Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, amanhã, de 13 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Transcurso, amanhã, de 13 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2009 - Página 11675
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO DE MORTE, TRABALHADOR RURAL, VITIMA, HOMICIDIO, VIOLENCIA, OPERAÇÃO, POLICIA MILITAR, ESTADO DO PARA (PA), IMPORTANCIA, ATENÇÃO, DATA, HOMENAGEM POSTUMA, SEM-TERRA, APRESENTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, LUTA, REFORMA AGRARIA, REITERAÇÃO, REPUDIO, INDIGNIDADE, ATENDIMENTO, INTERESSE, CLASSE SOCIAL, FAVORECIMENTO, MONOPOLIO, AGRICULTURA, MANIPULAÇÃO, POLITICA.
  • PROTESTO, IMPUNIDADE, CRIME, CONTINUAÇÃO, INJUSTIÇA, CAMPO, SEMELHANÇA, SITUAÇÃO, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, ESTADO DO PARA (PA), EXPLORAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, PRIORIDADE, INCENTIVO, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, CONTINUAÇÃO, MODELO, COLONIZAÇÃO, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, ATENDIMENTO, LOBBY, LATIFUNDIO, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESRESPEITO, COMUNIDADE INDIGENA, QUILOMBOS, TRADIÇÃO, POPULAÇÃO.
  • DENUNCIA, ABANDONO, ESTADO, REPARAÇÃO, SEM-TERRA, VITIMA, AGRESSÃO, CONFLITO, ESTADO DO PARA (PA), DEPOIMENTO, FALTA, ASSISTENCIA MEDICA.
  • ANUNCIO, MOBILIZAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, TRABALHADOR RURAL, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, IMPUNIDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, agradeço ao Senador Efraim Morais pela palavra de deferência que sei que é sempre uma gentileza, própria da sua forma de atuar aqui nesta Casa; e ao Senador Mão Santa, ao me conceder a palavra e lembrar o tempo. Eu, evidentemente, tentarei ficar dentro do tempo...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Regimentalmente, V. Exª tinha cinco minutos, mas vou dar dez, pela nota que V. Exª merece e em respeito a Heloisa Helena.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Muito obrigado.

A Presidenta nacional do PSOL, Heloisa Helena, é sempre agradecida às suas manifestações e à sua lembrança, na luta para construir um instrumento da luta política dos trabalhadores brasileiros, representada pelo PSOL, esperança de manutenção permanente no horizonte da política, da luta pela construção de um Brasil socialista.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amanhã, 17 de abril, completam-se 13 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, a maior chacina de trabalhadores rurais sem terra da história contemporânea do Brasil.

Em 1996, nessa data, na pequena cidade do sudeste do Pará, duas tropas da Polícia Militar do Pará, fortemente armadas, investiram de direções opostas a um só tempo, contra aproximadamente 1.500 homens, mulheres e crianças acampados na chamada Curva do “S”. Uma tropa chegou atirando, supostamente para dar maior eficácia à determinação de desobstruir a rodovia; a segunda não tardou a seguir seu exemplo.

Um sem-terra portador de deficiência mental e surdo-mudo foi o primeiro a ser derrubado a golpes de cassetete e coronhadas, para, logo em seguida, receber tiros fatais. Mesmo com a rodovia já desobstruída, houve perseguição aos demais, que fugiam mata adentro.

         O saldo dessa perseguição é conhecido: a morte de 19 adultos e adolescentes, onze dos quais atingidos com tiros na cabeça, pelo menos três executados com tiros à queima-roupa, sete feridos também com armas brancas, lesões de maior ou menor gravidade em pelo menos 69 sobreviventes.

Venho a esta tribuna, para lembrar esse triste episódio, dedicando neste momento uma homenagem póstuma àqueles que perderam suas vidas na luta por um pedaço de terra em que pudessem plantar e viver com dignidade.

Aos sobreviventes do massacre, que continuam a simbolizar essa mesma luta, envio minha solidariedade e reafirmo minha indignação, porque jamais conseguirei esquecer evento tão emblemático da violência institucional praticada no Pará e no Brasil, no interesse, é verdade, de antigas e novas oligarquias agrárias.

         Creio que devo contribuir, para que o fatídico massacre permaneça vivo na memória popular, de maneira que as novas e futuras gerações o conheçam e o estudem como episódio vergonhoso de nossa história recente. E o faço, saudando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que promove nestes dias, de 14 a 17 de abril, no Pará e em outros Estados, atividades públicas com esse mesmo propósito, como sempre contando com o apoio e a solidariedade de instituições sérias e de muitos outros movimentos sociais.

Mas, tanto quanto o MST, deploro o fato de que o Massacre de Eldorado dos Carajás não possa ser lembrado, conhecido e estudado neste momento como episódio de um cenário de injustiça já superado ou, pelo menos, em vias de superação. Treze anos depois, o crime cometido contra tantos despossuídos da terra e de cidadania, desarmados e indefesos, continua absolutamente impune; e as causas mais profundas da violência contra os sem terra, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, continuam intactas. O massacre ocorreu no século e milênio passados, mas e forçoso admitir que esse longo período pouco significou no sentido de que a Justiça se fizesse: mandantes e executores do massacre continuam impunes, definitivamente livres ou beneficiados por recursos judiciais sem prazo para julgamento, a despeito de tantas provas documentais e testemunhais juntadas contra os mesmos; resultado lógico das farsas montadas para simular o seu julgamento por júri popular.

A impunidade que os protege protege muitos outros executores e mandantes de crimes no campo; e, pior, estimulou o cometimento de crimes mais recentes, como o que ceifou a vida da querida e inesquecível Irmã Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, em Anapu, também no Pará.

A impunidade persiste como regra porque a lei que regula, na prática, os conflitos fundiários é ditada pelos grupos econômicos que detêm a posse das grandes extensões de terra disponíveis ou disponibilizáveis para a agricultura, não raras vezes por meios ilegais, grilagens e outros tantos crimes; oligarquias sempre capazes de moldar as instituições públicas a seus próprios interesses.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Lula revelou-se entusiasta de um modelo de desenvolvimento nacional, baseado na pauta de exportações de commodities, que atualiza os elementos que marcaram a colonização do País e só podem ser viabilizados com a apropriação de vastos territórios e a concentração da terra nas mãos de poucos. É o modelo que impõe à Amazônia e ao Pará, sem encontrar nenhuma objeção por parte do Governo do Estado, cada vez mais disposto a mostrar serviço à Vale do Rio Doce e ao agronegócio, vergando-se às pressões do latifúndio e de seus porta-vozes e ordenando operações policiais gigantescas para desmontar ocupações de terra, incluindo a prisão de trabalhadores rurais sem terra que insistam em trabalhar e viver na terra ocupada. Isso, ao mesmo tempo em que tolera o processo avassalador de apropriação pelas mesmas de novas extensões de terra para fins econômicos predatórios, através da derrubada da floresta e da pressão sobre as áreas ocupadas por comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, que sofrem todo o tipo de violência para continuar mantendo seu direito à terra.

Da mesma forma, causa indignação saber que, passado tanto tempo, apenas 23 dos 69 sobreviventes receberam até agora a reparação devida pelo Estado. Várias das vítimas, que sobrevivem com terríveis sequelas e, inclusive, algumas com balas alojadas em seus corpos, denunciam que não têm recebido a assistência médica tantas vezes prometida pela propaganda governamental.

Infelizmente, no momento em que choramos pelas mortes das vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás, os novos donos do poder perpetuam o ambiente econômico e a cultura geradores da violência no campo, que favorece o assassinato de muitos outros trabalhadores sem terra e lutadores pela reforma agrária. Mas, não bastasse isso, cresce em todo o País a consciência de que jamais haverá justiça para o caso do Massacre de Eldorado dos Carajás e para qualquer outro caso de igual motivação sem a luta firme, vigorosa e determinada do MST e de outros legítimos movimentos sociais pela Reforma Agrária e por democracia livre de qualquer compromisso com o latifúndio.

Ontem, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, participei de um importante seminário no plenário de uma das comissões da Câmara dos Deputados, organizado pela Frente Parlamentar da Terra das Populações Tradicionais, da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Alimentar, em que esses crimes foram abordados, a luta pela reforma agrária, a luta contra a impunidade e a cobrança para que o Poder Judiciário julgue, sim, imediatamente, todos os recursos relativos a processos por mortes e assassinatos no campo. e se cumpram não aquelas intenções manifestadas pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, que ordenou, através de uma resolução, que as varas agrárias do País fizessem imediatamente a desocupação, o cumprimento de mandatos judiciais para retirar da terra aqueles que lutam por um pedaço de terra.

Nós queremos agilidade, sim, celeridade para punir os criminosos do latifúndio, os assassinos de trabalhadores rurais que promovem a violência no campo.

         Portanto, amanhã é um dia de luta internacional dos camponeses de várias partes do mundo, que não aceitam que a luta pela terra, pela justa promoção dos direitos dos trabalhadores rurais não seja tratada como caso de polícia e que, por isso, ficam à mercê da violência muitas vezes institucional dos poderes constituídos, do latifúndio, da grilagem, dos escravagistas contemporâneos que mantêm trabalhadores em condições análogas à de escravo. Apesar dos crimes denunciados, comprovados, não existe no Brasil, Sr. Presidente, nenhum escravagista contemporâneo preso.

         Isso é triste, porque a nossa lei penal prevê o crime de trabalho escravo e estabelece as penas correspondentes àqueles que tratam a vida humana como coisa, com descaso, e que, por isso, merecem o nosso mais veementemente protesto pela protelação da Justiça brasileira em todas as suas instâncias, para manter a impunidade dos que vivem às custas da exploração do trabalho e da dignidade humana.

Sr. Presidente Senador Mão Santa, ao fazer este pronunciamento e lembrar aqui o massacre de Eldorado dos Carajás, quero dizer a todos e a todas em nosso País que não devemos desanimar, não devemos nos curvar aos interesses poderosos do latifúndio. Vamos manter viva essa história, para continuarmos sendo referência de resistência, de coragem e de determinação, para transformar o nosso País num país digno - um País com tanta terra e pessoas morrendo por conta de conflito de terra! Somos um País com enorme possibilidade de desenvolvimento, não desenvolvimento para favorecer os grandes monopólios, mas o desenvolvimento sustentado, social, garantidor de condições dignas de trabalho, moradia, salário e direitos iguais para todos, algo que nós precisamos a cada dia e a cada hora nos dedicar, Senador Mão Santa, a exigir, a protestar, a reivindicar, a apoiar todas as formas de luta que signifiquem a busca da cidadania, a garantia de direito.

É esta a nossa palavra, como Líder do PSOL, homenageando a luta dos trabalhadores rurais pela reforma agrária.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2009 - Página 11675