Discurso durante a 210ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a manchete do jornal Correio Braziliense de hoje, intitulada "Brasília, cidade que espanca mulheres".

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre a manchete do jornal Correio Braziliense de hoje, intitulada "Brasília, cidade que espanca mulheres".
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2008 - Página 44757
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, SUPERIORIDADE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, REGISTRO, HISTORIA, CAMPANHA ELEITORAL, ORADOR, GOVERNADOR, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), DIALOGO, POPULAÇÃO, COMPROVAÇÃO, OCORRENCIA, CRIME, DOMICILIO.
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, MULHER, POBREZA, VITIMA, DIVERSIDADE, VIOLENCIA, AUSENCIA, DINHEIRO, PAGAMENTO, MEDICAMENTOS, DESEMPREGO, PRISÃO, DEPENDENCIA QUIMICA, FILHO.
  • REGISTRO, DEBATE, ORADOR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), INFERIORIDADE, SALARIO, MULHER, DIFICULDADE, AQUISIÇÃO, EMPREGO, INCOERENCIA, SUPERIORIDADE, ESCOLARIDADE, NIVEL SUPERIOR, DEFESA, ESFORÇO, SENADO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há temas que a gente fala uma vez aqui e basta, não é preciso que outros Senadores o retomem. Há, porém, temas que não basta um Senador, dois Senadores, cem Senadores abordarem: todos temos de falar sobre ele. Há pouco a Senadora Serys fez um discurso, Senador Efraim, sobre a violência contra as mulheres. Eu venho falar desse mesmo assunto.

Como morador de Brasília, como Senador do Distrito Federal, eu venho retomar o assunto que hoje está na manchete principal do jornal da nossa cidade, manchete que diz: “Brasília, cidade que espanca mulheres.” Venho com o constrangimento de brasiliense, venho com o constrangimento de Senador, embora venha também com a esperança de brasileiro, esperança de que tomemos um fato como esse, denunciado com tanta ênfase, e lutemos por um Brasil onde essa violência não exista mais.

Fui candidato, em 1994, a Governador do Distrito Federal, saindo das salas de aula da Universidade de Brasília. Se me perguntassem, Senador Mão Santa, o que aprendi em uma campanha em que fui de casa em casa, rua por rua, conversar com as pessoas durante o dia inteiro, eu diria que não foi a realidade da pobreza: essa eu já conhecia; não foi a realidade de casas sem água, sem esgoto: isso eu já conhecia; não foi a falta de educação que a gente vê: essa eu já conhecia; não foi o fato de ver jovens nas ruas em vez de estarem estudando ou trabalhando: isso eu já sabia que acontecia. Se me perguntassem o que eu aprendi e que eu não sabia, eu diria que foi o grau de violência que sofrem as mulheres dentro de suas casas.

As visitas que eu fazia nas tardes e nas manhãs para pedir voto, tentando mostrar o meu projeto, quase sempre resultavam em conversas com as mulheres. Os homens estavam fora, trabalhando, nos bares. As mulheres estavam em casa. E quando eu conversava com essas mulheres, às quais devo muito - não pelo voto que recebi, mas pelo aprendizado que me proporcionaram -, o que mais me chamava atenção e chocava era a maneira, às vezes quase natural, com que falavam da violência que sofriam dos maridos, dos filhos, de parentes que estavam em suas casas, da violência dentro da casa. Não falo da violência na rua, de um assalto, da violência praticado por um bandido na rua. Falo da violência dentro da própria casa, praticada pelos enteados, filhos, maridos, irmãos. Esse foi um aprendizado trágico que eu tive ao conversar com as mulheres do Distrito Federal.

Agora, tantos anos depois, vejo que essa realidade não mudou. Por isso, acho que esse é um tema que devemos abordar hoje, amanhã, depois e sempre, até este País vencer essa tragédia da violência doméstica, que toca sobretudo as mulheres, embora também, de forma dramática, as crianças.

Os homens raramente são vítimas de violência doméstica: os homens são os causadores da violência doméstica. Mas ao ressaltar que os homens são os causadores e não as vítimas dessa violência, cabe lembrar que essa não é a única violência que as mulheres sofrem.

Quando uma criança não tem remédio para tomar durante a sua doença, os pais sofrem profundamente, mas são as mães que recebem aquilo como uma violência contra elas próprias. A doença de um filho num pai provoca sofrimento; numa mãe, é sentida como uma violência semelhante àquela que vem sob a forma de uma pancada que ela recebesse. Essa é uma violência que muitas vezes a gente não percebe que as mulheres sofrem.

Quando um jovem, desempregado, sem estudar, fica nas ruas, claro que os pais sentem, claro que os pais ficam inconformados, mas são as mães, são as mulheres que, mais do que sentir e sofrer, recebem isso como uma verdadeira violência contra elas, porque a violência que toca num filho é uma violência que toca nas mães. E quando o jovem, além de desempregado, além de sem escola, cai na dependência da droga, é a mãe que sente, de maneira mais intensa, a violência que a sociedade brasileira provoca por meio do descaminho daquele filho.

A mãe que vê seu filho preso por causa de um crime que cometeu sente isso como uma violência contra ela, de uma forma às vezes mais brutal do que a violência contra o próprio prisioneiro, contra o próprio preso condenado por algum crime que cometeu e com consciência do que fez. A mãe não consegue ter essa consciência, a mãe não consegue achar que aquilo é a conseqüência de um crime, ela acha que aquilo é uma injustiça contra um dos seus filhos, carne da sua carne.

Por isso, nós temos que entender que essa manchete do Correio Braziliense que fala da violência que afeta as mulheres em minha cidade de Brasília não diz tudo. Essa manchete diz uma parte importante, mas não diz tudo. Há uma violência invisível tão forte quanto essa violência física, brutal, de que fala o jornal: é a violência que sofre a mãe pobre, é a violência que sofre a mulher pobre.

Quando uma criança vai para a escola e não há aula, o pai pode ficar preocupado com o fato de a criança não ter aula, mas a violência real recai sobre a mãe, que, além de não ter a escola para o filho, muita vezes perde o emprego porque tem de cuidar do próprio filho. Ela não apenas sente e se preocupa, como o pai, com o futuro daquela criança: ela recebe a falta de escola como uma violência contra ela.

Por isso, quando nós, professores, às vezes forçados pela realidade, fazemos uma greve, deveríamos nos lembrar que essa greve, por mais justa que seja, por mais necessária que seja, por mais positiva até que ela venha a ser na defesa da educação, essa greve é uma forma de violência contra as mulheres, contra as mães das crianças que ficam sem aulas.

As mulheres não sofrem apenas a violência física que vem dos seus maridos, dos seus namorados, dos seus filhos, dos seus enteados, dos seus irmãos: elas sofrem uma violência, igualmente brutal, da sociedade inteira, que faz com que a pobreza seja sentida de uma forma violenta, mas muito mais violentamente a sentem as mulheres.

O desemprego, todo mundo sabe, é uma violência contra todos, mas contra a mulher ela é maior, até porque, para as mulheres, mesmo o emprego vem de uma forma violenta, porque ela ganha menos do que o homem que trabalha ao lado fazendo as mesmas coisas.

Ainda hoje, conversando com Ministro do Trabalho sobre outros assuntos, tomei conhecimento de duas estatísticas surpreendentes. Uma: o único setor educacional no Brasil onde as mulheres têm mais empregos que os homens é o setor universitário. Já há mais mulheres com nível superior trabalhando do que homens, mas, em alguns casos, fazendo o mesmo trabalho do homem, há mulheres ganhando um quinto do salário que o homem recebe, e isso é uma violência. Não é visível, não deixa as marcas no rosto que deixa a violência brutal, física, mas é uma violência contra as mulheres.

Por isso, Sr. Presidente, esse assunto não pode se esgotar com a Senadora Serys tendo falado aqui hoje de uma maneira tão enfática sobre ele. Nós precisamos retomá-lo, retomá-lo sempre; precisamos denunciá-lo, denunciá-lo sempre; precisamos apresentar, repetidamente, propostas que ofereçam caminhos para corrigir essa deformação social que o Brasil tem.

E volto a insistir - chamem de uma nota só quantas vezes quiserem - que a maneira melhor para corrigir esse problema - não eliminá-lo de vez, mas reduzi-lo a dimensões que a gente possa não tolerar, não aceitar, mas que nos permitam com ele conviver - é uma revolução na educação brasileira, porque uma parte dessa violência decorre da falta de perspectiva. E não é porque o educado é menos violento. De maneira alguma: o analfabeto, muitas vezes, é mais pacífico do que o doutor. O problema é que o doutor tem mais alternativas na vida e, tendo mais alternativas na vida, tem menos frustrações, e essas frustrações é que muitas vezes levam à violência.

Por isso, Sr. Presidente, vamos continuar falando do assunto e procurando soluções para que o Brasil trate suas mulheres com a decência que nós temos obrigação de tratá-las.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2008 - Página 44757