Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21656
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, COMPOSITOR, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, TRADIÇÃO, CULTURA, POVO, REGIÃO NORDESTE, DESCRIÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, SECA, REGIÃO SEMI ARIDA, DENUNCIA, INJUSTIÇA, POBREZA, ALTERNATIVA, MIGRAÇÃO, CONSTRUÇÃO, IDENTIDADE, BRASILEIROS, LEITURA, TRECHO, OBRA ARTISTICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Boa-tarde a todos os convidados e convidadas.

Quero aqui cumprimentar a Mesa, na pessoa do Ministro Ubiratan Aguiar, cearense, parabenizar a iniciativa dos Senadores do Ceará Inácio Arruda e Tasso Jereissati. Brevemente, eu não poderia deixar de me associar a esta bela homenagem que hoje prestamos, graças à iniciativa do Inácio Arruda, a este grande poeta que foi Patativa do Assaré.

Como filha de nordestinos, Senador Tasso, minha banda materna da família foi parte do Ceará e parte do Rio Grande do Norte para o Estado de Rondônia, ainda nos idos dos anos 40. Então, a triste partida foi mais triste ainda, Deputada Vanessa Grazziotin, porque era uma viagem muito longa. E, como filha e neta de nordestinos, eu não poderia deixar de vir aqui nesta tarde parabenizar e também tecer algum comentário sobre essa figura importante da nossa cultura popular.

O que eu gostaria de ressaltar, senhoras e senhores, nesta pequena homenagem, é justamente a figura do artista popular, que Patativa do Assaré corporificou como ninguém. De pouca - quase nenhuma - educação formal, Patativa criou uma obra poética cujo enraizamento na tradição não seria mais denso se tivesse sido ele um erudito. Nos seus versos, muitas vezes ouvimos um ritmo medieval, escutamos ecos de nossas raízes profundamente enterradas na Península Ibérica, recuperadas de nosso inconsciente coletivo e trazidas de volta à consciência, graças ao talento do artista.

Mas, se sua obra nos leva longe, em direção aos fundamentos, também nos faz ver e compreender, com a clareza típica do Nordeste, a circunstância em que se inscreve imediatamente. É o sertanejo que fala nos versos de Patativa, com sua dicção própria, sua linguagem peculiar, seu sotaque e sua pronúncia particular. É do sertão que fala a poesia de Patativa, com suas belezas e mazelas. É a visão especial que o sertanejo tem de sua circunstância, os prazeres e as dores de viver no sertão, que experimentamos por meio da obra de Patativa, e eu, em especial, experimento pelos relatos de meus antepassados.

E é esta, Sr. Presidente, a marca indelével do grande artista popular: fazer tocarem-se o mais distante e o mais próximo, trazer à tona aquilo que estava esquecido, iluminando nossa experiência imediata com uma luz que vem de longe, e, assim fazendo, revelando nossa mais profunda identidade, mostrando nossa unidade e nossa continuidade fundamental, por baixo das descontinuidades da memória e da história.

Lendo Patativa, entendemos o sofrimento do povo nordestino. Lendo o ABC do Nordeste Flagelado, entendemos e sentimos “quanto é dura a seca no meu sertão”, como diz o verso final do famoso poema. Lendo O Vaqueiro, entendemos e sentimos o orgulho do sertanejo, que vê beleza e grandeza incomparável no seu modo de vida rústico.

Patativa deu voz e visibilidade à multidão de nordestinos que vivem submetidos às inclemências da natureza, aos efeitos mais perniciosos das injustiças sociais, à pobreza muitas vezes extrema. E, sendo ele próprio um nordestino que conheceu a pobreza, a seca e as injustiças, soube como ninguém ser o porta-voz da dor e da delícia de ser nordestino.

Patativa foi sensível aos problemas do povo, e, assim sendo, sua poesia não podia deixar de ter um sentido político. Agricultor, conhecia na pele não apenas as vicissitudes da natureza, o medo da seca e da fome que a acompanha, mas também as injustiças da desigualdade. Cantou os anseios do povo e manifestou suas esperanças. E aqui trago também um verso, ou melhor, uma parte de uma poesia:

Esta terra é desmedida

E devia ser comum,

Devia ser repartida

Um toco pra cada um,

Mode morar sossegado.

Eu já tenho imaginado

Que a baixa, o sertão e a serra,

Devia sê coisa nossa;

Quem não trabalha na roça,

Que diabo é que quer com a terra?

Atualíssimos os versos.

Mas o que mais chama a atenção em sua poesia, senhores e senhoras, é o lirismo. Patativa foi o grande lírico dos sertões. Soube ver a poesia por sob a aridez da caatinga, desvelando o cerne tenro por baixo da superfície ressequida. Sua poesia é como o personagem de seu poema O Vaqueiro, que mencionei há pouco: rude marruêro que não dá carreira perdida, protegido com sua armadura de couro, montado em seu cavalo capoeiro, resistente aos cipós e aos espinhos, agreste e duro por fora, mas que, com seu aboio saudoso, “faz quem tem amor chorar”.

Nesta homenagem breve que hoje prestamos ao centenário de nascimento desse grande poeta, é o próprio gênio nordestino e popular, a alma criativa e lírica de nosso povo mais sofrido que louvamos.

Por isso, mais uma vez, parabéns pela iniciativa do Senador Inácio Arruda, do Senador Tasso Jereissati, que conta, tenho certeza, também com as bênçãos da Senadora Patrícia Sabóia.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21656