Discurso durante a 188ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro da celebração, pela primeira vez no Brasil, da Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, entre os dias 12 e 18 de outubro deste ano.

Autor
Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Registro da celebração, pela primeira vez no Brasil, da Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, entre os dias 12 e 18 de outubro deste ano.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2007 - Página 36294
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, SEMANA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, CRIANÇA, CUMPRIMENTO, PROJETO, AUTORIA, PEDRO SIMON, SENADOR, RELATOR, ORADOR, OBJETIVO, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, PERIODO, INFANCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, DEBATE, NECESSIDADE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, MENOR.
  • REGISTRO, PUBLICAÇÃO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ADVERTENCIA, IMPEDIMENTO, ACESSO, CRIANÇA CARENTE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ANALISE, DADOS, DEFESA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE.
  • APOIO, COMBATE, VIOLENCIA, DOMICILIO, COMENTARIO, PESQUISA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), MINORIA, DENUNCIA, CRIME, REGISTRO, DADOS, INCENTIVO, ENTIDADE, DEFESA, MENOR, CRIAÇÃO, POLITICA NACIONAL, INFANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, CAMPANHA, OPOSIÇÃO, AGRESSÃO, PUNIÇÃO, PAES, CRIANÇA.
  • INCENTIVO, MELHORIA, ACESSO, EXAME, PERIODO, GRAVIDEZ, PARTO, RECEM NASCIDO, DEFESA, AMPLIAÇÃO, LICENÇA-MATERNIDADE, PROMOÇÃO, APROXIMAÇÃO, CRIANÇA, FAMILIA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, APOIO, CRESCIMENTO, OFERTA, EDUCAÇÃO BASICA, QUALIDADE, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • DEFESA, INCLUSÃO, CRECHE, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, REGISTRO, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO, AUTORIA, ORADOR, EXIBIÇÃO, AULA, CONTEUDO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ENSINO FUNDAMENTAL, CRITICA, AUSENCIA, TOTAL, IMPLEMENTAÇÃO.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, entre os dias 12 e 18 de outubro deste ano, celebramos, pela primeira vez no Brasil, a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância - idéia apresentada pelo senador Pedro Simon, que virou realidade em setembro último quando essa lei foi sancionada pelo Presidente da República. Tive a honra e o orgulho de relatar esse importante projeto no âmbito da Comissão de Educação desta Casa e fiquei extremamente feliz ao saber que a proposta virou norma jurídica no nosso País.

A Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância tem por objetivo conscientizar a população brasileira sobre a importância do período entre zero e seis anos para a formação de um cidadão mais apto à convivência social e à cultura da paz. Trata-se de uma iniciativa da maior relevância para a promoção da qualidade de vida das crianças e de suas famílias.

Srªs e Srs. Senadores, os seis primeiros anos de vida são, de fato, uma fase decisiva do desenvolvimento infantil, que sofre um forte impacto da situação social, psicológica e econômica da criança. É nessa etapa da existência que a maior parte das conexões cerebrais se forma. Ao nascer, uma criança tem aproximadamente 100 bilhões de neurônios. Essas células, porém, precisam se ligar umas às outras, formando espécies de redes, estruturas essenciais ao funcionamento cerebral. E elas se conectam impelidas pelos estímulos que a criança recebe do meio social. Daí a convicção entre as diferentes correntes científicas de que é absolutamente necessário estimular o desenvolvimento nos primeiros anos - período da vida cheio de mudanças, em que há inúmeras “janelas de oportunidades”. Falta de estímulos ou estímulos inadequados significa perda de oportunidade, atraso no desenvolvimento, menor inteligência... Descuidar dessa etapa é, portanto, desperdiçar um gigantesco potencial humano.

Nessa fase, a criança precisa não apenas de apoio afetivo, alimentação e cuidados de saúde por parte da família, mas também dos estímulos necessários para que possa desenvolver suas habilidades lógicas, musicais, motoras, emocionais, comunicativas, lingüísticas e sociais. Ela precisa ser estimulada brincando, cantando, falando, convivendo com outras crianças e recebendo atendimento adequado dos serviços públicos básicos.

Por esse motivo, os estudiosos defendem que, além do bom convívio no ambiente familiar, meninos e meninas entre zero e seis anos ganham muito ao freqüentar creches e pré-escolas de qualidade, onde possam ser atendidos por profissionais especializados, capazes de fazer a ponte entre o que as crianças já sabem e o que elas podem conhecer e aprender, abrindo possibilidades de crescimento intelectual, social e emocional.

O problema é que o Brasil ainda está longe de cumprir essa missão. Recentemente, o IBGE divulgou a Síntese dos Indicadores Sociais 2007 e apresentou dados alarmantes sobre o acesso das crianças mais pobres às instituições de creches no nosso País. De acordo com o IBGE, nas famílias mais pobres do Brasil, apenas 9,9% de crianças na faixa entre zero e três anos freqüentavam creches em 2006. Segundo o Instituto, se considerarmos as famílias com rendimento mensal per capita de mais de 3 salários mínimos, o acesso à creche e à pré-escola cresce para 40,7% das crianças. Esse número era de 15,5% no total das famílias. Embora ainda muito reduzido, o percentual de crianças nas creches dobrou em 10 anos já que em 1996 era de 7,4%. Quanto ao acesso das crianças de 4 a 6 anos das famílias mais pobres à pré-escola, o índice foi de 68,1%, enquanto nas famílias com mais de 3 salários mínimos mensais per capita, o acesso estava praticamente universalizado, ficando em torno de 95%, em todas as regiões.

Conforme avaliação do IBGE, o rendimento das famílias tem maior influência no início da vida escolar das crianças (creche e pré-escola) e no ensino médio (15 a 17 anos), sendo menos sentida no ensino fundamental (6 a 14 anos), que é obrigatório e está praticamente universalizado no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que País queremos construir para nossos filhos, netos e bisnetos? Queremos um Brasil capaz de oferecer oportunidades para que todas as pessoas, independentemente de classe social, raça, etnia, gênero ou religião, possam desenvolver suas potencialidades? Se sonhamos com esse modelo de Nação, não podemos descuidar da fase mais importante da vida de uma criança. A fase em que muitas delas são obrigadas a passar horas a fio trancadas dentro de casa, sem qualquer assistência, enquanto suas mães e pais têm de pegar pesado no batente. A fase em que muitas acabam morrendo de fome ou, quando não acontece tamanha tragédia, ficam com o desenvolvimento comprometido por causa de doenças que poderiam ser evitadas ou de problemas de natureza psicológica, como a falta de relações afetivas saudáveis com os adultos.

Se queremos prevenir essa grave doença da sociedade contemporânea, que é a violência, temos que adotar uma série de ações e políticas públicas capazes de conscientizar a população sobre a importância de combatermos a chamada cultura da violência, ainda tão arraigada no nosso País.

Um dos mais sérios problemas nesse campo é, sem dúvida, a violência doméstica porque, na grande maioria das situações, os maus-tratos permanecem escondidos entre quatro paredes. Segundo a pesquisa A Ponta do Iceberg, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (Lacri), apenas 10% dos casos de violência física e psicológica contra crianças e adolescentes são denunciados, o que dificulta bastante o mapeamento desse fenômeno. Mesmo assim, alguns levantamentos têm procurado jogar luz sobre o problema. Segundo dados do Lacri, por exemplo, foram notificados, de 1996 a 2006, quase 150 mil casos de violência doméstica contra meninos e meninas. Nesta década analisada pelo Laboratório da USP, 522 crianças brasileiras acabaram morrendo em decorrência da violência praticada em casa pelos pais biológicos ou outros adultos responsáveis por elas. 

Felizmente, já existe no Brasil uma forte corrente de organizações governamentais, não-governamentais e organismos internacionais atuando, com vigor, para combater todas as formas de violência cometidas contra nossas crianças. Uma dessas iniciativas é a Rede Nacional Primeira Infância, que é uma articulação nacional de organizações que atuam pela promoção e garantia dos direitos da criança até os seis anos de idade. Nós, da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, não só aplaudimos essa iniciativa como a apoiamos. Uma das missões dessa Rede é fomentar a elaboração, o aprimoramento e a integração das políticas nacionais para as crianças até os seis anos de idade, monitorando e avaliando sua implementação. Além disso, a Rede consolida e dissemina informações e referências sobre as temáticas desta faixa etária, bem como organiza ações de mobilização social e políticas para a realização de suas propostas.

Outra iniciativa importante é a “Rede Não Bata, Eduque” - uma campanha a favor dos direitos das crianças e contra os castigos físicos e humilhantes, que também é apoiada pela Frente Parlamentar. A deputada Maria do Rosário, coordenadora da Frente na Câmara, é a nossa liderança nessa empreitada e, inclusive, apresentou projeto de lei assegurando às crianças e aos adolescentes o direito de não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal.

Srªs e Srs. Senadores, estou cada vez mais convencida de que precisamos investir desde cedo nas nossas crianças, desde o momento em que elas ainda estão no ventre de suas mães, garantindo a todas as mulheres brasileiras acesso a um pré-natal, parto e pós-parto de qualidade. A etapa seguinte, a dos primeiros seis meses de vida do bebê, também merece uma atenção toda especial. Por isso, apresentei, em agosto de 2005, em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), projeto de lei prevendo a licença-maternidade de seis meses para as trabalhadoras da iniciativa privada em troca da concessão de incentivos fiscais às empresas que aderirem à idéia. A proposta ganhou o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Mais de dois anos se passaram e posso dizer, com certeza, que temos acumulado significativas vitórias nessa caminhada. Nesta quinta-feira, dia 18, fechando, portanto, a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, a Comissão de Direitos Humanos do Senado vai, finalmente, votar esta matéria e, se não houver recursos, o projeto seguirá diretamente para análise na Câmara dos Deputados e depois para a sanção presidencial.

É importante destacar que a idéia da licença de seis meses vem conquistando cada vez mais corações e mentes em todo o Brasil, despertando o interesse não apenas das trabalhadoras, mas também dos representantes do Poder Público.

Atualmente, contabilizamos 58 cidades onde a licença-maternidade ampliada é uma realidade para as funcionárias públicas municipais - 26 das quais estão no meu Estado, o Ceará.

Em seis estados - Amapá, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rondônia - também existem leis nesse sentido, beneficiando as trabalhadoras públicas estaduais. E em vários estados e municípios, as propostas nessa direção estão prestes a virar lei. Temos, portanto, motivos de sobra para comemorar e seguir adiante. Felizmente, o nosso exército em prol do bem-estar das mamães e de seus bebês só tem aumentado.

Além dessa adesão cada vez maior nos estados e municípios, temos o apoio entusiasmado do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, à nossa causa. E cada vez mais empresas percebem o quanto é importante adotar a licença ampliada. Já existem empresários que concedem os seis meses para suas funcionárias sem receber, com isso, qualquer incentivo fiscal, tal como prevê o nosso projeto. Tivemos, no começo de outubro, uma excelente notícia: a Nestlé anunciou que vai conceder às suas funcionárias a licença-maternidade de seis meses. Isso, sem dúvida, foi uma grande vitória e certamente estimulará mais empresas a seguir pelo caminho da responsabilidade social.

Vale lembrar que um dos principais objetivos da nossa proposta é reforçar os laços afetivos entre a mãe e o bebê, em particular, e entre a criança e sua família, de modo geral, nos seis primeiros meses de vida. A intenção é dar às mulheres a oportunidade de ficar em casa com seus filhos por mais tempo e, às crianças, o direito de desfrutar desse convívio maravilhoso com suas mães. Todos nós sabemos que são os olhares, os sons, os toques e as conversas entre mãe e filho que fazem com que a criança cresça com mais saúde, equilíbrio, confiança e auto-estima.

Os cientistas afirmam que esse forte vínculo afetivo entre a criança e sua família durante a primeira infância é uma poderosa ferramenta na prevenção da violência - esse mal que está corroendo a nossa sociedade, destroçando famílias, destruindo sonhos, roubando a infância de milhões de crianças brasileiras. Diversas pesquisas científicas vêm apontando para uma clara relação entre a falta de carinho, amor e atenção na primeira infância e o aparecimento de comportamentos violentos na fase adulta. Por esse motivo, os estudiosos têm defendido, com veemência, que precisamos incentivar, no Brasil, a cultura do afeto e do apego. Dar oportunidades para que cada criança brasileira possa conviver em um ambiente familiar tranqüilo, seguro e afetuoso pode, efetivamente, nos ajudar na terrível luta contra o crime organizado, o tráfico de drogas, a exploração sexual e a violência de modo geral.

Lamentavelmente, hoje constatamos que no “Brasil Real”, no Brasil das periferias das grandes cidades, das invasões, das moradias embaixo das pontes, crianças cada vez mais novas acabam sendo levadas para o mundo da criminalidade. Portanto, é urgente a tarefa de mudarmos esse cenário, fazendo cumprir, na prática, o preceito constitucional da prioridade absoluta para a infância e a adolescência. E esse investimento deve começar cedo, insisto! Somente assim vamos conseguir mudar o rumo da nossa história, vamos evitar, por exemplo, que tantos adolescentes acabem tendo um destino trágico em instituições como as Febens.

Além da luta pela ampliação da licença-maternidade, precisamos brigar pela expansão da oferta da Educação Infantil e também pela melhoria da qualidade do ensino nos seis primeiros anos de vida das crianças. É direito inalienável de toda criança freqüentar uma boa creche, uma boa pré-escola, uma boa escola, enfim. É dever do Estado oferecer o acesso à Educação de qualidade a todos os brasileiros. Vários estudos já mostraram o quanto o investimento em Educação Infantil traz benefícios para o desenvolvimento de uma Nação. Cada real investido nesse nível educacional representa, segundo os especialistas, sete reais de economia nas etapas seguintes. De acordo com o IPEA, cada ano de freqüência à pré-escola significa um aumento de 0,4 ano na escolaridade e uma redução de 0,5% na reprovação.

Por isso, durante as discussões em torno do Fundeb no Congresso Nacional, nós, da Frente Parlamentar, em parceria com as organizações da sociedade civil na área da educação e da infância, lutamos tanto para incluir as creches nesse fundo que vai financiar todas as etapas da educação básica no Brasil. Conseguimos essa conquista para nossas crianças pequenas, mas a caminhada não terminou com a regulamentação do Fundeb. A batalha por uma Educação Infantil de qualidade deve ser constante e precisa envolver todos os segmentos da sociedade e o Poder Público em suas três esferas de atuação.

Ainda no campo da Educação, tivemos recentemente outra importante conquista. Projeto de minha autoria, que prevê a inclusão do conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente nos currículos escolares do Ensino Fundamental, foi sancionado pelo Presidente da República. A nova lei estabelece que os direitos previstos no ECA sejam transmitidos aos alunos pelos professores das disciplinas já existentes, não havendo a necessidade da criação de uma nova matéria só para tratar desse tema.

Precisamos, cotidianamente, lutar pela aplicação dos direitos de todos os meninos e meninas do nosso País, conforme está escrito no Estatuto. Um dos instrumentos para fazer valer esses direitos no dia-a-dia é divulgando-os na comunidade escolar, em particular, e na sociedade, de modo geral. O ECA é uma das leis mais avançadas do mundo. Infelizmente, apesar de já ter completado 17 anos, ele nunca foi implementado na totalidade. Isso tem que mudar. E o primeiro passo é fazer com que a população brasileira o conheça melhor, sobretudo os agentes mais interessados, que são as próprias crianças e adolescentes.

Para concluir, gostaria de repetir o que venho dizendo desde que entrei na vida pública. Acredito que, para mudarmos a perversa face das desigualdades sociais, da pobreza e da violência no Brasil, temos que oferecer às nossas crianças oportunidades de desenvolver a criatividade, de ouvir e contar histórias, de dividir brincadeiras com os colegas, de mergulhar no maravilhoso mundo da magia, de ter uma convivência saudável, afetuosa e harmônica com suas famílias. É nessa direção que precisamos andar, lançando as bases para a construção de uma verdadeira cultura de paz no nosso País, onde valores como o amor, o respeito e a solidariedade ocupem o lugar da violência, do ódio e da intolerância.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2007 - Página 36294