Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 50 anos da Revolta dos Posseiros.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 50 anos da Revolta dos Posseiros.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2007 - Página 33567
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, SENADO, CUMPRIMENTO, INICIATIVA, ALVARO DIAS, HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, REVOLTA, POSSEIRO, ESTADO DO PARANA (PR), DETALHAMENTO, OCORRENCIA, HISTORIA, ESPECIFICAÇÃO, RESISTENCIA, COLONIALISMO, ABUSO DE PODER.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço-lhe, Sr. Presidente. Em primeiro lugar, cumprimento V. Exª não apenas por presidir esta Hora do Expediente dedicada a comemorar os 50 anos da Revolta dos Posseiros, mas particularmente por sermos colegas Senadores do Paraná e por V. Exª ser o autor da iniciativa desta comemoração. Cumprimento os componentes da Mesa, amigos, todos já nominados, Senadores e Senadoras presentes, Deputados Federais e Estaduais, Prefeitos, Prefeitas, autoridades e convidados.

            Hoje, o Senado Federal presta sua homenagem a um episódio que marcou a história recente do Estado do Paraná. Estamos aqui reunidos, como já foi dito pelo Senador Renan Calheiros e pelo Senador Alvaro Dias, para lembrar e enaltecer a luta de homens e mulheres que, unidos, reagiram contra a opressão e a violência e fizeram uma revolução verdadeira no sudoeste do Paraná. A Revolta dos Posseiros, que está completando 50 anos neste mês de outubro, simboliza a luta pelo direito à terra, a vitória dos mais fracos, a bravura de um povo que não aceitou a injustiça e a violência que sofria.

            Ocupando uma área de quase 500 mil hectares, compreendida pelos Municípios de Pato Branco, de Francisco Beltrão, de Barracão, de Dois Vizinhos, de Capanema, de Verê, de Santo Antônio do Sudoeste e de Pranchita, na divisa do Estado do Paraná com Santa Catarina e com a Argentina, existiam, na época, cerca de 32 mil famílias já assentadas, que partiram do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de outras regiões do Paraná, atraídas por um projeto de reforço do povoamento da fronteira, desenvolvido durante o Governo de Getúlio Vargas, que, em 1943, criou a Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango), com a função de organizar a distribuição de terras entre os colonos recém-chegados.

            E foi assim que se deu o povoamento da região por parte dos agricultores que, embora possuíssem a posse das terras, não tinham os títulos que garantiam o direito sobre suas propriedades. No entanto, em 1950, o Governo permutou a área nomeada de Gleba das Missões com a companhia Clevelândia Industrial Territorial Ltda. (Citla), em troca de uma carta de crédito de 4,72 milhões de cruzeiros à época. A transação foi amplamente contestada, tendo em vista que o valor estimado das terras era de 300 milhões de cruzeiros. De posse da área, a Citla começou a colonizar as terras por meio das empresas imobiliárias Companhia Comercial Agrícola e Companhia Apucarana e a cobrar dos agricultores já instalados o pagamento pelas propriedades.

            Mesmo pagando pelas terras, os agricultores não recebiam qualquer tipo de recibo ou documento que validasse as compras. Além da insegurança pela posse das propriedades, os colonos sofriam ameaças e ataques violentos por parte de jagunços a serviço das companhias. Logo o regime de violência e terror na região começou a gerar vítimas. Diante da truculência dos chamados colonizadores, os posseiros não tinham opção: ou assinavam os “contratos” de compra de suas propriedades ou eram obrigados a deixar suas terras. O sentimento de indignação em virtude do tratamento das empresas colonizadoras se tornava mais forte a cada dia. Atos de extrema crueldade contra os posseiros repercutiam entre os colonos, causando medo e revolta entre as famílias.

            Alguns acontecimentos contribuíram para a eclosão do levante dos posseiros contra as companhias colonizadoras. Um deles foi a morte do Vereador Pedro José da Silva, popularmente conhecido como Pedrinho Barbeiro. Sensibilizado pela situação dos posseiros, o Vereador reuniu um abaixo-assinado que seria levado ao Presidente Juscelino Kubitschek, denunciando as atrocidades cometidas contra os agricultores. Porém, na véspera de sua viagem à Capital Federal, Pedrinho Barbeiro foi assassinado por um dos jagunços.

            Outro exemplo de brutalidade foi o assassinato, a sangue frio, da família do colono João Saldanha. A notícia da morte da mulher e dos filhos do posseiro, com requintes de crueldade, ecoou pelo sudoeste, levando ainda mais pavor e indignação aos agricultores.

            A organização e mobilização popular, mesmo em uma época em que a comunicação era precária e em que as informações eram transmitidas com grande dificuldade, foi fundamental para que, em outubro de 1957 - hoje, faz 50 anos do episódio -, os posseiros promovessem um levante contra as imposições e selvagerias comandadas pelas companhias colonizadoras.

            A união dos camponeses foi possível, como já mencionou o Senador Alvaro Dias, graças às ondas da Rádio Colméia de Francisco Beltrão e de Pato Branco. Levando as informações aos colonos e convocando as famílias à resistência, a Rádio Colméia mobilizou milhares de pessoas para os encontros que culminaram com a Revolta dos Posseiros.

            Alguns dos personagens que fizeram parte dessa história merecem nosso reconhecimento. Jácomo Trento, Vergílio Pedro Carbonera, Ivo Tomazzoni, entre outros de igual relevância, são exemplos de grande bravura e de senso de justiça, que, diante da conivência das autoridades constituídas com as atitudes das companhias, buscaram com seus pares a força para interromper aquele ciclo de horror. Com a coragem e a determinação comum aos guerreiros, os colonos formaram um movimento legítimo, com o objetivo de expulsar da região as colonizadoras que tanto mal estavam causando àquela gente.

            A população, munida de enxadas, de foices, de facões, e estimulada pelo rádio, partiu para a luta por suas terras. Destituíram autoridades, expulsaram as empresas colonizadoras e recuperaram a tranqüilidade de antes. Na história do Brasil, nunca houve outro exemplo de revolução popular vitoriosa como esse. Os historiadores ressaltam que a Revolta dos Posseiros foi o primeiro e único episódio de nossa história em que os camponeses que se insurgiram contra seus colonizadores foram vitoriosos.

            Ao nos aprofundarmos um pouco mais nessa disputa, veremos que, naquele cenário, os camponeses se organizaram de tal forma, que puderam reconquistar seus direitos e sua paz.

            A Revolta dos Posseiros foi mais do que uma disputa por terras. Significa para o Paraná e para o Brasil a resistência ao colonialismo, ao poder e ao uso abusivo da força; enfim, simboliza a reação do povo às arbitrariedades e à opressão.

            Tão certo como a importância desse episódio para a identidade do povo paranaense, a revolução trouxe ao sudoeste a oportunidade de desenvolvimento homogêneo. Talvez, essa tenha sido a maior reforma agrária já ocorrida no Brasil, fundamental para que o sudoeste começasse a desenvolver-se.

            E isso foi o que se pôde ver nos anos seguintes, com o trabalho desenvolvido pelo Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná (Getsop), instituído em 1962, com o fim de medir, demarcar e dividir os lotes, respeitando-se a posse e a decisão dos ocupantes. Ao todo, mais de 40 mil títulos foram entregues aos seus legítimos proprietários.

            Hoje, todos nós temos orgulho dessa região do Paraná, que se consolidou como forte e desenvolvida, porém seguindo os caminhos da justiça e da igualdade de oportunidades. No sudoeste, 87% das propriedades são de agricultores familiares. Dessas, 94% possuem áreas menores do que 50 hectares. É o resultado da luta e da união de pessoas comprometidas com a justiça e com a igualdade, valores que ainda hoje se fazem presentes e fortes no povo do sudoeste do Paraná.

            Meus cumprimentos a todos os heróis dessa revolução! Meus cumprimentos aos Prefeitos, às Prefeitas, aos Deputados Federais da região e do Paraná, aos Deputados Estaduais, aos colegas Senadores, por essa luta a favor de uma região economicamente desenvolvida e socialmente justa!

            Meus cumprimentos a todos da revolução, anônimos ou conhecidos, a todos os filhos, filhas, netos e netas da Revolta dos Posseiros que continuam a luta de seus pais e avós por um Brasil cada vez mais justo e igualitário, por um sudoeste do Paraná cada vez mais desenvolvido e justo, sendo, nesse sentido, referência para nosso Estado e para o Brasil.

            Os três Senadores do Paraná, Osmar Dias, Alvaro Dias e eu próprio, querem associar-se, sem dúvida alguma, a toda a região, a todas as pessoas, mantendo sempre vibrante o ideal que norteou aquelas pessoas há 50 anos e que continua a iluminar nosso caminho atualmente no Paraná e no Brasil.

            Cumprimentos a todos!

            Obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2007 - Página 33567