Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre a PEC 47. Defesa de mudanças na legislação penal.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. CODIGO PENAL.:
  • Manifestação sobre a PEC 47. Defesa de mudanças na legislação penal.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2009 - Página 22921
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. CODIGO PENAL.
Indexação
  • ELOGIO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, CAMARA MUNICIPAL, EXPECTATIVA, PLENARIO, SENADO.
  • APREENSÃO, DIVULGAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), VIDEO, REPRODUÇÃO, AULA, CRIMINOSO, ENSINO, FILHO, CRIANÇA, EXECUÇÃO, ASSALTO, HOMICIDIO, CRITICA, ORADOR, EXCESSO, IMPUNIDADE, AMPLIAÇÃO, QUANTIDADE, DELITO.
  • DEFESA, MODERNIZAÇÃO, CODIGO PENAL, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SENADO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, BUSCA, COMBATE, ALICIAMENTO, TRAFICO, DROGA, JUVENTUDE, NECESSIDADE, ATENÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, SOCIEDADE, EFICACIA, CUMPRIMENTO, LEIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Mas não vou ocupar tanto tempo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Senador César Borges e o Senador Antonio Carlos Valadares já comunicaram a V. Exª e a todos os Pares a decisão pela Comissão de Justiça do Senado Federal quanto à PEC 47, que dispõe sobre um aspecto envolvendo as Câmaras Municipais; é um aspecto relacionado aos repasses, aos recursos que são transferidos pelas Prefeituras Municipais e que as câmaras poderão utilizar.

Então, eu gostaria neste momento, de iniciar a nossa fala dando uma informação para todos os Vereadores deste País sobre aquilo que foi aprovado.

Atualmente, Sr. Presidente, a Constituição, em seu art. 29-A, autoriza as Câmaras Municipais a gastarem até 8% da receita descrita no artigo citado da Constituição Federal.

Este teto de 8% foi reduzido para 7%. O teto de 7% que alcança Municípios de 100 mil e um habitantes a 300 mil habitantes foi reduzido de 7% para 6%; os Municípios com 300 mil e um habitantes a 500 mil habitantes, que hoje podem alcançar até 6%, poderão gastar até 5%. Portanto, houve uma redução também de 1%. Os Municípios de 500 mil e um habitantes a 3 milhões de habitantes e que hoje estão autorizados a gastar até 5%, poderão gastar até 4,5%.

Os Municípios de 3 milhões e 1 mil a 8 milhões habitantes, que hoje estão autorizados a gastar 5%, passam a poder gastar 4%.

Os Municípios acima de 8 milhões de habitantes - aqui, no caso, é só São Paulo - passam de 5%, que hoje é permitido, a poderem gastar 3,5%.

Portanto, Sr. Presidente, o que aprovamos pode até não ser o ideal, mas foi resultado de muita conversação, de muito diálogo, até se conseguir o consenso. O que aprovamos é o resultado do possível, e um possível que precisa ficar muito claro. É uma redução naquele permissivo, naquilo que cada Câmara brasileira estava autorizada a gastar. Isso não significa, Sr. Presidente, que a Câmara vai gastar esse número, que a Câmara tem de gastar 7% ou 6% ou 5% ou 4%. Todos esses números correspondem ao limite que a Câmara pode alcançar. Por exemplo, vejam o caso de São Paulo, Senador Romeu Tuma, sobre o qual discutimos muito: hoje, a Câmara Municipal pode gastar até 5% e, no entanto, seus gastos se limitaram a menos de 3%, ficando em torno de 2.9%.

Com isso aqui, nós cumprimos a nossa parte na CCJ e vamos aguardar que o Plenário desta Casa, no mais breve espaço de tempo, hoje ou na sessão de amanhã, cumpra a sua parte e também aprove a PEC nº 47, que, sem dúvida alguma, é melhor que o texto que está em vigor atualmente.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o pronunciamento que desejo fazer nesta tarde, na verdade, não é relacionado à PEC dos Vereadores. O que pretendo abordar aqui, Senador Romeu Tuma, é um assunto que vi, que V. Exª certamente viu, e que me deixou perplexo e, certamente, todos os Senadores que assistiram à cena ficaram também. Aliás, qualquer ser humano civilizado que assistiu, na semana passada, a uma reportagem da TV Globo, com certeza teve até asco porque foi um fato triste, lastimável, de causar indignação.

Na verdade, foram imagens de uma aula. Aula de iniquidade, de degradação e de desrespeito ao ser humano. Foram imagens de um vídeo doméstico que reproduz uma aula de delinquência, ministrada a menores de idade, ministrada a uma criança de quatro anos e a uma menina de três anos de idade.

Os menores não aprenderam ainda sequer a pronunciar aquelas palavras mais simples do nosso vocabulário. Mas, em vez de ensinar-lhes a falar as coisas boas da infância, o que transmitia a elas era a arte de roubar, a arte de agredir. E, para isso, o material pedagógico eram armas de brinquedo.

E o “professor” do crime, quem era? Era o próprio pai de um dos menores, que também é tio da menina de três anos! Um criminoso de extensa ficha corrida por assalto, tráfico e sequestro.

Dar coronhadas, imobilizar pessoas, puxar gatilho e encorajar a criança a assaltar e matar foram as lições exibidas na televisão. O sonho natural dos pais é, geralmente, preparar os filhos para serem melhores do que eles. Esse é o sentimento que permeia todos nós.

Na crônica policial, não são comuns demonstrações de delinquentes que querem transmitir o legado da prática criminosa. Muitos deles chegam a ocultar suas histórias para não influenciar na formação dos inocentes.

É verdade que os alcapones da vida valeram-se de filhos para compor, para integrar organizações criminosas. Mas eles tinham, pelo menos, a paciência de esperar a maioridade para recrutá-los. Ensinar a bandidagem a uma criança é atentar contra a própria infância. É esterilizar os sonhos que começam a desabrochar nessa que é a fase mais bela da vida. Não consigo enxergar crime mais abominável do que esse.

Uma promotora de justiça, Drª Viviane Damiani Valcanaia, teria prometido interferir para afastar as crianças do delinquente. Um marginal desse jaez não tem como exercer o pátrio poder nem permanecer próximo de parentes menores.

Em ocasiões anteriores, quando via imagens de menores exibindo armas, fumando maconha e cheirando cocaína nas áreas dominadas pelo tráfico, imaginava que havíamos chegado ao fundo do poço. Esse episódio, entretanto, mostra que o fundo era falso. A criminalidade parece não ter limites, e o Estado não ter competência. Assassinatos banais, assaltos aterrorizantes, sequestros rotineiros vão semeando a descrença, a perplexidade e o medo.

Antigamente, a organização policial desfrutava de respeito e impunha autoridade. Hoje, criminosos e policiais são meros combatentes de uma guerra que não tem trégua.

O detalhe do fato que estou analisando é que, a despeito dos seus perigosos antecedentes, o delinquente estava solto. E não estava sendo procurado por causa dos crimes antigos, mas pelo último que cometera: um sequestro recente!

É um atestado eloquente de que a impunidade está alimentando o crime. Aliás, essa percepção foi obtida até por uma pesquisa do Senado Federal, do DataSenado, em que a população dizia claramente que ela enxergava como uma das principais causas da delinquência, do crime, a impunidade. Os benefícios são tão generosos que a bandidagem perdeu o medo da represália. Alguns porque estão protegidos pela idade ou usam cúmplices menores para se proteger. Os que são condenados sabem como obter a redução das penas. E o que mais os tranqüiliza é o fato de que, mesmo reclusos, conseguem extorquir, traficar, sequestrar, enfim, manter-se na delinquência.

Faço este registro para ilustrar uma realidade que nos recusamos a ver: a criminalidade no Brasil está mudando de perfil.

Para uma modalidade que se profissionaliza, que infiltra seus quadros nas instituições públicas e torna mais precoce o aliciamento de seus combatentes, não adianta manter intocáveis os conceitos e métodos de combate ao crime.

Paradigmas antigos, que tinham sentido numa realidade distante, precisam ser repaginados, renovados. Em 1940, Senador Antonio Carlos, quando foi escrito o Código Penal, o crime existia, mas não era organizado; o tabaco e o álcool eram as drogas mais ofensivas e nunca se transformaram em mina de ouro. Hoje o crime virou empresa e o tráfico de drogas, uma extraordinária fonte de riquezas.

         Entre aquela década e os dias atuais, a cocaína transformou-se no ouro branco que envenena a juventude, destrói famílias e promove toda a sorte de crimes. E é de arrepiar quando se sabe que há drogas mais demolidoras do que ela. Não é por acaso que a brutalidade e a selvageria estão cada vez mais presentes nas ações criminosas.

         Honra-me, Senador Magno Malta.

         O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Valter Pereira, eu só peço permissão para interrompê-lo para prorrogar a sessão por mais uma hora para que todos possam falar; regimentalmente, encerraria às 18h30.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Senador Valter Pereira, gostaria de parabenizá-lo pelo pronunciamento. Este tipo de debate é bem-vindo numa sociedade que perdeu todos os limites na questão da segurança pública. A impunidade, o uso e o abuso das drogas no Brasil é o adubo da violência. Algumas coisas estão muito erradas, como, por exemplo, em um País como o nosso, de fronteiras abertas, entende-se que segurança pública se faz com compra de viatura e não se investe em guarda de fronteira - e V. Exª é de um Estado de fronteira e mais do que ninguém sabe da necessidade de se guardar as fronteiras -; as drogas e as armas que chegam aos centros dos grandes centros e a crença na impunidade de um Código Penal velho, empoeirado, que está mais a serviço do crime do que da sociedade. O criminoso conhece os chamados direitos, V. Exª disse isso. Eles citam, eles peticionam e entregam a petição pronta na mão do advogado. Nós estamos vivendo um momento em que precisamos ter uma lei de exceção para os próximos 20 anos. A roda já foi inventada: é só copiar o 41-bis da Itália, que foi feita após a morte de Giovanni Falcone - o Senador Romeu Tuma sabe disso -, para que nós possamos colocar freio nessa violência advinda dos presídios. O sujeito pode ter vinte advogados; não há limitações para ele, um peticiona e o resto faz o serviço. O sujeito fica lá, recebe garotas de programa, ele pode ter encontros íntimos quantas vezes ele quiser, ele joga futebol, ele come por conta do Estado e ele comanda crime, comanda sequestro, tráfico de drogas, os grandes narcotraficantes comandam as suas partidas e faz deste País o entreposto para o tráfico internacional e ainda comanda o tráfico para consumo interno no País. Nós estamos vivendo um drama infeliz, em que há um universo de crianças de 8 a 12 anos que se tornaram grande alvo ou o grande cliente do crack. E o crack faz em 90 dias o que a cocaína leva 12 anos para fazer no sistema nervoso central. O vemos debaixo dos viadutos essa mazela - eu e o Senador Romeu Tuma, que estamos militando na CPI da Pedofilia, sabemos do que sofre a criança no Brasil, num país que está entre os três maiores abusadores de criança do mundo. Hoje, é o abandono das crianças usuárias de crack no Brasil. E eu queria fazer um registro muito bom e feliz - se é que eu posso dizer isso, e posso, até porque a ação de todos é que vai ajudar -: aquele grupo KLB, daqueles meninos novinhos, lançou uma campanha, em São Paulo, chamada “Campanha Cara Limpa”, exatamente para fazer enfrentamento na questão da prevenção, na questão do crack - e acho que V. Exª vai entrar aí. Nós temos um ordenamento jurídico horroroso no País, que só julga recurso. O ordenamento jurídico horroroso, em que o criminoso tem todas as suas vantagens e a sociedade não tem nada. O que temos de fazer neste momento? Chamar a atenção da sociedade, como V. Exª está fazendo. A responsabilidade da prevenção é de todos nós. O Ministério da Saúde mandou uma cartilha para as escolas, em que se ensina a fumar crack, em que se ensina a cheirar cocaína. Chama-se “Redução de Danos”. Que desgraça de danos são esses? Mandam uma cartilha para dentro de uma escola em que o menino aprende a fazer um cachimbo e na qual se diz: “Você fuma desse jeito para não queimar suas pálpebras. Você cheira desse jeito, faz a carreira desse jeito para não ter outro tipo de doença.” Tenho crianças se recuperando em minha instituição de drogados que aprenderam a fumar com essa cartilha na mão, por pura curiosidade. Estamos vivendo um momento tão ruim, nessa questão das drogas, que se demanda que a sociedade acorde para produzir prevenção a partir da família e não a partir da polícia, não a partir da classe política. Criação de filho é responsabilidade de pai e mãe. Por isso, quero parabenizá-lo por este debate. Que o Brasil que o ouve se compenetre para entender que a cocaína, que a maconha, que o álcool, que antes era debitado na conta dos pobres dos morros, entrou nos condomínios, tomou a classe média...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Valter Pereira, lembro que V. Exª disse que não gastaria seu tempo, que já se exauriu. O tempo agora é de Romeu Tuma.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Já vou encerrar, Senador, para não tomar o seu tempo. Temos uma boa escola aqui no Parlamento, que é o Senador Mão Santa. Então, aprendemos bem com ele. Gostaria de parabenizá-lo porque este debate é o debate do Brasil. É absolutamente necessário. Urge que as famílias tomem conta deste debate, porque é a partir da prevenção, não a partir da espera da ação da polícia ou da classe política. Cada pai, cada mãe, tem de olhar para dentro de si e se perguntar que tipo de filho, que tipo de cidadão, está criando para oferecer à sociedade. Muito obrigado.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Muito obrigado pelo aparte. V. Exª enriquece o meu pronunciamento.

O Senador Antonio Carlos Valadares tinha pedido um aparte, e eu gostaria que ele falasse.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Estou deixando terminar o tempo de V. Exª, que já está nos últimos segundos, para que V. Exª termine o seu discurso, mas, antes, quero lhe dizer que a criminalidade no Brasil não está somente nas ruas. Há a sua continuidade, através de um processo danoso, desorganizado, malfeito, nas penitenciárias do Brasil, onde o preso não só reaprende como aumenta sua tecnologia na prática do crime, o que não acontece nos países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos. Li recentemente, em uma revista de grande circulação aqui no Brasil, que um cidadão teve toda sua família praticamente trucidada e o seu desejo era de vingança. Acontece que ele, em virtude do abandono a que foi jogado depois da morte de sua família, terminou ingressando na criminalidade.

(Interrupção do som.)

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Mas teve condições, mesmo preso durante dois anos, de se recuperar, porque ali na penitenciária ele aprendeu um ofício, ele praticou esporte, ele foi conscientizado a refletir sobre o seu futuro. Voltou à vida normal depois de solto e hoje é um cidadão exemplar nos Estados Unidos. Isso é o que deve acontecer no nosso País. Para tanto, precisamos de uma boa formação nas penitenciárias. Agradeço a V. Exª.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Obrigado a V. Exª.

Mas, Sr. Presidente, para concluir, tratar uma bandidagem, ensandecida e irracional, com a brandura da velha legislação penal, está invertendo a máxima de que o crime não compensa. Um dos paradigmas que precisa ser revisto é o da maioridade penal. A proposta de sua redução precisa ser encarada por esta Casa com realismo. E essa discussão está para ser decidida aqui.

É bem verdade que essa não é uma solução definitiva e integral para enfrentar a criminalidade. Numerosas propostas já foram aprovadas e outras estão em tramitação. O Senador Antonio Carlos Valadares, que é membro da CCJ, tem participado efetivamente de muitas discussões sobre tantas propostas nessa direção.

É verdade também que não basta uma lei rigorosa. É preciso que a lei seja cumprida, que a lei seja executada. E a execução dela depende do Poder Executivo, depende do Ministério Público, depende do Judiciário. Portanto, a responsabilidade do Senado não é exclusiva, ela é solidária com todos os demais Poderes e com a sociedade brasileira.

Sr. Presidente, não vou exceder no tempo mais do que já excedi. V. Exª foi benevolente, e nós agradecemos por isso. Mas este é um tema recorrente, e nós estaremos nesta tribuna para debater, como sugere o Senador Malta, para novas discussões porque este é um debate que não acaba.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2009 - Página 22921