Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Aparteantes
César Borges, Eduardo Suplicy, Geraldo Mesquita Júnior, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2007 - Página 6134
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DIA INTERNACIONAL, LUTA, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEBATE, LIBERDADE, ACESSO, EDUCAÇÃO, DIREITOS, CIDADANIA, IGUALDADE.
  • REGISTRO, HISTORIA, ESCRAVATURA, NEGRO, BRASIL, LUTA, DIREITOS, ANUNCIO, COMISSÃO TEMPORARIA, SENADO, QUESTIONAMENTO, SITUAÇÃO, POSTERIORIDADE, ABOLIÇÃO, BUSCA, INCLUSÃO, DESCENDENTE, ESCRAVO, CONCLAMAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, PROJETO, BENEFICIO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ACESSO, UNIVERSIDADE, CRIAÇÃO, FUNDO NACIONAL, IGUALDADE, RAÇA, IMPLEMENTAÇÃO, ESTATUTO, RESPEITO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, TITULO, TERRAS, QUILOMBOS.
  • EXPECTATIVA, URGENCIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRECIAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA.
  • COMENTARIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEBATE, NEGRO, CANDIDATO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, QUESTIONAMENTO, ORADOR, CONSCIENTIZAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, BRASIL.
  • ELOGIO, ATLETA PROFISSIONAL, FUTEBOL, MOBILIZAÇÃO, LUTA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, RAÇA, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, o Senador Renan Calheiros, no dia de ontem, aprovou aqui que a primeira hora do chamado Horário de Comunicações Parlamentares seria destinada ao Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Nesse sentido, eu havia me inscrito, como informei ao Senador Mão Santa, mas vou tentar sintetizar meu pronunciamento.

            Por iniciativa do Presidente Renan Calheiros, o dia de hoje, no plenário do Senado, será destinado aos debates relacionados ao Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

            Começo meu discurso, falando da importância da palavra “liberdade”.

Liberdade, essa palavra

Que o sonho humano alimenta

Que não há ninguém que explique

E ninguém que não entenda

Cecília Meireles.

            Por que é tão importante a palavra “liberdade”?

            Ser livre não é apenas fazer o que achamos melhor. Para ser livre, dizem os estudiosos, o ser humano precisa impedir que o meio o impeça de conquistar a liberdade. Ser livre pode ser entendido como ser respeitado, como ter acesso à educação, ter direitos e deveres, poder ter uma vida digna. Enfim, ser livre é ter direito à cidadania e à igualdade. É sermos, de fato, todos iguais, mesmo sendo diferentes nos mais diversos aspectos.

            Sr. Presidente, a conquista da liberdade está ligada à conquista de direitos. Por isso, quero lembrar que, no Brasil, Senador Mão Santa, em 13 de maio de 1888, os negros foram alforriados. Era a conquista da tão almejada liberdade. Porém, após a assinatura da Lei Áurea, os negros e os brancos que lutaram pela liberdade perceberam que a tal liberdade veio, mas não os direitos pretendidos com a abolição da escravatura. E, sem direitos, a situação das pessoas não melhorou. A liberdade não era completa.

            Desde então, os negros no Brasil vêm lutando para terem seus direitos reconhecidos. Por essa razão, com essa abolição inconclusa, propusemos - e foi uma iniciativa do Senador Cristovam Buarque e do Senador Mesquita Júnior, que preside a Subcomissão da Igualdade Racial - que se criasse uma comissão temporária para discutir as questões relativas aos negros nesses 120 anos - vamos completar no próximo ano - depois dessa abolição não concluída. Para tanto, também assinei o documento, com muito orgulho.

            Nosso objetivo, Senador Mão Santa, é traçar caminhos neste ano - e esperamos que a comissão seja instalada no próximo dia 13 de maio - para permitir efetivamente aos afrodescendentes a inclusão social, cultural, econômica e política. A idéia é que essa comissão envolva também o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.

            Sr. Presidente, uma das formas de combatermos o racismo, aqui e no mundo, no meu entendimento, passa por momentos como este. De hoje, 21 de março, até maio de 2008, queremos ver aprovados projetos importantes para a comunidade negra. Rapidamente, eu poderia destacar matérias tais como o PL nº 73/99, da Deputada Nice Lobão, que dá o corte racial e social, a fim de que os filhos dos pobres, dos negros, dos brancos e dos índios tenham acesso à universidade; ou a PEC de nossa autoria que cria o Fundo Nacional da Promoção da Igualdade Racial ou o Estatuto da Igualdade Racial. Os Senadores Rodolpho Tourinho, César Borges e a Senadora Roseana Sarney foram os Relatores no Senado, e o projeto foi aqui aprovado, por unanimidade. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ali está assegurado o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde; o respeito às culturas, à educação, ao lazer, ao esporte, enfim, a tudo aquilo que interessa à população negra. Ali está assegurada a titularidade para os remanescentes dos quilombolas, a fim de que tenham acesso à terra. Também está assegurado o direito à liberdade de consciência e de crença dos afrobrasileiros quanto às religiões de matriz africana praticadas no Brasil, inclusive na Bahia, Senador César Borges. Lá fizemos, então, um grande entendimento quanto à redação. Hoje, o Estatuto está na Câmara dos Deputados, e espero que seja aprovado ainda este ano.

            Concedo, com satisfação, um aparte ao Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, sabiamente V. Exª chama a atenção para essa luta pela liberdade e contra o preconceito racial. V. Exª é herdeiro dessa luta, porque os lanceiros negros, na Farroupilha, deram a maior demonstração de luta pela liberdade. Mas a liberdade vem sendo conquistada. Aqui mesmo, no Congresso, em 1779, o nordestino Joaquim Nabuco, como V. Exª, defendia essa luta. Naquele tempo, Senador Geraldo Mesquita, logo depois de Sinimbu, assumia como Primeiro-Ministro o Sr. José Antônio Saraiva, que disse a Joaquim Nabuco que o admirava muito e que não o convidava para ser Ministro, porque ele era da Oposição, da Minoria. Ele, então, disse: “Solitária!”. Ele bradava! Ele não conseguiu, pelo poder político e econômico, reeleger-se, mas foi para a Europa, para Londres, onde foi consagrado. Ele comemorou quando os primeiros escravos brasileiros foram libertados no Ceará. Depois, veio V. Exª. Mas, hoje, entendo que esse preconceito, se não está acabado, apresenta outro lado. Todos nós Senadores aplaudimos V. Exª, a cor negra. V. Exª é uma pessoa proeminente, a quem todos nos curvamos. V. Exª, como outras figuras brilhantes, a exemplo de José do Patrocínio, acabaram com esse preconceito. No entanto, entendo que há outra liberdade, a liberdade econômica, sem a qual todas as outras sucumbirão. E é hora de todos lutarmos por outra bandeira, o trabalho, que propicia a liberdade econômica. A liberdade foi a bandeira levantada por Joaquim Nabuco, pelos lanceiros negros. Agora, nossa bandeira, defendida por V. Exª, é a do trabalho e a do trabalhador. É essa bandeira que leva à liberdade econômica, sem a qual não existe qualquer outra. E estamos aqui para acompanhá-lo em qualquer luta. V. Exª é nosso general, como Joaquim Nabuco foi o general do Nordeste na luta pela libertação dos escravos, mesmo tendo sido branco, mesmo tendo sido bem educado, mesmo tendo sido um jurista, como o Senador Geraldo Mesquita Júnior.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Sempre insisto neste pronunciamento.

            Estive na Bahia, Senador César Borges, e o Senador Mão Santa esteve comigo em Porto Alegre, onde conquistamos o reconhecimento do primeiro quilombo urbano, o Quilombo Silva. Digo que o conquistamos, porque o Senado esteve lá, apoiando o movimento que, felizmente, deu certo. Hoje, aquelas famílias já estão com a titularidade da terra no centro da capital, em um dos espaços urbanos mais nobres de Porto Alegre.

            Senador Geraldo Mesquita Júnior, V. Exª é o Presidente da Subcomissão de Igualdade Racial. Vou fazer um apelo hoje ao Presidente Renan Calheiros, para que seja aprovada a formação da Comissão Especial, na qual haveremos de trabalhar durante este ano sob a coordenação de V. Exª, para aprovarmos políticas que efetivamente busquem a igualdade racial. Assim, quem sabe, será promulgada em 13 de maio do próximo ano, quando completaremos 120 anos da abolição, como digo, ainda não concluída.

            O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Geraldo Mesquita Júnior.

            O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Senador Paulo Paim, faremos uma grande festa nessa oportunidade. Sei que é meu dever, minha obrigação estar aqui diuturnamente, inclusive no plenário, mas hoje corri para chegar neste horário, porque sabia que V. Exª proferiria esse discurso. Como tenho V. Exª nesta Casa como uma inspiração de homem público, de Parlamentar atuante e comprometido, corri, mas com prazer, para chegar a tempo de aparteá-lo. Estou ombro a ombro com V. Exª, como seu companheiro, para que, a partir da nossa Subcomissão da Igualdade Racial e Inclusão, possamos contribuir mais e mais com a luta contra a discriminação, o racismo, o preconceito. Pergunto a V. Exªs, meus queridos Pares, que aqui se encontram: a Lei Áurea acabou com a escravidão, com o preconceito? Não, Senador Paim, ainda temos essa chaga no nosso País. Ela talvez tenha dado o passo inicial para aqueles que, como V. Exª, se perfilam nessa luta. Uma outra pergunta também me obrigo a fazer: não fosse o trabalho de mulheres e homens como V. Exª, que fazem parte de uma luta incessante, teríamos alcançado o ponto em que estamos? Creio que não, Senador Paim. Por isso é que V. Exª merece nossa atenção, consideração e camaradagem em sua caminhada. A partir da Subcomissão da Igualdade e da Inclusão, coloco-me como seu parceiro, como parceiro de tantos homens e mulheres neste País e neste Parlamento que não permitem que retirem esse tema de seus corações e de suas cabeças, para que possamos avançar cada vez mais, até - quem sabe - sepultarmos completamente essa chaga tenebrosa que separa homens e mulheres no nosso País. O Senador Mão Santa tem razão. Hoje, na audiência presidida por V. Exª, em que se reuniam três Comissões importantes desta Casa, tivemos a notícia de que a média salarial do homem branco no Brasil é um pouco maior que R$1 mil, enquanto que a do homem negro é de um pouco mais de R$400. Então, além de afastarmos o preconceito, que percebemos nitidamente no País, precisamos afastar esse preconceito econômico, que é mortal. É preciso que o tratamento seja equânime, igualitário. Chega de preconceito, chega de discriminação, chega de racismo em nosso País!

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente Alvaro Dias, faço um apelo a V. Exª. Pulei umas quinze folhas, onde tenho todos os dados estatísticos da realidade hoje do homem negro no Brasil, mas quero, para finalizar - sei que o Senador César Borges gostaria de fazer um aparte -, dizer que havia um entendimento com o Senador Renan Calheiros de que usaríamos este primeiro momento da sessão para aprofundar um pouco esse debate sobre um tema tão importante. Se V. Exª permitir, termino meu discurso - são três folhas, mas todas com letras grandes. Pulei todos os dados estatísticos, que não são novidade e, em seguida, passo...

            O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Com a compreensão dos demais Senadores, vamos oferecer a V. Exª o tempo necessário.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Em seguida, permito o aparte ao Senador César Borges.

            Sr. Presidente, a parte final do meu pronunciamento diz o seguinte:

            Para finalizar, quero deixar, Senador Mesquita, um questionamento a todos. Nos Estados Unidos, a campanha presidencial está deflagrada e um Senador negro, Barack Obama, é um dos presidenciáveis. Ele vem chamando a atenção pela sua capacidade. É considerado um intelectual. Porém, um dos seus assessores, o Reverendo Jeremiah, questionado, esta semana, se Obama seria o Presidente, respondeu: “Não. A não ser que Barack consiga fazer nacionalmente o que foi capaz de fazer localmente e conquiste corações e mentes das pessoas que têm sido permanentemente contra os negros”.

            Diz ele, Sr. Presidente: “O racismo é tão profundamente arraigado neste país [refere-se aos Estados Unidos] que ele pode ser perfeito em termos de suas políticas, mas, ainda assim, é um negro neste país, que tem uma triste história em termos de como se vêem os afro-americanos”.

            Diz ele, para terminar: “Apesar de os democratas estarem preparados para mais fé, os Estados Unidos podem não estar prontos para um presidente negro”.

            Senadores, dei como exemplo o caso do Senador americano, considerado um homem preparado, competente e qualificado para exercer a Presidência daquele país, e o que ouvimos de pessoas ligadas a ele foi o que acabei de relatar. A pergunta que faço neste momento - e, em seguida, concederei um aparte ao Senador Suplicy - para reflexão de todos: E se fosse no Brasil, estaríamos preparados para eleger um presidente negro? Essa é a pergunta que fica para reflexão. Onde está o nosso preconceito? Como seria bom se eu pudesse, neste dia dedicado ao fim da discriminação racial no mundo, dizer que sim. Mas não tenho essa segurança.

            Aqui, na nossa Pátria, em nosso querido País, a qualidade de um homem ainda, infelizmente, é medida pela cor da pele. Como todos nós, eu também sonho, e eu sonho com outra realidade. É sobre isso que eu gostaria que todos refletissem.

            Senador César Borges, concedo-lhe um aparte.

            Em seguida, Senador Suplicy.

            O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senador Paulo Paim, em primeiro lugar, quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e pela luta que V. Exª aqui enceta, com tanto entusiasmo, pelo combate à discriminação racial, e em relação a outros temas, como o salário mínimo, em que V. Exª está permanentemente em defesa dos seus preceitos e princípios. E esse, fundamentalmente, é importantíssimo para uma parcela gigantesca da população brasileira, principalmente, eu diria, no meu Estado, que tem uma população negra tão grande, tão importante, tão inserida em toda a vida social, econômica e administrativa da Bahia. É preciso que esse trabalho se dê efetivamente em toda a sociedade, em todos nós. Existe um gap, um débito da sociedade brasileira com a raça negra. Temos, na verdade, de fazer uma reparação por anos a fio de falta de políticas públicas e acabar com a desigualdade social que existe em relação à raça negra. A liberdade foi dada formalmente, mas os escravos trazidos da África foram deixados aqui sem condições de se igualarem aos colonizadores portugueses. Isso, na Bahia, salta aos olhos. Quando se olha a população do nosso recôncavo, verificam-se as diferenças que estão aí há mais de século. É preciso um trabalho efetivo dos poderes públicos para que se mude essa situação. Não é simplesmente porque não há uma discriminação explícita, mas há uma discriminação implícita na sociedade, economicamente, na escolha daqueles que ocuparão os postos de trabalho. Então, parabenizo V. Exª, autor do Estatuto da Igualdade Racial, em que tive uma pequena parcela de contribuição. Relatei-o, se não me engano, na Comissão...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Resolveu a questão do fundo, apontando o caminho.

            O Sr. César Borges (PFL - BA) - O fundo, que trazia inconstitucionalidade. Tive imenso prazer em dar uma pequena parcela de contribuição ao importante projeto de V. Exª, que espero ver implantado, tornando-se uma realidade em nosso País. Acho que esse é um trabalho em que todos nós, homens públicos, temos de estar imbuídos de perseverança em relação às políticas públicas; caso contrário, provavelmente ficaremos mais no discurso do que na prática. Muito obrigado.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço a V. Exª.

            Ouço o Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Paulo Paim, quero cumprimentá-lo por trazer, hoje à tarde, essa reflexão sobre o Dia contra a Discriminação, para que possa o Congresso Nacional avançar na apreciação e votação do Estatuto da Igualdade Racial. Com relação às observações que V. Exª faz na conclusão de seu pronunciamento, recordando a trajetória do Senador Barack Obama nos Estados Unidos, que vem se destacando como um candidato à Presidência da República que avança significativamente em proposições, idéias e respeito junto ao povo norte-americano, e em respeito à perspectiva de, em breve, no Brasil, termos um candidato afrodescendente, quero dizer que também desejo colaborar para que isso se torne uma realidade. V. Exª constitui-se, neste Senado, num exemplo de pessoa que tem sido capaz de se destacar extraordinariamente, seja na questão da igualdade racial, seja na questão do direito das crianças, seja na questão dos direitos humanos. Ainda hoje, V. Exª presidiu a reunião da Comissão de Direitos Humano, em que se discutiu o projeto da Senadora Patrícia Saboya Gomes sobre o aumento da licença maternidade de quatro para seis meses para as mães que trabalham poderem amamentar e cuidar de seus filhos recém-nascidos. São inúmeros os exemplos em que V. Exª tem-se destacado e mostrado como pode realizar um trabalho tão bom como qualquer um dos 81 Senadores. V. Exª se constitui num exemplo formidável para todos os afrodescendentes, os negros e negras, neste País. Gostaria, ainda, de lembrar um outro fato ligado a um negro americano, que é único. V. Exª sabe que, nos Estados Unidos, havia um feriado para cada Presidente, como Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e outros grandes Presidentes. Então, resolveram reunir todos os feriados em um dia só para homenageá-los. Há também um dia de homenagem ao Descobrimento da América, o Columbus Day, em homenagem a Cristóvão Colombo. E, desde então, só há uma pessoa homenageada com um dia de feriado, que é justamente Martin Luther King Júnior, relembrado por sua trajetória extraordinária. Martin Luther King Júnior, se vivo estivesse, possivelmente seria um fortíssimo candidato à Presidência da República. Gostaria, apenas, de colaborar com o seu pronunciamento e com o seu objetivo. Obrigado.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Eduardo Suplicy, muito obrigado.

            Agradeço ao Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, pela tolerância. E concluo, agradecendo também ao Presidente Renan Calheiros, pois eu não estava nem inscrito e S. Exª aprovou, no final da noite de ontem, que o primeiro espaço desta sessão fosse destinado a esta conversa nossa com o Brasil sobre o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

            Tenho certeza de que, no dia de hoje, em todo o mundo, este debate está sendo feito, porque é muito triste para todos nós, Presidente Collor, quando vemos, às vezes, nos campos europeus de futebol, a torcida abrir uma faixa, chamando um jogador brasileiro negro de macaco. Então, acho que este dia tem de ser lembrado, esse movimento tem de ser feito por todos nós que sonhamos tanto com um mundo melhor para todos.

            Quero dizer que também estou muito feliz pela chegada do Romário, que, no próximo domingo, provavelmente fará o gol 1000. Ele tem uma filhinha com Síndrome de Down e virá aqui, hoje, para dar um depoimento em favor das pessoas com deficiência. Ele também é uma pessoa que assume a sua negritude.

            Quero dizer ao Romário, embora ele ainda não tenha chegado - sei que atrasou -, que, para mim, os dois golos que faltam a ele fazer, ele fez hoje, ao vir aqui, na Comissão de Direitos Humanos, no dia de hoje, em que se comemora o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial e o Dia Internacional da Síndrome de Down.

            Parabéns a você, Romário! Parabéns aos brancos e negros deste País!

            Tenho certeza de que este é o nosso objetivo: todos queremos que, um dia, ninguém, ninguém, ninguém seja qualificado ou desqualificado pela cor da pele, mas, sim, pela sua conduta.

            Presidente Collor, um outro dia contarei aquela história da minha greve de fome na Câmara dos Deputados e da sua participação.

            Um abraço a todos.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO PAIM

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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Pronunciamento sobre o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Por iniciativa do Presidente Renan o dia de hoje vai ser destinado aos debates relacionados ao Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Parabéns Presidente!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

            “Liberdade, essa palavra

            Que o sonho humano alimenta

            Que não há ninguém que explique

            E ninguém que não entenda"

            Cecília Meireles

            Liberdade. Se questionarmos sobre esse tema veremos que todas as pessoas dirão o mesmo: ela é necessária e almejada. Ela caminha ao lado da felicidade.

            Mas, e por onde passa a liberdade?

            Ser livre não é apenas fazer o que bem entender sem seguir regras. Para ser livre, dizem muitos especialistas, o ser humano precisa impedir que o meio o impeça de conquistar a liberdade.

            Ser livre pode ser entendido como ser respeitado, como ter acesso à educação, ter direitos e deveres, poder ter uma vida digna. Enfim, ser livre é ter direito à cidadania e à igualdade. É sermos, de fato, todos iguais, mesmo sendo diferentes nos mais diversos aspectos.

            Na nossa visão a conquista da liberdade está diretamente ligada à conquista de direitos, à conquista da igualdade.

            Aqui no Brasil, em 13 de maio de 1888, os negros foram alforriados. Era a conquista da tão almejada liberdade.

            Porém, após a assinatura da Lei Áurea, negros e brancos perceberam que a liberdade foi importante, mas os direitos dos negros libertos permaneceram inexistentes.

            Sem direitos a situação dessas pessoas não melhorou. Ou seja, a liberdade não era completa.

            Desde então os negros no Brasil vêm lutando para terem suas capacidades reconhecidas, para terem as mesmas oportunidades e os mesmos direitos das demais pessoas.

            Foi em razão dessa abolição inconclusa que propusemos a criação de uma Comissão Temporária para discutir as questões relativas aos negros nesses 120 anos pós-abolição.

            Nosso objetivo é traçar caminhos que possibilitem aos afro-descendentes a inclusão social, cultural, econômica e política. A idéia é formarmos uma Comissão que envolva Legislativo, Judiciário e Executivo.

            Sr. Presidente, uma das formas de combatermos o racismo é aprovar esta Comissão ainda no dia de hoje e estabelecer uma parceria com a Câmara dos Deputados.

            De maio deste ano a maio de 2008 queremos ver aprovados projetos importantes para a nação negra brasileira.

            Matérias tais como o PL 73/99, da deputada Nice Lobão, que institui o sistema de cotas nas universidades federais e nas instituições públicas de ensino técnico de nível médio.

            Como a PEC, de nossa autoria, que institui o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial que garantirá verbas para campanhas e políticas voltadas à população negra.

            Há ainda o Estatuto da Igualdade Racial, o PLS 213/03. Já aprovado por unanimidade pelo Senado, ele prevê, entre outras coisas:

o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde;

respeito as atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas aos interesses dessa parcela da população;

que os remanescentes das comunidades quilombolas terão direito à propriedade definitiva das terras que ocupavam;

o reconhecimento do direito à liberdade de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos cultos e religiões de matriz africana praticadas no Brasil;

            Hoje o Estatuto está na Câmara dos Deputados e precisamos nos manter firmes em nossa luta para que a matéria seja votada. Precisamos avançar, nunca regredir ou estancar.

            Sr. Presidente, a aprovação desses três projetos contribuirá para diminuir o quadro dantesco que passo a relatar.

            Como sabemos, em nosso país a parcela negra da população é a mais atingida pelos problemas sociais e econômicos.

            Dados do Atlas Racial Brasileiro, divulgados pelo PNUD em 2004 nos mostram que 65% dos pobres e 70% dos indigentes brasileiros são negros. Números que mantêm uma certa tendência desde a década de 90.

            A pesquisa mostra ainda que, apesar de uma queda nos números de mortalidade infantil, as taxas entre os filhos de mulheres negras ainda é bastante superior as de mulheres brancas, 66% acima.

            A expectativa de vida entre brancos e negros também é bem diferente. Segundo o relatório, uma pessoa negra nascida em 2000 viverá 5,3 anos a menos que uma branca.

            Em relação ao acesso à Saúde, os negros que conseguem atendimento médico são em média 69,7%, contra 83,7% de brancos. A mesma pesquisa nos mostra que a população negra tem maior dificuldade de acesso aos planos de saúde e a tratamento odontológico.

            Uma outra pesquisa, realizada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada “Retrato das Desigualdades: Gênero e Raça”, traz dados semelhantes.

            Mostra-nos que as mulheres negras são as que mais sofrem. São vítimas do racismo e do sexismo. Cerca de 21% das mulheres negras são empregadas domésticas, sendo apenas 23% com carteira assinada. Entre as brancas esses números são 12,5% e 30% respectivamente.

            Em termos de saúde, enquanto 28,73% das mulheres brancas nunca fizeram um exame clínico de mama, entre as negras esse número é de 46,27%L.

            Na área educacional os dados não são diferentes. Apesar de um avanço nos números de combate ao analfabetismo, a disparidade ainda existe. Em 2003, 16,8% dos negros com mais de 15 anos eram analfabetos. Entre a população branca esse percentual era de 7,1.

            Nas Universidades temos apenas 5% de alunos negros. Número bastante pequeno se considerarmos que praticamente metade da população brasileira é negra.

            São também os negros os que entram mais cedo no mercado de trabalho e mais tarde saem dele. Isso leva a um aumento das taxas de abandono escolar.

            As atividades mais precárias e com menor proteção social são desenvolvidas, em sua maioria, por afro-brasileiros. Ao passo que 34,5% dos brancos possuem ocupações com carteira assinada, o número de negros nessa mesma situação é de 25,6%.

            Em relação aos empregadores, enquanto 5,9% são brancos, apenas 2,3% são negros.

            Enfim, as disparidades são muitas, mas não podemos fraquejar.

            Sabemos que nada nos é dado de mãos beijadas. E com a liberdade e a conquista de direitos sobre os quais falávamos não seria diferente.

            Essas conquistas apenas serão possíveis por meio da ação, da luta, da persistência. Coisa que, sabemos, é bastante difícil e pode muitas vezes nos desanimar.

            Mas, é aí que está o perigo. Quando a dificuldade aparece é a hora em que devemos ser mais fortes, pois só enfrentando-as é que poderemos garantir nossa liberdade.

            Muitos podem estar se perguntando a razão do que digo. É simples, hoje, dia que marca a “Luta Internacional contra a Discriminação Racial” precisamos lembrar que nossa batalha deve, a cada dia, intensificar-se.

            Muitos organismos estão buscando meios de extinguir a discriminação racial. Um exemplo é a Organização das Nações Unidas (ONU) que instituiu o período entre 21 e 28 de março como semana Internacional de Luta contra a Discriminação.

            E essa busca deve ser de todas as pessoas e de todos os organismos.

            Pode haver quem diga: “todos os anos é a mesma coisa e nada se altera”.

            É verdade que ano após ano os temas são basicamente os mesmos. Mas não é verdade que as mudanças não ocorram.

            Elas acontecem sim, porém, como são mudanças profundas - que mexem com conceitos e pré-conceitos individuais e coletivos-, demoram a serem vistas. E, é justamente quando pensamos que nada acontece que a luta deve ser intensificada.

            Podemos citar alguns avanços: a Lei 10.639 de 2003, que determina a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo da Rede de Ensino, é um deles.

            Temos também tramitando na Câmara dos Deputados o projeto 6418/05, de nossa autoria, que determina que os crimes de racismo sejam imprescritíveis e inafiançáveis.

            Como podemos perceber, alternativas e ações para alterar a situação do negro brasileiro estão sendo apresentadas.

            Precisamos alterar coisas que podem parecer bobagens para muitos, mas, são as pequenas mudanças que geram as grandes.

            Digo isso porque, por exemplo, em um dicionário renomado, ao olharmos a definição da palavra “negro” encontraremos entre diversos outros significados, o seguinte: “escravo”.

            Uma definição preconceituosa, pois o regime de escravidão sempre existiu, independente de nações e de etnias. No Brasil os índios e negros já foram escravizados e até hoje pagam por isso. Seja em relação aos seus direitos, seja em relação aos inúmeros preconceitos que enfrentam.

            Tal definição não deveria existir. Ou, se persistisse, deveria vir acompanhada de uma explicação científica de que no Brasil muitos pensam em negros ao ouvir a palavra “escravo” porque nosso país usou por um longo tempo a mão de obra de negros escravizados.

            Uma bobagem? Não. Apenas a cobrança de que o estereotipo seja abolido dando lugar a verdade.

            Não podemos apagar o passado de nosso país, nem queremos. O que buscamos é modificar o pensamento em relação às nações negras e indígenas.

            E vamos mais além. Hoje, dia em que no mundo todo estamos buscando formas de eliminar a discriminação racial não buscamos defender apenas os direitos de negros e índios.

            Queremos também eliminar preconceitos.

            Que todos sejam respeitados, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, idosos, aqueles que defendem a livre opção sexual, estrangeiros, as mais diversas religiões e crenças, enfim, tudo e todos.

            Não existe um padrão a ser seguido. Um padrão a ser aceito. A única coisa que pode fazer com que uma pessoa seja exemplo a ser seguido são suas atitudes. Fora isso, não há o que transforme uma pessoa em alguém melhor que outra.

            Costumo sempre dizer que a natureza respeita as diferenças, e, se é assim, por que nós, humanos, não fazemos o mesmo?

            Eliminar preconceitos é muito difícil, pois cabe a cada um de nós iniciar isso. Quando alcançamos esse objetivo passamos para um estágio mais avançado: o de alterar os conceitos de grupos cada vez maiores.

            Sabemos que as mudanças se dão gradualmente, mas também sabemos que essas modificações só ocorrem quando nós vamos atrás delas.

            Meus amigos, nós não podemos apenas cobrar o acontecimento de algo. Temos também de fazer algo, por menor que uma atitude seja ou possa parecer, ela pode sempre ser o início de algo grandioso.

            Por exemplo, imaginem se, na Antiguidade, os escravos ou as mulheres, não tivessem se rebelado. A primeira pessoa que iniciou o questionamento sobre se o que acontecia era ou não correto, deu um grande passo.

            E esse passo deve, dia após dia, ser mais largo.

            Precisamos iniciar a mudança em nós para modificarmos os outros. E quando digo outros, refiro-me a outras pessoas e, conseqüentemente, às instituições as quais elas pertencem.

            Sr. Presidente, para finalizar deixo um questionamento a todos. Nos Estados Unidos a campanha presidencial está deflagrada e um senador negro, Barack Obama, um dos presidenciáveis, vem chamando atenção.

            Porém, um de seus assessores, reverendo Jeremiah Wright Jr., ao ser questionado se Obama seria presidente em dois anos, respondeu:

            “Não. A não ser que Barack consiga fazer nacionalmente o que foi capaz de fazer localmente e conquiste os corações e mentes das pessoas que têm sido permanentemente contra os negros.

            O racismo é tão profundamente arraigado neste país que ele pode ser perfeito em termos de suas políticas, mas, ainda assim, é um negro neste país, que tem uma triste história em termos de como vê os afro-americanos.”

            Para o reverendo, “apesar de os democratas estarem preparados para mais fé, os Estados Unidos podem não estar prontos para um presidente negro”.

            Srªs e Srs. Senadores, dei como exemplo a questão do senador americano, considerado um homem preparado, competente e qualificado para exercer a presidência de um país. E o que ouvimos de pessoas ligadas a ele, foi o que acabei de relatar.

            A pergunta que faço nesse momento para reflexão de todos é: e o Brasil estaria preparado para um presidente negro?

            Como seria bom se eu pudesse, nesse dia dedicado ao fim da discriminação racial, dizer que sim.

            Que aqui na nossa pátria, em nosso querido país, a qualidade de um homem não é medida pela cor da sua pele.

            Sonho ou realidade ... é sobre isso que gostaria que refletíssemos.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2007 - Página 6134