportadores e negociadores do nosso açúcar no mercado europeu, o principal mercado daquela época.

Podemos dizer que os holandeses foram os que mais lucraram com a exploração de nossa riqueza naquele período. Assim mostra a história: foram os holandeses que viabilizaram o primeiro ciclo da cana-de-açúcar, foram os holandeses que mais lucraram com a nossa produção de açúcar e foram os mesmos holandeses que se encarregaram de desenvolver a nova tecnologia que levou ao fim de nosso domínio no comércio mundial desse produto.

É muito importante aprender com a nossa própria história. Um aprendizado que não podemos esquecer é a experiência do Proálcool. Entre 1973 e 1989, o Estado brasileiro investiu mais de US$7 bilhões como subsídios para o desenvolvimento industrial de álcool combustível. Além disso, o programa contou com a obrigatoriedade de a Petrobras comprar toda a produção e contou com incentivos para a indústria automobilística produzir carros movidos a álcool. Apesar de todo esse esforço, a sociedade brasileira, que investiu no programa, acreditou e comprou os carros, quando o mercado de petróleo se estabilizou e os preços do açúcar no mercado internacional se mostraram mais interessantes, a indústria sucroalcooleira não se constrangeu em abandonar a produção de álcool, deixando mais de quatro milhões de carros sem alternativa.

Atualmente, no início de século XXI, a cana-de-açúcar volta a nos oferecer a possibilidade de um novo ciclo virtuoso. 

Vemos uma verdadeira corrida de megainvestidores e megaespeculadores em direção ao álcool brasileiro. Assim como os holandeses no século XVI, os norte-americanos se oferecem como os financiadores e os negociadores do álcool do nosso País. Entretanto, simultaneamente, os mesmos investidores financiam pesquisas que visam desenvolver novas fontes e novas formas de produção de energia.

Temos de tomar muito cuidado para que a história não se repita, para evitar que, assim como ocorreu com os holandeses, não sejam os norte-americanos que venham a ficar com os grandes lucros de nossa produção de energia, enquanto desenvolvem as tecnologias que, mais cedo ou mais tarde, irão substituir o nosso álcool.

Outra grande lição que devemos extrair da história diz respeito aos trabalhadores da indústria da cana-de-açúcar.

No passado, toda a produção se baseou no trabalho escravo, submetendo seres humanos às piores condições de vida que se possa imaginar.

Atualmente, percebemos que no setor sucroalcooleiro subsistem relações trabalhistas bem díspares.

Todos os anos, no período do corte da cana, chegam-nos notícias que denunciam as condições subumanas a que estão expostos os trabalhadores na colheita. Além das freqüentes denúncias e autuações pelo Ministério do Trabalho da prática de trabalho escravo, muitas matérias nos dão notícia, inclusive, da morte de trabalhadores por exaustão, dadas as condições extremas de trabalho. Segundo o Procurador do Trabalho Aparício Salomão, em três anos, 17 cortadores de cana morreram por exaustão nos canaviais do Estado de São Paulo.

Por outro lado, no mesmo Estado de São Paulo, tive a oportunidade de visitar usinas em que os trabalhadores são respeitados e a relação de trabalho é correta.

Sabemos, também, que a produção da cana ocorre em ciclos semestrais. São seis meses de safra, quando se faz a colheita, e seis meses de entressafra.

Tradicionalmente, o setor emprega trabalhadores temporários, conhecidos como bóias-frias, para o período da colheita. Tais trabalhadores não têm nenhuma assistência, recebem por produtividade e, em função disso, submetem-se aos mais rigorosos sacrifícios para garantir um ganho um pouco maior. São freqüentes os casos de mutilação e, até, mortes por exaustão. Nos seis meses que se seguem, aqueles trabalhadores ficam desempregados - ou subempregados - e voltam para suas regiões de origem.

Nas usinas que conheci, a relação de trabalho é muito diversa, infinitamente mais respeitosa. Não existem mais os bóias-frias. São trabalhadores com carteira assinada, com vínculos empregatícios de longo prazo.

A própria empresa encarregou-se de organizar cursos de alfabetização e cursos técnicos, de tal maneira que os trabalhadores exercem duas funções: durante a safra trabalham no corte da cana e no período da entressafra são responsáveis pela manutenção de todos os equipamentos das usinas.

Na entressafra, todo o maquinário da usina é completamente desmontado e cada peça passa por revisão e manutenção. Todo esse trabalho é feito pelos próprios trabalhadores que durante a colheita fizeram o corte da cana. Tais trabalhadores participaram de cursos técnicos e foram preparados para desempenhar tarefas da maior importância para as usinas. Desta forma, todos os trabalhadores têm empregos permanentes. 

Além disso, estão garantidos: planos de saúde, assistência escolar, clubes e programas de lazer para os trabalhadores e suas famílias.

Diferentemente do que alguns querem fazer crer, essa relação de trabalho não encarece os produtos finais. Tanto que a empresa é uma das mais consolidadas no mercado sucroalcooleiro. Infelizmente, essa é uma exceção, pois a grande maioria dos canavieiros trabalha em condições precárias, para não definir de outra forma.

Ao longo da semana, com a proximidade da visita do Presidente dos Estados Unidos, a imprensa tem dado grande destaque ao Acordo Bilateral que está em fase de discussão entre o Brasil e aquele país. Informam-nos do grande interesse e do grande volume de recursos que podem estar desembarcando nos próximos momentos em nosso País.

Certamente, serão recursos muito bem-vindos. Entretanto, dada a história das relações de trabalho na indústria da cana-de-açúcar, gostaríamos de levantar uma grande preocupação.

No mundo dos grandes negócios sempre se esperam grandes lucros em muito pouco tempo. Considerando que os investidores que ora se apresentam para financiar o desenvolvimento da indústria da cana estão simultaneamente financiando pesquisas para novas tecnologias, ocorre uma pergunta imediata: qual o compromisso desses investidores com a qualidade dos empregos que serão gerados e com a qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros?

Que tipo de relação trabalhista se estabelecerá: do tipo secular, inspirada no trabalho escravo, ou será uma relação moderna, com respeito aos direitos e à dignidade dos trabalhadores?

Encerrando, vou lembrar uma última preocupação, relativa à capacidade produtivas de nossas terras e os riscos da monocultura.

Nesta usina que tive a oportunidade de conhecer, fui informado de que se pratica um manejo de terras visando à recuperação da capacidade produtiva.

Durante um espaço de tempo, um talião de terras, correspondente a 20% de todas as terras cultivadas, fica em “descanso”. Outros 20% entram em fase de recuperação por meio de outras culturas, tais como feijão, amendoim, soja etc. O restante das terras é utilizado na cultura da cana de açúcar. Por meio desse manejo, é possível evitar a exaustão e minimizar os males da monocultura.

Há que se perguntar: considerando que os investidores estão vindo para o Brasil preocupados unicamente com o lucro imediato e já de olhos voltados para as novas fontes de energia que substituirão a cana de açúcar, estariam dispostos a fazer os investimentos necessários para combater os males da monocultura? Estariam preocupados para em garantir a cultura dos alimentos necessários aos brasileiros?

Por fim, destaco que meu pronunciamento nesta tarde visa chamar a atenção para a relevância de um planejamento antecipado e criterioso neste novo ciclo da cana de açúcar que se anuncia.

Planejamento para evitar surpresas desagradáveis quando da substituição da energia da cana de açúcar por outra forma de energia - fato que certamente ocorrerá em poucas décadas, dado os avanços da ciência nesta área.

Planejamento para evitar os males da monocultura.

Planejamento para evitar problemas na produção e no abastecimento de alimentos.

Planejamento para evitar problemas no abastecimento de combustíveis.

Planejamento para evitar a exploração do trabalhador brasileiro.

Planejamento para que os lucros desse novo ciclo sejam acumulados e distribuídos de forma justa e sirvam para melhorar a condição de vida de todos os brasileiros, em vez de ser apenas mais uma forma de acumulação de riquezas de megaespeculadores.

Sr. Presidente, digo isso porque vejo diariamente a grande preocupação, principalmente aqui no Senado Federal, com esse setor. Acho que nada mais justo do que nos preocuparmos em apresentar idéias as mais construtivas possíveis e de longo prazo para o benefício de nossa Nação ante esse desafio.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2007 - Página 6022