Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2009 - Página 13470
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, COMENTARIO, LIVRO, BIOGRAFIA, LUTA, PAZ, LIBERDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, COMBATE, REGIME MILITAR.
  • EXPECTATIVA, LANÇAMENTO, FILME DOCUMENTARIO, BIOGRAFIA, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, LEITURA, TRECHO, OBRA INTELECTUAL, AUTORIA, SACERDOTE, PROFESSOR, HOMENAGEM, ATUAÇÃO.

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O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr. Arcebispo Emérito de Brasília, Rvmº Cardeal Dom José Freire Falcão; Srª Myrna Câmara, Sr. Secretário Executivo do Centro Nacional Fé e Política Dom Helder Câmara e assessor político da CNBB, Rvmº Padre Ernane Pinheiro; Senador Inácio Arruda, Sr. Representante da Igreja Greco-Ortodoxa, Rvmº Padre Emanuel Sufoulis e demais Rvmºs padres, eu gostaria de revelar um sentimento que me passava pela cabeça, pela sensibilidade, através das referências feitas por diversos oradores que eu tive ocasião e a honra de ouvir a respeito de Dom Helder Câmara.

Parece-me que S. Exªs, os Srs. Senadores, estavam contextualizando Dom Helder num Nordeste que era o Nordeste visto, Presidente Sarney, por Josué de Castro. O Nordeste que gerou os sonhos de Celso Furtado, o Nordeste que gerou a revolta canalizada pela liga camponesa de Francisco Julião, o Nordeste que permitiu o nascimento de outro cearense, como Dom Helder, criado e desenvolvido psicologicamente em Pernambuco e Miguel Arraes de Alencar.

Eu tive os meus primeiros contatos por leitura, por rádio e televisão com Dom Helder Câmara, quando eu, menino, sabia do seu trabalho belíssimo no Rio de Janeiro. Amazonense, meu pai Deputado Federal, eu morava no Rio de Janeiro. Ele criou por lá um conjunto habitacional para baixíssima renda chamado Pequena Cruzada, e a intenção era a melhor; era, na prática, fazer algo pelos mais necessitados do País. Um homem que foi gestado numa matriz de pensamento próxima à de Plínio Salgado terminou, depois, ironicamente sendo chamado de ativista do comunismo, até porque esse Nordeste que eu aqui tento contextualizar, não poderia deixar de despertar numa alma sensível o sentimento de revolta que, em alguns, se manifestava como revolta pura e simples e em Dom Helder Câmara se manifestava como uma luta que colou a paz ao seu sobrenome.

Eu estava vendo aqui o livro que o Padre Geovane Saraiva escreveu em parceria com o Professor José Cajuaz Filho. Ele presenteou, com esse belo livro, o Senador Tasso Jereissati, que é um dos requerentes desta sessão de homenagem. O livro se chama O peregrino da Paz. Já ouvi outros falarem em outros livros, sempre com a palavra paz colada à figura de Dom Helder Câmara.

Ao mesmo tempo, o lutador social e a luta social implicam naturalmente em conflito. Não existe a perspectiva de lutar contra injustiças sem arrostar a idéia do conflito e do enfrentamento numa época em que o Nordeste servia de palco para toda essa explosão de emoções - uns querendo conservar uma ordem social injusta e outros querendo alterá-la, querendo mudá-la, querendo subvertê-la. E era muito bom que houvesse gente como Dom Helder, disposta, pela paz, a querer subverter a ordem social anacrônica, injusta, desumana e, sem dúvida alguma, anticristã, que ele encontrava à sua frente.

A iniciativa foi das melhores, porque Dom Helder Câmara - e aí vou falar muito do que percebi dele já como alguém que militava na política estudantil do Rio de Janeiro - era para nós um símbolo de luta por liberdade. Dom Helder Câmara representou sempre uma voz dissonante em relação à ditadura militar que estabeleceu no Brasil, sempre. Significava, a partir da sua arquidiocese de Olinda e Recife, uma voz que ecoava, apesar da censura política, pelo País inteiro e dava a exata dimensão de como alguém fisicamente frágil poderia ser tão rijo nas suas qualidades interiores.

Lembro-me de Dom Helder e queria citar outra pessoa que eu julgava muito parecida com ele na firmeza de defender suas convicções: o Ministro do Supremo Tribunal Federal Ribeiro da Costa, que, certa vez, emitindo - como emitiu - uma ordem de libertação dos Governadores Miguel Arraes de Alencar e o Seixas Dória, de Sergipe, que estavam encarcerados em Fernando de Noronha, teve o desprazer de ouvir o então Ministro da Guerra - não era do Exército e nem muito menos se poderia pensar nessa coisa democrática, que é o Ministério da Defesa, era Ministério da Guerra, que se chamava - Gal. Arthur da Costa e Silva, dizer que o Exército brasileiro não iria acatar a ordem do Presidente do Supremo Tribunal Federal. E o Ministro Ribeiro da Costa, franzino como D. Helder Câmara, de estatura baixa, como D. Helder Câmara, disse, de maneira muito simples: “O Governador Arraes e o Governador Seixas Dória serão libertados porque eu, em 24 horas, me dirigirei para lá e vou voltar com os dois se porventura a ordem da Suprema Corte brasileira não for cumprida”.

E seria uma situação estranhíssima. Ele, civil e desarmado, ir fazer pessoalmente o papel do oficial de Justiça que iria libertar os dois governadores presos injustamente aos olhos da Suprema Corte.

A solução que a ditadura que se implantava, que não estava nem inteiramente implantada, encontrou foi a de aumentar artificialmente o número de ministros do Supremo Tribunal Federal. E, com isso, começaram a ter maioria de votos lá dentro, parecido com o que a ditadura fez, em algum momento, no Senado, inventando os chamados senadores biônicos e, com isso, garantindo uma maioria artificial que as urnas e as ruas já não garantiam mais ao regime de força que queria se perpetuar, como qualquer regime de força sempre tem a ilusão de que pode se perpetuar.

Eu via em D. Helder a figura da coragem, daquela coragem parecida com Gandhi, aquela coragem parecida com quem tem uma crença tão absoluta e tão forte e tão significativa que essa coragem se transmite do psicológico para o físico e contagia as demais pessoas, infundindo e fazendo as outras pessoas criarem também elas próprias uma aura e uma corrente de fé e de coragem.

Estou muito ansioso por ver, e farei isso mais tarde, o documentário de 35 ou 40 minutos - o Senador Tasso Jereissati também manifestou curiosidade sobre o documentário -, de autoria de uma jovem e brilhante diretora chamada Erika Bauer, cujo título é D. Helder Câmara, o santo rebelde.

         Se temos tantas pessoas escrevendo livros, grudando o nome de D. Helder Câmara à palavra paz, há aqui alguém que, no seu exercício intelectual, configura D. Helder como rebelde, um anjo rebelde, mas ainda assim um anjo. Rebelde, porém um anjo. E o anjo, obviamente, se rebelava porque queria paz em um país que só poderá obter a sua paz definitiva se souber conciliar os brasileiros com os brasileiros, se souber diminuir as injustiças tão gritantes que nos varrem de norte a sul e fazem com que uns sejam muito mais brasileiros do que outros, até porque dotados de regalias que não estão ao alcance da maioria esmagadora, daqueles que trabalham e não obtêm do fruto do seu trabalho o direito de passar uma vida tranquila até a velhice e de garantir, sequer, escola de boa qualidade e atendimento de saúde adequado para seus filhos.

         Portanto, o profeta da paz, o peregrino da paz ou o anjo rebelde, o fato é que D. Helder Câmara exerceu sobre mim, Srª Mirna, um fascínio muito grande porque eu me lembro da tranquilidade com que ele se havia em todas as situações, como ele conseguia enfrentar a parte da Igreja Católica que entendia que o dever missionário se esgotava no próprio ofício religioso e não deveria se ligar a nada que parecesse com a luta social lá de fora. Ele fazia isso com tanta tranquilidade que eu percebia que essa tranquilidade era justamente algo que vinha do seu espírito superior.

         Certa vez, o grande debatedor, o grande polemista Carlos Lacerda, trocou certas palavras duras com ele - duras, de Carlos Lacerda, e brilhantes, como sempre; por coincidência, Lacerda estaria fazendo agora 95 anos, Dom Helder, 100 anos. Trocou palavras duras com ele, e ele respondia do alto da sua tranquilidade e do alto da sua também invejável cultura sobre o mundo, sobre o País, sobre as coisas do País, e se revelava um contendor à altura daquele que todos consideravam o mais exímio, o mais ardoroso e o mais talentoso dos debatedores que já teriam passado por este Congresso Nacional. Ele não perdia a calma em nenhum momento, mas sua coragem estava provada. Foi ao exterior denunciar tortura - e aqui vejo no livro do Padre Geovane e do Professor Cajuaz Filho algo muito interessante, que diz:

Eu saúdo o centenário de Dom Helder e Patativa

Dom Helder com sua ternura

Foi bater no exterior

Lá denunciou a tortura

Que no Brasil se instalou

Onde presos viviam horrores

Nas mãos de torturadores

De um regime totalitário

Registrava tudo em missiva

Ou seja, as pessoas que tinham coragem de afirmar esse sentimento humanista diante desse fato ignominioso, que é a tortura, quando tantos fechavam seus olhos, tantos se acovardavam, tantos fingiam que não estavam vendo algo que mexia com a sensibilidade de quem a tinha... E havia - quero reconhecer - pessoas que pertenciam às fileiras do próprio regime autoritário, mas que tiveram a coragem, tiveram a sensibilidade de se insurgir contra a tortura. E aconteceu isso com o General Geisel, que, em determinado momento, demitiu o Ministro da Guerra Sílvio Frota, porque não tolerou que os porões da ditadura continuassem torturando e matando, como fizeram com Manoel Fiel Filho, com Vladimir Herzog, aquele General Ednardo - não dá para lembra o sobrenome, lembra o nome, pronto, esquece o resto. Pessoas que tiveram a capacidade de ser humanas, ou seja, julgavam que aquele regime significava o melhor para o País. Não estou aqui para tentar dominar a cabeça de ninguém ou tentar manipular o pensamento de quem quer que seja. Eu apenas entendo que o Brasil não teria saída nenhuma se não fosse consolidando e ampliando o seu espaço de democracia.

Mas conheço pessoas dignas, pessoas decentes que militaram do outro lado. Aprendi isso quando Deputado, jovem, ainda sob o regime militar, eu aqui tive debates com pessoas que aprendi a respeitar e que derrubavam os meus preconceitos, me ensinavam que eu não era dono da verdade toda do mundo e que era possível alguém pensar diferente de mim e ter um pensamento que eu julgava conservador - era meu direito achá-los conservadores -, mas que mereciam respeito sim, porque eram pessoas dignas, decentes e que estavam, à maneira delas, servindo o Brasil de uma maneira que eu julgava inadequada de se servir o Brasil. Eu procurava, como procuro até hoje, servir o Brasil da maneira que julgo mais adequada e mais justa.

Hoje, quando temos uma democracia, que de fato se consolidou no Brasil, vemos o Brasil inteiro unido e não mais dividido em facções e não mais dividido em rancores, em ódios ou em lembranças amargas. Vejo o Brasil hoje simplesmente comemorando o centenário de nascimento de um homem, profeta da paz para uns, peregrino da paz para outros, anjo rebelde para a Srª Érika Bauer, um homem que nós todos sabemos que, quando nada é, eu imagino que poderia dizer de Dom Helder tudo que fosse adjetivo bonito, mas preferia dizer que ele era apenas um modelo, alguém que teria sido apenas um homem, como os demais homens deveriam ser: com integridade, com dignidade, com seriedade, com firmeza, com coragem. E pergunto: não seria essa a destinação de todos os homens? Não seria essa a destinação natural de todo ser humano, a de se portar com integridade ao longo de uma vida? Ou teríamos que ter como exemplos e como exceções aqueles que cumpriram seus deveres de seres humanos?

Eu preferia imaginar um mundo ideal e dizer que hoje estamos aqui reverenciando um grande brasileiro, um grande cidadão da humanidade e um homem. E, se todos fossem parecidos com ele, seria apenas um homem. E como nem todos se parecem ou se pareciam com ele, o inesquecível D. Helder Câmara. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2009 - Página 13470