Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação sobre o não recebimento pela Mesa do Senado, do recurso contra o arquivamento das representações contra o presidente José Sarney.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Manifestação sobre o não recebimento pela Mesa do Senado, do recurso contra o arquivamento das representações contra o presidente José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2009 - Página 37950
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, CONSELHO, ETICA, MESA DIRETORA, ARQUIVAMENTO, REPRESENTAÇÃO, REJEIÇÃO, RECURSO REGIMENTAL, OFENSA, DEMOCRACIA, DECISÃO, PLENARIO, IMPORTANCIA, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, DESRESPEITO, OPINIÃO PUBLICA.
  • CONCLAMAÇÃO, POVO, MOBILIZAÇÃO, COBRANÇA, ETICA, CONGRESSO NACIONAL, RECONHECIMENTO, INSUCESSO, LUTA, ORADOR.
  • APREENSÃO, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EFEITO, AUTORITARISMO, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, SUBORDINAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • RETOMADA, DEFESA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, DEBATE, FUTURO, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, mais uma vez, eu venho aqui querendo falar de um projeto de Brasil, de um futuro para o País, dessa ideia que venho defendendo de que não basta um País desenvolvido. É preciso um País limpo nas suas ruas, com paz; na sua natureza, protegida; na sua economia, sintonizada com o futuro, que é a economia do conhecimento e não a economia da indústria mecânica, apenas; na limpeza de que a gente precisa na ética, não só na política, mas em todas as atividades. E, mais uma vez, eu me sinto impedido disso pelo fato dos eventos que nós atravessamos, nesses meses, no Senado.

            Tentamos o Conselho de Ética. E, aí, tudo foi arquivado de uma maneira simplista, sem o mínimo pudor diante da opinião pública. Tentamos agora trazer para o plenário, e mais uma vez, sem o menor pudor, isso foi impedido, em nome do Regimento. Mas onde o Regimento está acima de um plenário? Este plenário pode mudar até o Regimento nos momentos importantes - desde que democraticamente. O que não podemos é mudar o Regimento pela vontade, apenas, de um Presidente ou mesmo da Mesa; ou mesmo de um Colégio de Líderes.

            Por que não trazer para o plenário a ideia de debater aqui a possibilidade ou não de termos, no Conselho de Ética, arquivados todos os processos, em vez de termos dado uma bofetada no povo, uma bofetada na opinião pública, dizendo: “Vocês não têm o direito de saber a verdade”. Se fosse o julgamento final do destino de um Senador, nós poderíamos até votar contra, sim, a opinião pública, se a nossa consciência mostrasse que a mídia tinha passado mensagens equivocadas; que um grupo ou outro, aqui, manipulou a palavra e fez denúncias que não eram verdadeiras; que a opinião pública tinha sido iludida por tudo isso e que a responsabilidade nossa é votar como nós achamos, e não, necessariamente, como a opinião pública deseja.

         Mas, neste caso, o que a opinião pública quer não é cassar. O que a opinião pública quer é saber. Saber! E nós queremos saber. Essas denúncias são verdadeiras ou falsas? Essas denúncias têm consistência ou não têm consistência? Essas denúncias são perdoáveis, mesmo sendo verdadeiras, ou não são perdoáveis? Nisso não demos tempo ao povo. Isso é trair o juramento que fizemos de representar o povo. Nós negamos o Senado ao engavetar denúncias. Nós negamos o Senado, em si, ao negarmos analisar denúncias, ao negarmos descobrir e mostrar a verdade.

            Mesmo assim, tentamos. Não conseguimos passar pela Mesa a ideia de o plenário debater. Vamos ter de deixar que o povo decida. Temos de reconhecer, manifestar e aceitar a impotência daqueles que lutaram contra isso. Temos de reconhecer a derrota aqui dentro e perguntar ao povo se quem é derrotado merece ou não voltar aqui depois. Os que cometeram crimes, nós sabemos, não merecem voltar, embora o povo possa trazê-los - eu até acho que é provável que vá trazê-los de volta. Mas os que foram derrotados também têm de passar pelo voto. O povo tem o direito de dizer: “Você não fez parte disso, mas você foi incompetente para enfrentar tudo isso. Você não merece o mandato não por corrupção, mas por incompetência”. Nós temos de reconhecer aqui a nossa derrota, reconhecer a nossa incompetência. No máximo, podemos pedir desculpas, o que não adianta muito, e esperar o que o povo vai decidir depois.

            Agora, temos o direito de cobrar do povo. Se você queria saber a verdade, e não fomos competentes para mostrá-la a você, você tem o direito de ir para a rua cobrá-la. Mais do que o direito, você tem a obrigação de ir para a rua cobrá-la. Hoje, o povo brasileiro, diante do fracasso do Senado, é quem está com a responsabilidade de continuar a luta que perdemos aqui. Joguem-nos a culpa pela incompetência, mas não se acomodem, porque aí a culpa também é de cada um de vocês.

            Vinha recebendo centenas de e-mails, todos criticando a situação do Senado, e eu respondia, dizendo o que estávamos fazendo. A partir de agora, não vou mais poder dizer o que estamos fazendo. A partir de agora, vou ter de perguntar: “E você, que me mandou o e-mail, o que está fazendo além do e-mail?”. São importantes os e-mails, as cartas, os telefones, mas não vai ser por aí que vocês vão conseguir mudar a realidade daqui de dentro, contra a qual um grupo de nós lutou, mas não conseguiu derrotar. Vocês têm de vir para o Senado, para o Congresso; vocês têm de se manifestar nas ruas diante de cada um de nós. Vocês vão ter de se manifestar como fez outra geração na luta pelas Diretas, na época da luta pela anistia, na época da luta pela eleição direta de Presidente. Vocês vão ter de se manifestar pela ética no Senado; porque, se não fizerem isso, aqui dentro, nós não vamos conseguir fazer.

            Nós até podemos arquivar, como foram arquivados os processos, mas o povo não arquiva, o povo aceita ou luta contra. E eu espero que o povo lute contra, para ajudar a ressuscitar o Senado, porque, sem ele, não há democracia.

            Hoje, mais cedo, alguns discutiam se estamos diante ou não de um regime autoritário. Eu digo que nós estamos dando os primeiros passos para isso, porque, em um sistema republicano, se um Poder, o Executivo, tem mais força do que o Legislativo, já se tem um passo dado em direção ao autoritarismo.

            E nós temos de lutar contra o autoritarismo, seja o autoritarismo que vem do Executivo para cá diretamente, seja o autoritarismo de hoje, em que o Poder Executivo vem para cá não diretamente, mas através dos Senadores ligados a ele, através da sua tropa de choque, através daqueles que se submetem a tudo que o Executivo manda para cá. Hoje, a tudo o que o Governo manda para cá, nós nos submetemos. Na hora das medidas provisórias, balançamos a cabeça; na hora de um Conselho de Ética, os Senadores ligados ao Poder Executivo mandam engavetar as denúncias que existiam.

            Hoje, nós já estamos dando um primeiro passo em direção ao autoritarismo. E no autoritarismo, Senador Simon, o segundo, o terceiro e o quarto passos vêm muito depressa quando a tolerância da população aceita.

            Embora alguns digam que vale a pena recorrer ao Supremo, mesmo que alguns insistam em ir ao Supremo - eu tenho minhas dúvidas pela defesa que faço da independência entre os Poderes -, eu acho que o que a gente pode fazer é dizer: “Nós lutamos, nós perdemos e nós colocamos nas mãos de vocês, sobretudo da juventude brasileira, a luta para que não seja perdido o direito de saber a verdade, o direito de saber a verdade”. Não podemos arquivar isso. Arquivem-se os processos, mas não arquivem o direito de saber a verdade. Vocês têm de lutar para que essa verdade aflore, para que ela surja, seja para perdoar - eu até gostaria de reconhecer que não houve erro, até melhor - ou para tomar as medidas punitivas necessárias.

            A partir de agora, eu não vou continuar. Reconheço o fracasso nesse caso concreto. Na segunda-feira, eu tentarei falar sobre aquilo que venho tentando há tantas semanas, Senador: falar sobre o futuro do Brasil, falar sobre aquilo que a Senadora Marina há pouco falou, um olhar novo sobre o futuro que a gente deseja para o Brasil. Um futuro que não signifique apenas acelerar a velocidade desses últimos cinquenta anos, que a gente viu o que fizeram: transformaram este País em uma potência econômica e num desastre ético, num desastre social, num desastre ecológico, num desastre urbano, num país rico, mas não civilizado.

            Alguns desejam acelerar isso, mas acelerar isso, a meu ver, é chegar mais depressa a um abismo. Outros de nós defendem que se mude o rumo do País. Eu insisto em que façamos uma revolução neste País, uma revolução responsável, uma revolução doce, que é aquela pela educação - é a minha proposta -, incorporando o meio ambiente, incorporando uma nova economia, uma economia baseada no conhecimento, incorporando a ética nas decisões públicas, a transparência.

            Eu dou por terminada a luta para tentar fazer com que a verdade aflore aqui no Senado. Continuarei essa luta como cidadão, lá fora, nas manifestações que possam ocorrer. Aqui dentro, fracassei. Apesar de não ter consultado outros Senadores que estiveram juntos nessa luta, creio que eles também têm esse sentimento. Por isso, eu retomarei, na segunda-feira, o mandato de quem quer pensar o futuro, com todas as frustrações de quem hoje se sente pisando em algo que não é muito limpo no Senado da República brasileira. Que mesmo com essa sujeira onde a gente é obrigado a pisar, pelo menos a gente continue sonhando! Os sonhos em flores e em jardins são possíveis, mesmo quando a gente pisa na lama.

            É isso, Sr. Presidente, que eu tinha para confessar nesta sexta-feira.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2009 - Página 37950