Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento favorável à indispensável autonomia e independência das agências reguladoras.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Posicionamento favorável à indispensável autonomia e independência das agências reguladoras.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2009 - Página 17081
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, CONCESSÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, COMENTARIO, DIFICULDADE, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EXIGENCIA, POPULAÇÃO, DEFESA DO CONSUMIDOR, REGISTRO, EVOLUÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, TENTATIVA, RESTRIÇÃO, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL, CORTE, RECURSOS, ATRASO, INDICAÇÃO, DIRETOR, CONSELHEIRO, EDIÇÃO, DECRETO FEDERAL, INTERFERENCIA, GESTÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, LEGISLATIVO, ATENÇÃO, GARANTIA, INDEPENDENCIA, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, passada já mais de uma década da criação da primeira agência reguladora no Brasil, o importante papel dessas instituições ainda não foi bem compreendido entre nós. Há razões históricas para isso. As agências reguladoras são um novo tipo de órgão público, criado no Brasil a partir de meados da década de 1990, após a aprovação da Lei de Concessão de Serviços Públicos, em 1995. Em decorrência, as agências tornaram-se necessárias para que se pudesse conceder a agentes privados o direito de operação de serviços públicos, tais como energia elétrica, telefonia e exploração de petróleo.

            Desse modo, as agências passaram a fazer parte da vida brasileira, tornando-se, simultaneamente, objeto de acirrada polêmica. Sendo o símbolo mais evidente da privatização de serviços públicos tradicionalmente prestados pelo Estado, atraíram sobre si as críticas de tantos quantos se opunham à participação da iniciativa privada na prestação desses serviços.

            Mesclada a essa oposição, houve, também, e segue havendo, ainda hoje, dificuldade na compreensão do papel das agências reguladoras. Trata-se de um novo tipo de ente estatal, cujas características complexas e peculiares foram de difícil assimilação, tanto pela sociedade, quanto pelos poderes públicos.

            O Executivo se ressentiu do que considerou perda de parte de seu poder. O Judiciário, por vezes, confrontou suas decisões de maneira equivocada. O Legislativo cobrava das agências ações que dependiam da feitura de leis. O Tribunal de Contas da União quase invadiu seu espaço legal de decisão regulatória. A população, de forma até compreensível, desejava que as agências reguladoras se comportassem como órgãos de defesa do consumidor, postando-se ao seu lado, contra os prestadores de serviços.

            Apesar dessas e de outras dificuldades, a maioria das agências tem conseguido realizar o seu trabalho e demonstrar a sua utilidade. Hoje já está bastante mais claro o papel desses órgãos de Estado, que precisam ter os pés no presente e o olhar voltado para o futuro, sempre apontado em direção ao horizonte do interesse público. Às agências reguladoras cabe a complexa e interminável tarefa de, por meio das melhores práticas democráticas, promover o equilíbrio entre os interesses de governos, empresários e usuários dos serviços, buscando sempre o melhor para o País.

            Entre os que se opuseram às agências reguladoras desde a sua origem, por serem contra a concessão de serviços públicos, estava o Partido dos Trabalhadores, hoje no poder, com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No governo, essa oposição continuou e foi sinalizada pelo próprio Presidente, logo no início do seu primeiro mandato, ainda em fevereiro de 2003.

            A propósito de reajustes de tarifas, assunto adequada e legalmente afeto às agências, dada a sua complexidade e a necessidade de tratamento isento do assunto, o Presidente Lula afirmou, à época, que o poder político havia sido terceirizado no Brasil, e que, em razão disso, o Presidente da República ficava sabendo desses reajustes pelos jornais. O Presidente reclamava do que considerava excessiva autonomia e independência das agências reguladoras.

            Um ano mais tarde, após muita polêmica, o Governo enviou ao Congresso um Projeto de Lei Geral das Agências, no qual figuravam, entre outros equívocos, a vinculação da liberação de recursos para as agências ao cumprimento de metas fixadas em contratos de gestão e a instituição da figura de um Ouvidor, nomeado pelo Presidente da República, que acabaria sendo, na prática, uma espécie de “olheiro” do Executivo dentro das agências. Foi a primeira tentativa de domesticar as agências reguladoras, mas a repercussão negativa foi grande e o projeto não foi votado até hoje.

            Não tendo tido sucesso pela via legislativa, o Governo do Presidente Lula fez o que estava ao seu alcance para tentar subordinar as agências: contingenciou, de maneira indevida, os seus recursos próprios e retardou a indicação de novos dirigentes para os órgãos reguladores.

            No primeiro caso, os contingenciamentos chegaram a 60% dos recursos próprios da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para ficar em apenas um exemplo. No segundo, de acordo com levantamento feito pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e das Indústrias de Base, no ano de 2006, uma das seis agências reguladoras existentes no País chegou a ficar 98 dias sem diretor. Também em 2006, chegou-se a ponto de o Conselho Diretor da Anatel ficar sem poder deliberar por falta de indicação de novos Conselheiros. Também a Anac, Agência Nacional de Aviação Civil, foi vítima dessa estratégia governamental e do preenchimento de cargos diretivos por pessoas completamente despreparadas para exercê-los. O resultado, como sabemos, foi o desastroso “caos aéreo” que atingiu os usuários dos serviços de aviação brasileiros.

            Como se não fosse bastante, o Governo criou, em março de 2007, por meio do Decreto nº 6.062, o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-Reg). Por trás do que parece ser uma bem-intencionada iniciativa, há uma maldisfarçada tentativa de, mais uma vez, tutelar as agências reguladoras. Com palavras bonitas, busca-se dar ao Governo a iniciativa das ações que lhe convém com o intuito de doutrinar os reguladores.

            Basta, para isso, atentar para os objetivos do PRO-Reg, que vou me permitir ler para Vossas Excelências. O PRO-Reg tem os seguintes objetivos:

            “I- fortalecer o sistema regulatório de modo a facilitar o pleno exercício de funções por parte de todos os atores;

            II- fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas públicas em setores regulados;

            III- a melhoria da coordenação e do alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório;

            IV- o fortalecimento da autonomia, transparência e desempenho das agências reguladoras; e

            V- o desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos para o exercício do controle social e transparência no âmbito do processo regulatório.”

            Quem tem uma noção mínima do que seja uma agência reguladora e de qual deve ser o seu papel, entende com facilidade o que se pretende com o PRO-Reg. O Governo Federal é uma das partes de um processo, de cujos interesses, as agências, para bem cumprir o seu papel institucional, precisam se manter eqüidistantes, ainda que em processo de permanente diálogo. Não lhe cabe, portanto, criar um Programa dessa natureza.

            Assim, claro está que um Programa como esse tem o objetivo de “catequizar” as agências, para alinhá-las ao pensamento e aos interesses governistas, que não estão necessariamente sempre de acordo com o interesse público. Além disso, as agências não podem e não devem ser caudatárias de doutrinas deste ou daquele governo.

            Ao contrário!!

            Elas devem sempre trabalhar, no seu âmbito de ação, para implementar políticas públicas fixadas em Lei, cuja iniciativa, essa sim, pode ser do Poder Executivo. Mas essas políticas têm que ser discutidas e referendadas pelo Congresso, para se transformarem em Leis. E as agências, ainda que devam buscar um relacionamento harmônico com o governo, devem obediência exclusiva ao que determinam a Lei e os Decretos que a regulamentam em consonância com a intenção do dispositivo legal, quando for o caso. Esse é o procedimento democrático desejável.

            As agências regulam setores complexos da economia, que demandam muito conhecimento, merecem estudo, acompanhamento diuturno e fiscalização rigorosa. Para isso, precisam ter recursos próprios para, em cumprimento ao que a Lei estabelece, preparar quadros de alto nível, conhecer em profundidade o setor regulado, produzir normas adequadas ao seu bom funcionamento e ao interesse público e fiscalizar o seu cumprimento. Não precisam e não devem estar atreladas a programas de fortalecimento ou de capacitação criados pelo Poder Executivo, que tem os seus próprios interesses.

            Quero reiterar, portanto, a minha posição em favor da indispensável autonomia e independência desses órgãos, para que eles possam exercer, com equilíbrio, o seu difícil e necessário papel, que exige eqüidistância dos interesses governamentais, dos interesses de usuários e consumidores e os dos prestadores de serviços. Uma agência reguladora sem autonomia e independência será fatalmente capturada pelos interesses de um ou mais desses agentes e deixará de atender o interesse público, que resulta da virtuosa combinação dos interesses de todos eles.

            Por último, mas não menos importante, quero dizer que precisamos, nós do Legislativo, acompanhar as ações desse Programa, o PRO-Reg, de maneira a nos certificarmos de que elas não atentam contra a autonomia e a independência das agências reguladoras. É o mínimo que podemos fazer para assegurar que o interesse público seja sempre o norte das ações governamentais nesse campo.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2009 - Página 17081