Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao educador Paulo Freire, no transcurso dos 10 anos de sua morte.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao educador Paulo Freire, no transcurso dos 10 anos de sua morte.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2007 - Página 12224
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, CUMPRIMENTO, PRESENÇA, CONJUGE.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, PROGRAMA, ALFABETIZAÇÃO, ADULTO, AUTORIA, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, PERIODO, GESTÃO, MIGUEL ARRAES, EX PREFEITO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PARTICIPAÇÃO, ORADOR, APRENDIZAGEM, LIBERDADE.
  • IMPORTANCIA, PENSAMENTO, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, AMBITO, SOCIALISMO, AMPLIAÇÃO, DEBATE, EDUCAÇÃO, REVOLUÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ECOLOGIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, Srª Anita Freire, a quem cumprimento com muita satisfação. Hoje, estamos comemorando dez anos que um dos maiores brasileiros do século XX partiu.

            Sinto, minha cara Anita - permita-me chamá-la assim -, duas grandes saudades de Paulo Freire: a primeira, é a saudade pessoal por haver convivido com ele; e a segunda, é a saudade cívica, sentida por um brasileiro que percebe hoje como ele seria importante. A saudade pessoal de quem, lá em Recife, quando ainda eu era muito jovem, via o Programa de Alfabetização de Adultos. Não há a menor dúvida de que, sem precisar fazer qualquer psicanálise pessoal, que aquele programa e aquelas idéias, Senador Eduardo Suplicy, lançadas por Paulo Freire, em Recife, tantos anos atrás, foi decisiva na minha formação de um político e de um militante de Esquerda. Não apenas porque eu participei, mas porque ninguém deixou de saber da existência daquela campanha - aproveito o momento para prestar minha homenagem a Miguel Arraes que, à época, era o prefeito.

            Ali, comecei a ter influência profunda, forte, do pensamento e da liderança de Paulo Freire. Anos depois, Reitor da Universidade de Brasília, convivi com ele como membro do Conselho-Diretor. E não posso me esquecer, Senador, do dia em que mostrei a ele e ao Conselho o programa e os planos que eu tinha: o redesenho da Universidade. Quando terminei de mostrar a eles, eu disse: “Isso que estou mostrando é o que acho que vocês e a comunidade podem aceitar. O que eu gostaria mesmo era muito mais avançado”. Então, o Paulo disse: “Eu quero ver”. Eu disse: “Mas não tem como essas outras coisas serem aceitas!” Ele disse: “Cristovam, não corte você mesmo as asas dos seus sonhos. Já tem gente demais por aí com tesoura na mão!” A partir daí, acho que mudei. Eu solto os meus sonhos no mundo e deixo que os outros os cortem. Como político, tenho de aceitar os cortes para tornar viável cada idéia. Mas, como pessoa, tenho a obrigação, a partir daquela lição de Paulo Freire, de dizer o que penso, como penso sem qualquer corte.

            Foi nessa linha a proposta de reforma universitária que lancei quando era Ministro. E, na abertura, disse: “Esta é uma proposta de uma pessoa que está pensando na reforma, e aqui eu não concilio. Mas, na hora de mandá-la para o Diário Oficial”, eu disse, Senador Renan, “eu não vou mandar o que eu penso; eu vou mandar o que a comunidade quer”. A política só se faz com concessão. As idéias não são feitas com concessão. Não há idéia feita com concessão, e não há política sem concessão.

            Esta é a primeira saudade que eu tenho do Paulo: saudade pessoal, de pernambucano que, jovem, viu e leu tudo aquilo que ele fazia, escrevia e dizia. A outra é a saudade cívica, olhando para o futuro. É uma saudade, talvez a palavra certa seja “necessidade” de ter Paulo hoje aqui com a gente, porque se ele foi importante no passado, muito mais o é hoje. Naquele tempo, no passado, a educação era um meio importante. Mas tínhamos a utopia, que não era a educação, a utopia era o socialismo. E esquecemo-nos que Paulo era um socialista! Não era só um educador nem um educacionista. Ele era um homem da utopia social, que era o socialismo.

            Hoje, estou convencido de que, diante da forte crise do socialismo no mundo, diante da divisão dos trabalhadores entre incluídos e excluídos, não mais como um bloco só de proletários, e também, obviamente, diante da crise que vemos, decorrente da maneira como o desenvolvimento se fez pela globalização, gerando desemprego estrutural, as utopias parecem fracassadas. Vimos, ontem, o 1º de maio, que nada teve de vermelho como eram os 1º de maio do passado. Antes, este dia era para lembrar a luta, para lembrar e reafirmar a utopia. Agora, o 1º de maio é para comemorar com festas apenas; não se fala de utopia, não se fala de luta. Felizmente, pelo menos uma das Centrais, a Força Sindical, teve um tema chamado meio ambiente. Já foi um gesto ousado colocar o meio ambiente como tema da reunião e não apenas reivindicações. Mas, e a utopia da sociedade do futuro? É por isso que digo que hoje Paulo Freire seria mais necessário ainda, porque hoje a educação é mais do que um simples meio; a educação é quase que um objetivo da utopia que a gente precisa no futuro.

            No tempo em que Paulo estava aqui com a gente, ele dizia que a educação era um instrumento libertário, mas a gente sabia que a luta era mesmo entre capital e trabalho. Hoje, estou convencido que a luta não é mais entre capital e trabalho, mas, sim, entre quem tem e quem não tem conhecimento. O que se acumula hoje não é mais necessariamente o capital, é o conhecimento. O que diferencia a qualidade de vida de uma pessoa para outra é se tem ou não conhecimento. Até há pouco tempo, a liberdade viria da estatização do capital nas mãos de uma nação que pudesse, com o planejamento, construir uma sociedade igualitária. Hoje, não tenho a menor dúvida, a igualdade virá da igualdade de conhecimento. No dia em que as escolas forem exatamente da mesma qualidade - pode não ter igualdade plena -, a diferenciação será pelo talento, pela persistência, pela vocação; não será mais pelo nome, como disse o próprio Presidente Lula, recentemente.

            Quando nasce uma criança o cérebro é o mesmo, seja o filho do operário mais pobre, desempregado, ou do mais rico patrão. Dia a dia os cérebros vão se diferenciando, porque vão sendo fabricados nas escolas, e aí surge a desigualdade. Se a escola fosse a mesma, não tenho dúvida de que a desigualdade desapareceria, salvo aquela decorrente do talento, como no futebol - todos nós jogamos bola quando meninos: alguns são bons, outros são ruins.

            Essa revolução pela educação é que é uma novidade. E Paulo Freire, aqui presente, seria fundamental. Com a força, o carisma e a autoridade que tinha, seria o nome para trazer de volta o sonho utópico e o compromisso revolucionário. Duas palavras que, por aí, acham que morreram. Elas têm de ser redesenhadas e têm de ter novos propósitos.

            Senador Romeu Tuma, hoje, para mim, a utopia é a mesma chance para todos. Não é a igualdade, é a mesma chance. E a revolução é uma escola igual para todos. Essa é a alternativa. Alguns dizem que isso é a socialdemocracia. Não. Na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, a educação não é igualitária. O filho do rico tem mais chance do que o filho do pobre, embora a diferença não seja como a nossa, a diferença é menor. O sonho é a igualdade plena. E, hoje, o Brasil tem de prestar esta homenagem a Paulo Freire.

            Antes de conceder o aparte ao Senador Romeu Tuma, minha cara Anita - permita-me chamá-la assim -, gostaria de dizer que, ontem, na festa da Força Sindical, fiz uma proposta.

            Senador Renan Calheiros, o País precisa voltar a sonhar, e sonhar com a luta, voltar a pensar que talvez seja a hora de uma greve geral - não se assustem -, por uma horinha que seja, para que o Brasil inteiro discuta as duas pernas do futuro: o meio ambiente e a educação. A ecologia e a educação. O desenvolvimento sustentável que proteja a Amazônia, que proteja nossos recursos e, ao mesmo tempo, a escola igualitária.

            A ecologia vai dar a mesma chance entre gerações. A escola de qualidade vai dar a mesma chance entre classes sociais. Este é outro tema que o socialismo não enfrentava: o problema entre gerações. Pois não havia a consciência da crise ecológica. A revolução é a escola de qualidade em um desenvolvimento sustentável. A utopia, a mesma chance entre gerações e entre classes sociais. É uma pena que na crise de idéias que temos hoje, de redesenho das propostas para o futuro, não tenhamos Paulo Freire como elemento presente a nos liderar.

            Mas ele pode ficar certo, Anita, onde estiver, que pelo menos um discípulo para continuar falando sobre ele e levando adiante aquilo que aprendeu com ele vai ter. Estou certo de que não é um, mas milhares, milhões de discípulos, alguns até nem têm consciência disso. Nós vamos continuar levando a luta de Paulo Freire por um Brasil melhor por meio de um caminho: a revolução pela educação.

            Era o que tinha a dizer, Sr, Presidente, mas peço permissão a V. Exª para, nos 19 segundos que ainda tenho, dar a palavra ao Senador Tuma.

            Senador Romeu Tuma.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª, ao homenagear a Drª Anita, coloca-se nessa tribuna provavelmente como um intermediário de Paulo Freire para a realização do sonho a que V. Exª se refere. Um homem como V. Exª, que teve a coragem de se lançar candidato a Presidente da República e de lutar, com todas as forças, de alma, de conhecimento, de postura pela educação, deixou uma marca séria no País. Vale a pena continuarmos a lutar por ela, sempre seguindo os passos que V. Exª traça, que é o sonho de Paulo Freire quando instalou seus programas em favor da educação. V. Exª se referiu à Força Sindical, falou em ecologia,...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - ... falou do aquecimento global e falou da educação. Senador Renan Calheiros, são dois temas que V. Exª colocou em discussão em comissões desta Casa. V. Exª, Senador Cristovam Buarque, foi designado Presidente da Comissão de Educação sob o aplauso dos 80 Senadores desta Casa. E foi criada também uma subcomissão em defesa do meio ambiente do País nesta Casa. Parabéns, Senador. Saiba que sou sempre um seguidor, um entusiasta de V. Exª, desde que, com certeza, Deus sabe, fui seu aluno durante algum tempo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Sr. Presidente. Dou por concluída a minha fala.

            Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy, que foi quem deu a idéia de trazer a esta Casta, nesta tarde, a lembrança de Paulo Freire, que hoje pela manhã foi homenageado apenas na Câmara.

            E digo, Anita, que gostaria de assinar esta fala...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ... não como Senador, mas como discípulo de Paulo Freire.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2007 - Página 12224