Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre os constantes apagões por que passa o País, em diversos setores.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre os constantes apagões por que passa o País, em diversos setores.
Aparteantes
Marco Maciel, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2007 - Página 25057
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, POPULAÇÃO, FALENCIA, SERVIÇOS PUBLICOS, ANALISE, SITUAÇÃO, TRANSPORTE AEREO, ABANDONO, FORÇAS ARMADAS, PAIS, PRECARIEDADE, AERONAUTICA, RISCOS, DEFESA NACIONAL.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, DESEMPREGO, PRECARIEDADE, PREVIDENCIA SOCIAL, CIENCIA E TECNOLOGIA, SAUDE PUBLICA, ETICA, FALTA, CRITERIOS, ESCOLHA, PRIORIDADE, POLITICA NACIONAL, CRISE, PERDA, CONFIANÇA, DEMOCRACIA, AMEAÇA, EXISTENCIA, LEGISLATIVO, CONCLAMAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, LUTA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando a gente lê hoje os jornais, Senador Marco Maciel, quando a gente presta atenção ao noticiário, quando a gente conversa com as pessoas na rua, a sensação que a gente tem é a de que o povo brasileiro está muito preocupado. O povo brasileiro está percebendo coisas que muitos de nós, aparentemente, não percebemos. É que, diante de nós, há um sinal luminoso imenso em amarelo avisando: “Atenção, cuidado!” O rumo que a gente está não é tranqüilo.

            Convencionou-se chamar isso ultimamente, Senador Eurípedes, de apagão, a partir de um desses que é o apagão aéreo; que, na verdade, não é aéreo, é mais do que aéreo. É um apagão não somente dos aeroportos, mas das nossas Forças Armadas. A Aeronáutica brasileira está sendo abandonada, deixada de lado. Um país que tem um dos maiores espaços aéreos do mundo inteiro, hoje tem uma Aeronáutica que corresponde, apesar do esforço dos nossos militares, a uma Aeronáutica de um país pequeno.

            Porém, não se trata apenas da Aeronáutica. Temos hoje um apagão da Marinha e da Aeronáutica. Felizmente, o Presidente decidiu voltar ao desenvolvimento do nosso submarino. Mas é pouco! As Forças Armadas brasileiras não estão hoje recebendo o apoio que um país do tamanho do Brasil exige. Há um apagão na defesa nacional adiante!

            Mas a gente vê o outro apagão: o apagão da violência nas ruas, o apagão da segurança. A gente só costuma ver aquilo que aparece no aspecto imediato, como, por exemplo, alguém sendo assaltado na rua, mas não vê mais distante, que é este País sendo invadido algum dia! A gente não consegue ver isso, Senador Papaléo Paes; só consegue ver o imediato. A gente vê a violência do dia-a-dia, mas não vê os riscos da defesa nacional no futuro.

            A gente vê o apagão do aeroporto, mas não vê o apagão da defesa aérea brasileira. Da mesma forma que a gente nem vê mais os outros tipos de apagão que existem adiante.

            A gente não vê o desemprego como um apagão que o Brasil está vivendo. É mais grave do que ter uma, duas, três, milhares de pessoas desempregadas, cada uma delas considerada individualmente. Uma coisa é o apagão individual de cada desempregado, que é algo grave; outra coisa é o apagão do desemprego geral na sociedade brasileira. São milhões sem perspectiva; e, além disso, sobretudo jovens que nunca tiveram emprego. É um apagão que a gente não vê, percebendo apenas a crise imediata, e não o futuro.

            Para onde vai um País em que a maior parte da sua população não tem emprego seguro daqui para frente?

            A nossa Previdência vive um apagão. Já que as pessoas não pagam a Previdência por estarem no setor informal, temos uma crise da Previdência. Mas não é só essa. O Sistema Previdenciário Brasileiro ficou superado na sua estrutura. Ele foi desenhado numa época em que a taxa de natalidade era maior, em que a esperança de vida era menor. Reduzir a taxa de natalidade e aumentar a esperança de vida gera, sem dúvida, um apagão adiante para a Previdência. Sem falar que a gente sabe que, ao lado daqueles que não têm nada da Previdência, outros têm uma Previdência privilegiada. Nós temos um apagão da Previdência adiante.

            Nós temos um apagão gravíssimo no nosso sistema de ciência e tecnologia. É ridículo o que a gente tem no Brasil, diante do nosso potencial, em matéria de ciência e tecnologia; e esse pouco que a gente tem é graças ao esforço das universidades públicas brasileiras e de alguns que dirigem os centros de pesquisas que há no Brasil. Todos eles criados anos e anos atrás. Senador Mão Santa, nenhum foi criado recentemente. A ciência evoluindo, novos campos surgindo e a gente não cria novos centros de ciência e tecnologia. A gente não emprega os nossos jovens que mandamos fazer doutorado no exterior e que ou não voltam, ou voltam e fazem concurso para a Polícia Federal, para a Receita Federal, para o Ministério Público, mas não ficam no desenvolvimento do conhecimento, que é a base da economia do futuro. Esse apagão de ciência e de tecnologia vai se caracterizar por um apagão na economia daqui para frente.

            Temos, obviamente, um apagão de ética. Claro que temos um apagão ético - e esse está visível -, mas está visível uma parte. Está visível a parte da podridão da superfície por causa da corrupção no comportamento; não está visível - e tenho insistido nisso aqui desta tribuna - a corrupção nas prioridades que, lá embaixo, enferrujaram a engrenagem social brasileira.

            O Senador Jarbas falou um dia que a gente sente cheiro de podre no ar, que fede o processo democrático, mas não falou que a gente não percebe a ferrugem na engrenagem, que, às vezes, é pior do que a podridão da superfície porque esta o sistema termina eliminando. A Polícia Federal descobre as coisas, o Ministério Público vai em cima e, mesmo que a Justiça termine mantendo na impunidade, mas, pouco a pouco, a corrupção que a gente tem na superfície vai sendo reduzida, diminuída.

            Todavia, a ética nas prioridades a gente não está enfrentando. E esse é um apagão, o apagão da ética. O apagão que faz que com a gente não sofra quando vê a miséria ao redor da gente; o apagão ético que faz com que a gente seja tolerante com as formas de corrupção; de fecharmos os olhos para o analfabetismo; para meninos na rua; para crianças caindo no crime.

            Nós vivemos um apagão de ética, não apenas porque muitos se comportam de uma maneira sem ética, mas também porque o conjunto não define uma ética correta no sistema de funcionamento da democracia para, assim, definir as prioridades corretas.

            Nós sofremos também - e o Senador Mão Santa falou muito nisso na sexta-feira passada - um apagão na saúde. Um país que chega a essa época com dengue, na dimensão que a gente tem, com lepra, mesmo que a gente ponha um nome mais sofisticado nela, é um país que vive um apagão. Um país com as filas que se vêem nos hospitais hoje está atravessando um apagão de saúde, cujas conseqüências serão cada vez mais graves daqui para frente.

            Tudo isso, Senador Mão Santa, seriam apagões que poderíamos administrar sem problema nenhum se o povo brasileiro, se a Nação brasileira soubesse a quem recorrer.

            A quem recorrer hoje, Senador Marco Maciel? Quais são os estadistas que podemos imaginar, numa eleição futura, trarão uma esperança nova para o Brasil?

            Este é o assunto que eu queria tocar: o apagão da democracia que a gente está vivendo. E o pior é que, quando a democracia tem o apagão nesse sentido que hoje se usa para o conceito de apagão, que é uma crise profunda, ela própria termina por apagar-se. Isso porque, ao perder credibilidade, que é a força da democracia, ela se apaga e é substituída por outros meios. Pode ser o meio do autoritarismo ou pode ser o meio de dizer que o Congresso não é mais necessário, que se podem fazer escolhas diretamente. A gente vota a lei dia-a-dia, pelo telefone, pela Internet, pela mídia. Afinal de contas, o mundo inteiro não definiu agora novos monumentos como as obras-primas dos tempos de hoje? Tudo isso foi feito pelo computador.

            Nenhum conselho se reuniu para escolher o Cristo Redentor. Nenhum conselho de estetas, de filósofos, nenhum estadista do mundo se reuniu para escolher quais eram as grandes maravilhas do mundo moderno. Quem escolheu cada uma dessas maravilhas foi o cidadão, sozinho, em casa, votando pelo computador.

            Se ele elege as maravilhas, por que não pode eleger as leis? Por que não pode votar o Orçamento? E, aí, não vai demorar. É possível que a gente chegue à conclusão de que o apagão da democracia levou à desnecessidade do Parlamento. Esse, para mim, é o mais grave dos apagões adiante: o apagão da democracia, por conta do enfraquecimento do Poder Legislativo, em grande parte, por responsabilidade nossa, dos brasileiros que fazemos parte do Congresso nestes dias da história do Brasil.

            Eu passo a palavra, primeiro, Senador Marco Maciel, ao Senador Mão Santa, que pediu a palavra antes, e depois a V. Exª.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam, nesta segunda-feira, 16 de julho de 2007, podemos ver que nunca dantes, em 183 anos, esse Senado se reuniu em julho sem pagamento de jetom - e, segunda-feira, nunca dantes. Então, com a presença de V. Exª, que sucede Marco Maciel, afirmo com toda tranqüilidade que este é um dos melhores Senados da história dos 183 anos. Se temos problemas, vamos saber resolvê-los. Eu queria apenas me somar ao lúcido pronunciamento de V. Exª, dizendo que sua presença revive João Calmon e Darcy Ribeiro. V. Exª e esses Senadores escreveram as mais belas páginas da história da educação. Mais um artigo para se somar ao pronunciamento de V. Exª, do Estado de S. Paulo, de 16 de julho: “Reagir é preciso”. “Governabilidade transformou-se no outro nome da indecência”. É preciso, e vamos separar esse joio do trigo. Governabilidade não é igual à indecência. E nós vamos tornar este Senado decente, como decente é o povo brasileiro. O autor é Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra. Então, o pensamento é esse! Ele resume isso no seguinte: não deixe transformar a governabilidade por um outro nome, o nome da indecência que vivemos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador Mão Santa. Primeiro, o senhor pediu um aparte, o que, para mim, já é uma honra; segundo, trouxe, por meio da referência a esse artigo, que li pela manhã e considero importante, a reflexão sobre a governabilidade.

            A diferença entre a governabilidade e a indecência no exercício do governo é que a governabilidade sem indecência seria aquela em que houvesse uma causa, uma meta, um projeto. Que essa causa, essa meta e esse projeto fossem aquilo que o Presidente da República anunciou na sua campanha e que a governabilidade para realizar aquele projeto fosse conquistada e construída sem necessidade de mensalão, sem necessidade de cooptação, por meio de acordos políticos transparentes e abertos, porque a democracia exige isso.

            Sobre o Congresso, só não vou dizer que este é o melhor, porque estaríamos jogando flores em nós mesmos. Acredito, contudo, que é um bom Senado, mas o povo não está acreditando, Senador Mão Santa. Podemos dizer que é porque a mídia diz; podemos dizer que há uma crise geral; podemos dizer que são circunstâncias alheias a nós. Mas temos um papel também, e sei que o senhor está de acordo comigo porque conversamos sobre isso. Temos uma parte da responsabilidade, não vou dizer porque o Congresso está mal, mas porque o povo acha que ele está mal. Não vou emitir juízo se ele é mau. Existem vantagens, sim, como esta: estamos trabalhando sem receber jetom. Em julho, nunca aconteceu isso. Foi bom V. Exª lembrar isso.

            Temos avanços? Temos, mas lá fora não estão chegando. Por que não estão chegando? Porque corrigimos alguns dos aspectos da superfície, como essa corrupção de ganharmos salário para trabalharmos num período em que deveríamos estar trabalhando. Isso nós resolvemos. Mas isso é lá na superfície. Apagamos um pouquinho, limpamos um pouquinho da podridão.

            Mas a de baixo, que é estarmos aqui sem ganharmos jetom, buscando saída para os problemas brasileiros, é que não está sendo feita da maneira como deveria. O senhor está, o Senador Marco Maciel está, acho que eu estou, mas, no conjunto, não estamos. Não conseguimos definir a agenda que nos permitiria evitar esses apagões que citei, que são verdadeiros. Podem ser mais graves ou menos graves do que estou apresentando, mas são verdadeiros.

            É essa falta de percepção, de visão do Congresso, como a sua vanguarda, como seus Líderes, que está fazendo com que o povo perca a confiança. É mais isso do que a podridão da superfície vinda da corrupção de algumas pessoas.

            Concedo a palavra ao Senador Marco Maciel, com muito prazer.

            O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Cristovam Buarque, serei breve. Devo dizer a V. Exª que subscrevo o que V. Exª acaba de dizer, no sentido de que precisamos melhorar a prática da democracia em nosso País. Certa feita, Mangabeira, que foi um dos grandes Parlamentares do nosso Congresso, disse que democracia no Brasil era uma planta tenra e, conseqüentemente, ainda merecia muitos estímulos. Acho que a observação de Mangabeira ainda tem alguma atualidade, porque avançamos no campo da democracia, mas não fizemos as reformas indispensáveis para melhorar a governabilidade de nosso País. O Brasil ainda tem aquilo que Bobbio, certa feita, disse com relação à Itália, ou seja, que o Brasil ainda padece de um déficit democrático. Por isso - e perdoe-me insistir neste ponto -, é fundamental que o Congresso advirta-se da necessidade, da imprescindibilidade até, de fazer as chamadas reformas institucionais. Elas são necessárias para melhorarmos o desempenho das nossas instituições e para criarmos condições para que o País possa crescer a taxas mais altas e, assim, eliminar as desigualdades com as quais ainda convive. Não tenho dúvida do que afirmo quando vejo o Brasil crescer a taxas, como cresceu no ano passado, superiores no nosso hemisfério somente às do Haiti. E o Haiti é um dos países mais pobres do mundo, que está no LDC - Least Developed Countries, aqueles 35 países que têm baixo nível de desenvolvimento. Seriam os países que hoje chamaríamos de integrantes do Quarto Mundo. Infelizmente, 34 deles estão na África, e apenas um está no nosso hemisfério, que é o Haiti. Então, as taxas em que o Brasil cresce são inaceitáveis para um país com suas potencialidades, com uma população dinâmica, otimista e criativa. Isso, a meu ver, explica o fato de sempre cobrar essas reformas políticas. Acredito que, feitas essas reformas institucionais, melhorando o desempenho das instituições, criaremos condições para que o País tenha um processo sustentado de crescimento. As reformas políticas não são importantes apenas sob o ponto de vista político ou institucional; elas são importantes na medida em que criem condições para dar ao País a vertebração necessária para ter um processo consistente e continuado de desenvolvimento. Entenda-se desenvolvimento não somente como crescimento econômico, mas como satisfação das demandas sociais básicas da população brasileira.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Marco Maciel, agradeço a V. Exª e estou de acordo com que, sem dúvida alguma, de 1985 para cá, temos dado saltos imensos na parte da democratização. Agora, não demos outros, mas temo que, mesmo dando os passos necessários na institucionalização, não consigamos ainda dar os passos necessários para casar a agenda do Congresso com a pauta do povo, porque, mesmo com a democracia plena, do ponto de vista do funcionamento das instituições, continuamos um País com uma minoria privilegiada e uma massa pobre excluída. E, aí, se a agenda ficar da parcela rica, mesmo com a institucionalização da democracia, ela não será a democracia que vai construir o Brasil que queremos e do qual precisamos.

            O Senador Marco Maciel mesmo tem sido insistentemente o defensor da reflexão sobre o ano de 2022. Não estamos discutindo isso aqui. O senhor tentou, tentou, tentou, tentou e, de repente, a gente nem está mais conseguindo falar. Deveríamos fazer aqui uma sessão para discutir onde queremos que esteja o Brasil no segundo centenário da sua independência. Como fazer a República dos 120 anos que vamos ter daqui a dois anos? República ainda não temos plenamente. Isso está faltando e isso está caracterizando, Senador Mão Santa, Presidente da Mesa, uma espécie de apagão da democracia, apagão no sentido que a gente usa para o tráfego aéreo, mas com a diferença de poder ser usado também no sentido de apagamento, de apagar-se, de perder a razão de ser, de perder o sentido, a credibilidade e, de repente, a gente descobrir que morreu.

            Ainda é tempo de ouvirmos as reclamações do povo, antes que sejamos obrigados a ouvir a raiva do povo que se está criando. Ainda é tempo de trabalharmos com a indignação do povo, antes que ela se transforme em uma revolta que, talvez, não tenhamos mais condições de administrar.

            É isso o que tinha a dizer, nesta segunda-feira de um julho, como o senhor mesmo lembrou, Senador Mão Santa, sem necessidade de se pagar jetom para os Senadores da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2007 - Página 25057